Entrevista a Vítor Cotovio
"Somos seres à procura de sentido"
O ser humano é bom ou mau por natureza? Um progenitor matar um filho é um ato de pura maldade? Qualquer pessoa pode transformar-se num psicopata? Em entrevista à REVISTA PROGREDIR, o psiquiatra Vítor Cotovio responde a estas e outras questões, salientando que há sempre uma interseção de vários fatores. Entrevista por Sofia Frazoa e Fotos Progredir
PROGREDIR: O homem é bom por natureza e é o ambiente envolvente que o corrompe?
Vítor Cotovio: Tenho tendência a pensar, naquilo que são as possibilidades da imanência e da transcendência, que o homem seria bom por natureza. Mas também é certo que o homem é um ser social e em relação, que nasce com uma matriz ética e com uma matriz instintiva ou impulsiva. O desafio da maturidade é integrar de uma forma saudável e equilibrada, ao longo do tempo, o que é mais instintivo em nós dentro da matriz ética. O homem será mau naquilo que é egoico, não enquanto SER.
PROGREDIR: Como se pode, então, definir um psicopata?
Vítor Cotovio: Deve-se definir um psicopata a partir da adolescência, sendo que depois é importante retirar dados da infância para perceber se aquela criança ou adolescente já andava a ter comportamentos ditos bizarros. Não se é psicopata com um clique. Tem de se ver a história de vida da pessoa e seguramente encontravam-se episódios e situações nesse sentido.
PROGREDIR: É uma característica inata ou pode ter a ver com um trauma que lhe tenha sido causado pelo exterior?
Vítor Cotovio: Somos seres biopsicossociais e espirituais. A dimensão de cada um destes aspetos pode variar de pessoa para pessoa e é assim também no adoecer mental. Neste combinar das várias variáveis, acredito que algumas pessoas possam ser mais vulneráveis para ter esta ou aquela personalidade. Mas isso depois depende muito do que se semeia lá. Na questão da perturbação social da personalidade também há uma interseção entre aquilo que pode ser uma maior vulnerabilidade para determinadas personalidades serem um bocadinho mais “tortuosas”, mas depende do que se semeia.
PROGREDIR: Encontramos memórias traumáticas na história de vida dos psicopatas?
Vítor Cotovio: Vamos obviamente encontrar circunstâncias em termos de fatores causadores de stress, sobretudo na integração afetiva. Além de seres em relação, somos seres de troca afetiva, temos necessidade de ser amados. Se estas trocas afetivas forem desvirtuadas de tal maneira, estamos a potenciar a parte mais animalesca que todos podemos ter.
PROGREDIR: Um psicopata pode ser tratado e deixar de sê-lo?
Vítor Cotovio: É complicado. Quando falamos de um determinado trajeto, numa perturbação de personalidade deste tipo, significa que determinados traços de personalidade estão completamente rigidificados. É como se a consciência moral estivesse avariada.
PROGREDIR: A pessoa pensa que está a agir bem, de acordo com a ética e a moral?
Vítor Cotovio: Não há uma ética. Temos uma parte instintiva que nos dá direito às nossas malandrices, travessuras ou mentirinhas, faz parte do processo normal. Mas, ao mesmo tempo, temos uma consciência crítica e às vezes até nos atormentamos com complexos de culpa. Atormentamo-nos se a dimensão daquilo que fazemos ultrapassa o que é razoável e pode fazer mal aos outros. O psicopata perde este sensor, não tem o jogo interno acerca do que resulta das consequências dos seus atos. Antecipa o mal que pode fazer sem que isso represente um mal para si mesmo. Como se houvesse algum gozo no mal que se faz aos outros.
PROGREDIR: Essa consciência crítica de que fala já nasce connosco ou é-nos imposta pela noção de pecado e de mal que algumas religiões transmitem?
Vítor Cotovio: É uma conjunção das duas coisas. Por alguma razão temos apetência para nos aproximarmos do que nos dá uma noção de valor e do certo e errado. O problema é que às vezes, na formação do ponto de vista religioso, isso é levado ao extremo. A religião no sentido estrito é feita por pessoas, a espiritualidade não. Muitas vezes as religiões aparecem com a necessidade de controlar alguma coisa, que é a forma de garantir que as pessoas são do nosso lado. Não tem a ver com a espiritualidade. Somos mais seres espirituais a viver uma experiência humana do que seres humanos a viver uma experiência espiritual. Podemos optar por ser religiosos ou não, mas na minha perspetiva não temos opção em sermos espirituais.
PROGREDIR: O que define um ser espiritual?
Vítor Cotovio: Na comunicação com o transcendente, o ser humano acaba por precisar de linguagens e intermediários. Mas não é por isso que o mudo não comunica. Há pessoas que têm de ter uma linguagem e há pessoas que não são menos comunicadores mesmo sendo mudos. Não é por não terem uma religião que não são espirituais.
PROGREDIR: Pode-se considerar maldade casos de mães e pais que matam os próprios filhos?
Vítor Cotovio: Há muitas possibilidades e é redutor darmos palpites sem perceber o contexto. As explicações podem estar em espectros variáveis de comportamento, havendo dois registos mais comuns. Por exemplo, se uma pessoa tem um surto psicótico considera, de uma forma delirante, que ou é Deus ou está a ir para Deus e quer levar os filhos com ela ou livrá-los do Diabo. Outra coisa mais intensa e densa é uma pessoa estar tão profundamente deprimida e achar que os filhos vão ficar numa miséria e vão sofrer, sem terem um futuro. Aí, a pessoa mata-se a ela e aos filhos na suposição de que os está a livrar de um sofrimento maior.
PROGREDIR: Até a maneira de matar pode indicar qual dos dois registos?
Vítor Cotovio: Pode. A maneira de matar e o que se deixa escrito. Uma coisa é alguém delirante, fora da realidade; outra coisa é alguém deprimido que acha que tem uma responsabilidade com os filhos e agora não os pode deixar neste mundo porque é um mundo que lhes vai fazer mal. É um aspeto que não se resume a uma razão só, mas esta parte é muito sofrida. Imagine-se o sofrimento que leva alguém a matar os seus próprios filhos na suposição de que os está a proteger.
PROGREDIR: As pessoas atualmente andam mais desorientadas e entram mais facilmente nestes casos de depressão?
Vítor Cotovio: Sim. E aí pode haver o risco de haver comportamentos que não têm a ver com as pessoas serem psicopatas, mas com o facto de até onde conseguimos ir em situações de desespero. Somos seres à procura de sentido e temos necessidade de deixar alguma marca, seja isso o que for. A nossa eternidade traduz-se na marca que deixamos. Se nos amputam a possibilidade de nos projetarmos no futuro e de criarmos um sentido, as pessoas começam a cair no que chamamos dos “D’s”: desalento, desespero, depressão e destruição. Do desespero, podemos ir para a depressão ou para a destruição (auto ou hétero, depende das pessoas).
PROGREDIR: A depressão também é uma forma de destruição?
Vítor Cotovio: Acaba por ser uma forma de destruição do próprio. A taxa de suicídio não tem a ver diretamente com o stress, mas todos estes fatores stressantes vão potenciar a vulnerabilidade que as pessoas têm por viver neste caos. E as taxas de suicídio vão aumentando, não estejamos com fantasias. Os mecanismos de suporte social, de transitoriamente ajudar as pessoas ou dar-lhes a cana de pesca, atenuam o risco de suicídio em situações de crise. A pior coisa que pode existir é esta incapacidade de nos projetarmos no futuro. É evidente que precisamos de ter um sentido.
Vítor Cotovio: É uma conjunção das duas coisas. Por alguma razão temos apetência para nos aproximarmos do que nos dá uma noção de valor e do certo e errado. O problema é que às vezes, na formação do ponto de vista religioso, isso é levado ao extremo. A religião no sentido estrito é feita por pessoas, a espiritualidade não. Muitas vezes as religiões aparecem com a necessidade de controlar alguma coisa, que é a forma de garantir que as pessoas são do nosso lado. Não tem a ver com a espiritualidade. Somos mais seres espirituais a viver uma experiência humana do que seres humanos a viver uma experiência espiritual. Podemos optar por ser religiosos ou não, mas na minha perspetiva não temos opção em sermos espirituais.
PROGREDIR: O que define um ser espiritual?
Vítor Cotovio: Na comunicação com o transcendente, o ser humano acaba por precisar de linguagens e intermediários. Mas não é por isso que o mudo não comunica. Há pessoas que têm de ter uma linguagem e há pessoas que não são menos comunicadores mesmo sendo mudos. Não é por não terem uma religião que não são espirituais.
PROGREDIR: Pode-se considerar maldade casos de mães e pais que matam os próprios filhos?
Vítor Cotovio: Há muitas possibilidades e é redutor darmos palpites sem perceber o contexto. As explicações podem estar em espectros variáveis de comportamento, havendo dois registos mais comuns. Por exemplo, se uma pessoa tem um surto psicótico considera, de uma forma delirante, que ou é Deus ou está a ir para Deus e quer levar os filhos com ela ou livrá-los do Diabo. Outra coisa mais intensa e densa é uma pessoa estar tão profundamente deprimida e achar que os filhos vão ficar numa miséria e vão sofrer, sem terem um futuro. Aí, a pessoa mata-se a ela e aos filhos na suposição de que os está a livrar de um sofrimento maior.
PROGREDIR: Até a maneira de matar pode indicar qual dos dois registos?
Vítor Cotovio: Pode. A maneira de matar e o que se deixa escrito. Uma coisa é alguém delirante, fora da realidade; outra coisa é alguém deprimido que acha que tem uma responsabilidade com os filhos e agora não os pode deixar neste mundo porque é um mundo que lhes vai fazer mal. É um aspeto que não se resume a uma razão só, mas esta parte é muito sofrida. Imagine-se o sofrimento que leva alguém a matar os seus próprios filhos na suposição de que os está a proteger.
PROGREDIR: As pessoas atualmente andam mais desorientadas e entram mais facilmente nestes casos de depressão?
Vítor Cotovio: Sim. E aí pode haver o risco de haver comportamentos que não têm a ver com as pessoas serem psicopatas, mas com o facto de até onde conseguimos ir em situações de desespero. Somos seres à procura de sentido e temos necessidade de deixar alguma marca, seja isso o que for. A nossa eternidade traduz-se na marca que deixamos. Se nos amputam a possibilidade de nos projetarmos no futuro e de criarmos um sentido, as pessoas começam a cair no que chamamos dos “D’s”: desalento, desespero, depressão e destruição. Do desespero, podemos ir para a depressão ou para a destruição (auto ou hétero, depende das pessoas).
PROGREDIR: A depressão também é uma forma de destruição?
Vítor Cotovio: Acaba por ser uma forma de destruição do próprio. A taxa de suicídio não tem a ver diretamente com o stress, mas todos estes fatores stressantes vão potenciar a vulnerabilidade que as pessoas têm por viver neste caos. E as taxas de suicídio vão aumentando, não estejamos com fantasias. Os mecanismos de suporte social, de transitoriamente ajudar as pessoas ou dar-lhes a cana de pesca, atenuam o risco de suicídio em situações de crise. A pior coisa que pode existir é esta incapacidade de nos projetarmos no futuro. É evidente que precisamos de ter um sentido.
PROGREDIR: As pessoas vão dando sinais do desespero e da intenção suicida?
Vítor Cotovio: Vão dando sinais do desespero numa primeira fase. Se não estão isoladas, as pessoas são seres em relação e têm o peso das responsabilidades, nomeadamente com os filhos. O fator protetor, a religiosidade e a responsabilidade com as crianças conseguem muitas vezes equilibrar o desespero em que as pessoas podem estar. Depois, o povo português é muito solidário. E não tem apenas a ver com questões económico-financeiras. É para uma pessoa fazer parte de alguma coisa que é maior que ela própria.
PROGREDIR: A solidariedade é uma maneira quase de expiar os pecados e as maldades fazendo o bem ao outro?
Vítor Cotovio: Numa parte é, mas nesta altura do campeonato não me parece uma maneira de expiar os pecados. É uma questão de fazer parte de algo que nos protege. Numa situação de crise destas o isolamento é o pior companheiro.
PROGREDIR: Porque temos tanta dificuldade em assumir que às vezes também somos maus?
Vítor Cotovio: No nosso caso, em termos gerais, a cultura não deixa de ser judaico-cristã, com a ideia de que se era mau, era pecado. Portanto, é muito inquietante a pessoa assumir que é má porque acha que isso é pecaminoso, que vai para o inferno. Na verdade, o que faz parte do processo de aperfeiçoamento e amadurecimento das pessoas não é se temos coisas más. É se fazemos uma boa gestão das nossas coisas más. Todos as temos.
PROGREDIR: Teríamos todos a ganhar se assumíssemos a nossa dualidade?
Vítor Cotovio: Temos a ganhar se assumirmos que temos as nossas idiossincrasias maldosas e se as integrarmos. Precisamos dos outros. Quanto mais estamos numa relação saudável de amadurecimento mútuo através do outro e com o outro e comigo e por mim, mais provavelmente os sentimentos esquisitos se vão atenuando. Se eu fizer um desenvolvimento à custa da comparação com o outro, é evidente que não há alternativa, tenho de ser invejoso.
PROGREDIR: Porque é que temos essa pequena malvadez de querer destruir o outro em vez de nos trabalharmos para sermos melhores?
Vítor Cotovio: Essa malvadez atenua-se quanto mais o nosso processo de amadurecimento pessoal é feito em relação, mas com as nossas coisas. Às tantas corremos o risco de achar que a responsabilidade das coisas está mais fora de nós, quando verdadeiramente temos de procurar a responsabilidade dentro. Se eu coloco o ónus fora, não tenho possibilidade de amadurecer nem de aperfeiçoar ou evoluir. Isto que facilita as perturbações de personalidade.
Vítor Cotovio: Vão dando sinais do desespero numa primeira fase. Se não estão isoladas, as pessoas são seres em relação e têm o peso das responsabilidades, nomeadamente com os filhos. O fator protetor, a religiosidade e a responsabilidade com as crianças conseguem muitas vezes equilibrar o desespero em que as pessoas podem estar. Depois, o povo português é muito solidário. E não tem apenas a ver com questões económico-financeiras. É para uma pessoa fazer parte de alguma coisa que é maior que ela própria.
PROGREDIR: A solidariedade é uma maneira quase de expiar os pecados e as maldades fazendo o bem ao outro?
Vítor Cotovio: Numa parte é, mas nesta altura do campeonato não me parece uma maneira de expiar os pecados. É uma questão de fazer parte de algo que nos protege. Numa situação de crise destas o isolamento é o pior companheiro.
PROGREDIR: Porque temos tanta dificuldade em assumir que às vezes também somos maus?
Vítor Cotovio: No nosso caso, em termos gerais, a cultura não deixa de ser judaico-cristã, com a ideia de que se era mau, era pecado. Portanto, é muito inquietante a pessoa assumir que é má porque acha que isso é pecaminoso, que vai para o inferno. Na verdade, o que faz parte do processo de aperfeiçoamento e amadurecimento das pessoas não é se temos coisas más. É se fazemos uma boa gestão das nossas coisas más. Todos as temos.
PROGREDIR: Teríamos todos a ganhar se assumíssemos a nossa dualidade?
Vítor Cotovio: Temos a ganhar se assumirmos que temos as nossas idiossincrasias maldosas e se as integrarmos. Precisamos dos outros. Quanto mais estamos numa relação saudável de amadurecimento mútuo através do outro e com o outro e comigo e por mim, mais provavelmente os sentimentos esquisitos se vão atenuando. Se eu fizer um desenvolvimento à custa da comparação com o outro, é evidente que não há alternativa, tenho de ser invejoso.
PROGREDIR: Porque é que temos essa pequena malvadez de querer destruir o outro em vez de nos trabalharmos para sermos melhores?
Vítor Cotovio: Essa malvadez atenua-se quanto mais o nosso processo de amadurecimento pessoal é feito em relação, mas com as nossas coisas. Às tantas corremos o risco de achar que a responsabilidade das coisas está mais fora de nós, quando verdadeiramente temos de procurar a responsabilidade dentro. Se eu coloco o ónus fora, não tenho possibilidade de amadurecer nem de aperfeiçoar ou evoluir. Isto que facilita as perturbações de personalidade.
PROGREDIR: Se tivermos em conta que a
estrutura de personalidade não se altera, como é que uma pessoa se pode tornar
melhor?
Vítor Cotovio: A estrutura não se altera, mas tem maleabilidade quando não estamos a falar de problemas de personalidade. Ser melhor pessoa tem sempre a ver com a oportunidade, todos os dias, de amadurecer e de nos aperfeiçoarmos. Podemos aproveitá-la ou não. E para o processo de amadurecimento há coisas fundamentais que desenvolvemos pouco. Andamos numa correria e em competição que as coisas fundamentais que nos tornam melhores pessoas podem ficar para trás.
PROGREDIR: Pode dar exemplos?
Vítor Cotovio: A gratidão, o espírito de troca, de dar, agradecer, pedir desculpa, os sentimentos de encantamento. Passamos pelas coisas e vulgarizamo-las, só nos espantando ou encantando com coisas que são muito diferentes. Mas podíamos continuar a encantar-nos quando uma flor está a desabrochar ou quando o sol nasce. Está mais que provado, mesmo quimicamente, que o dar, o partilhar, aumentam os índices de felicidade porque aumentam os níveis de substâncias químicas do bem-estar como a ocitocina ou a dopamina.
PROGREDIR: Se sabemos isso, até pelos estudos, por que razão o pomos tão pouco em prática?
Vítor Cotovio: Há alturas na vida em que temos de perceber que sociedade queremos. Se calhar a sociedade tem de passar por determinadas crises para cair em si. E são escolhas. O que sabemos é que as pessoas mais bem resolvidas, mais em paz com a vida que tiveram, mais serenas, vão outra vez buscar o deslumbramento, o encantamento, tudo aquilo que é mais universal, mais o todo, e menos centrado no umbigo.
PROGREDIR: Devemos matar o ego ou ele também é útil?
Vítor Cotovio: Devemos integrar o ego. Faz-me todo o sentido a visão caleidoscópica de que em cada parte de nós temos o todo e o todo contem todas as partes. O global muda porque uma parte muda e serve de catalisador para a mudança do outro. O ego é um processo que vamos criando para sobrevivermos neste mundo. O problema é que demos tanto espaço ao ego, que ele nos está a gerir. É um processo insaciável.
Vítor Cotovio: A estrutura não se altera, mas tem maleabilidade quando não estamos a falar de problemas de personalidade. Ser melhor pessoa tem sempre a ver com a oportunidade, todos os dias, de amadurecer e de nos aperfeiçoarmos. Podemos aproveitá-la ou não. E para o processo de amadurecimento há coisas fundamentais que desenvolvemos pouco. Andamos numa correria e em competição que as coisas fundamentais que nos tornam melhores pessoas podem ficar para trás.
PROGREDIR: Pode dar exemplos?
Vítor Cotovio: A gratidão, o espírito de troca, de dar, agradecer, pedir desculpa, os sentimentos de encantamento. Passamos pelas coisas e vulgarizamo-las, só nos espantando ou encantando com coisas que são muito diferentes. Mas podíamos continuar a encantar-nos quando uma flor está a desabrochar ou quando o sol nasce. Está mais que provado, mesmo quimicamente, que o dar, o partilhar, aumentam os índices de felicidade porque aumentam os níveis de substâncias químicas do bem-estar como a ocitocina ou a dopamina.
PROGREDIR: Se sabemos isso, até pelos estudos, por que razão o pomos tão pouco em prática?
Vítor Cotovio: Há alturas na vida em que temos de perceber que sociedade queremos. Se calhar a sociedade tem de passar por determinadas crises para cair em si. E são escolhas. O que sabemos é que as pessoas mais bem resolvidas, mais em paz com a vida que tiveram, mais serenas, vão outra vez buscar o deslumbramento, o encantamento, tudo aquilo que é mais universal, mais o todo, e menos centrado no umbigo.
PROGREDIR: Devemos matar o ego ou ele também é útil?
Vítor Cotovio: Devemos integrar o ego. Faz-me todo o sentido a visão caleidoscópica de que em cada parte de nós temos o todo e o todo contem todas as partes. O global muda porque uma parte muda e serve de catalisador para a mudança do outro. O ego é um processo que vamos criando para sobrevivermos neste mundo. O problema é que demos tanto espaço ao ego, que ele nos está a gerir. É um processo insaciável.