Entrevista a Paulo Borges
"Mudar a mente, mudar o mundo"
Professor de Filosofia há mais de 20
anos, desde criança que as questões filosóficas o fizeram procurar saber e
perceber mais. Paulo Borges que irá estar presente no próximo dia 14 de
Setembro no auditório Progredir, na 9ª edição do Festival da Terra, fala-nos um
pouco sobre si, na entrevista deste mês.
Por Revista Progredir
Progredir: Quando começou a interessar-se por Filosofia?
Paulo Borges: Creio que desde a infância me deparei com questões filosóficas, como muitas outras crianças. Recordo que por volta dos 8 anos pensava muito no porquê de haver realidade e sentia que era um mistério... Mais tarde descobri que essa é, segundo alguns grandes filósofos, como Leibniz e Heidegger, a questão fundamental da metafísica: porque há alguma coisa e não o nada...
Progredir: Fale-nos do seu percurso de vida?
Paulo Borges: Vou sintetizar o meu percurso de vida. Na infância senti uma forte identificação com os índios norte-americanos e uma grande revolta contra o que os brancos lhes fizeram. O meu herói era o chefe índio Crazy Horse, Cavalo Louco. Criei um movimento para a libertação dos índios, ao qual só eu pertencia (sorrisos) e fazia um jornal manuscrito que punha nas caixas de correio dos vizinhos.
Na adolescência tornei-me consciente, por via do meu pai e avô paterno, da opressão política em Portugal antes do 25 de Abril e fiz um voto idealista de não ter uma namorada antes que a ditadura caísse. Felizmente o 25 de Abril aconteceu em breve (sorrisos)
A seguir ao 25 de Abril fascinaram-me as ideias libertárias acerca da anarquia como a expressão suprema da ordem, a ordem sem coação, mas rapidamente percebi que a maioria da população, a começar por muitos anarquistas, não tinham a evolução em termos éticos e de consciência para que isso seja para já possível em grande escala.
Entretanto cursei Filosofia, pois era o único curso que senti que me conduzia à liberdade de pensamento e a explorar horizontes menos ortodoxos. Durante o curso passei por uma fase nietzschiana e estive envolvido com os primórdios do movimento punk em Portugal, chegando a ser vocalista de um grupo, os Minas & Armadilhas, eu que nunca cantei afinado... Na verdade, foi mais um ato de revolta contra o status quo e o conformismo social que rapidamente se voltou a instalar no Portugal pós-25 de Abril.
A partir de 1981 descobri a meditação e a riqueza de todas as tradições espirituais do planeta, que passei a estudar sistematicamente. Descobri também pouco depois o budismo tibetano, senti ser a via mais adequada para mim e para me levar para além de todas as vias, o qual tento praticar até hoje. Na ética budista encontrei também algo que me tocou muito e que recebi desde a infância por via da minha mãe e avó materna, a importância do amor a todos os seres, não só os humanos mas também os animais. Antes do budismo encontrei isso em São Francisco de Assis e por vezes gosto de dizer que foi a sensibilidade franciscana que me conduziu ao budismo.
Ao mesmo tempo que descobri o budismo e os mestres budistas, descobri a profundidade da cultura portuguesa e tive o privilégio de ter sido amigo e convivente do Professor Agostinho da Silva, nos últimos doze anos da sua vida. Foi uma grande inspiração que retenho até hoje, a par de outras, como o encontro com o atual Dalai Lama.
A herança paterna e materna, ou seja, as preocupações com a justiça social e o amor aos animais, juntaram-se naquilo que faço hoje e que me levou a ser um dos fundadores e atualmente presidente da Direção do PAN, Partido pelos Animais e pela Natureza. Gostaria de contribuir para uma mutação da política e exorto a uma política da consciência e do coração, que conduza a um novo paradigma de civilização. Vejo o PAN como mais do que um partido. Para nós é a voz política de todos os movimentos de alternativas, nos mais diversos domínios.
Desde cedo me dediquei também à escrita e tenho hoje cerca de 30 livros publicados, a maioria de ensaio filosófico, mas também poesia, ficção e teatro.
Por Revista Progredir
Progredir: Quando começou a interessar-se por Filosofia?
Paulo Borges: Creio que desde a infância me deparei com questões filosóficas, como muitas outras crianças. Recordo que por volta dos 8 anos pensava muito no porquê de haver realidade e sentia que era um mistério... Mais tarde descobri que essa é, segundo alguns grandes filósofos, como Leibniz e Heidegger, a questão fundamental da metafísica: porque há alguma coisa e não o nada...
Progredir: Fale-nos do seu percurso de vida?
Paulo Borges: Vou sintetizar o meu percurso de vida. Na infância senti uma forte identificação com os índios norte-americanos e uma grande revolta contra o que os brancos lhes fizeram. O meu herói era o chefe índio Crazy Horse, Cavalo Louco. Criei um movimento para a libertação dos índios, ao qual só eu pertencia (sorrisos) e fazia um jornal manuscrito que punha nas caixas de correio dos vizinhos.
Na adolescência tornei-me consciente, por via do meu pai e avô paterno, da opressão política em Portugal antes do 25 de Abril e fiz um voto idealista de não ter uma namorada antes que a ditadura caísse. Felizmente o 25 de Abril aconteceu em breve (sorrisos)
A seguir ao 25 de Abril fascinaram-me as ideias libertárias acerca da anarquia como a expressão suprema da ordem, a ordem sem coação, mas rapidamente percebi que a maioria da população, a começar por muitos anarquistas, não tinham a evolução em termos éticos e de consciência para que isso seja para já possível em grande escala.
Entretanto cursei Filosofia, pois era o único curso que senti que me conduzia à liberdade de pensamento e a explorar horizontes menos ortodoxos. Durante o curso passei por uma fase nietzschiana e estive envolvido com os primórdios do movimento punk em Portugal, chegando a ser vocalista de um grupo, os Minas & Armadilhas, eu que nunca cantei afinado... Na verdade, foi mais um ato de revolta contra o status quo e o conformismo social que rapidamente se voltou a instalar no Portugal pós-25 de Abril.
A partir de 1981 descobri a meditação e a riqueza de todas as tradições espirituais do planeta, que passei a estudar sistematicamente. Descobri também pouco depois o budismo tibetano, senti ser a via mais adequada para mim e para me levar para além de todas as vias, o qual tento praticar até hoje. Na ética budista encontrei também algo que me tocou muito e que recebi desde a infância por via da minha mãe e avó materna, a importância do amor a todos os seres, não só os humanos mas também os animais. Antes do budismo encontrei isso em São Francisco de Assis e por vezes gosto de dizer que foi a sensibilidade franciscana que me conduziu ao budismo.
Ao mesmo tempo que descobri o budismo e os mestres budistas, descobri a profundidade da cultura portuguesa e tive o privilégio de ter sido amigo e convivente do Professor Agostinho da Silva, nos últimos doze anos da sua vida. Foi uma grande inspiração que retenho até hoje, a par de outras, como o encontro com o atual Dalai Lama.
A herança paterna e materna, ou seja, as preocupações com a justiça social e o amor aos animais, juntaram-se naquilo que faço hoje e que me levou a ser um dos fundadores e atualmente presidente da Direção do PAN, Partido pelos Animais e pela Natureza. Gostaria de contribuir para uma mutação da política e exorto a uma política da consciência e do coração, que conduza a um novo paradigma de civilização. Vejo o PAN como mais do que um partido. Para nós é a voz política de todos os movimentos de alternativas, nos mais diversos domínios.
Desde cedo me dediquei também à escrita e tenho hoje cerca de 30 livros publicados, a maioria de ensaio filosófico, mas também poesia, ficção e teatro.
Progredir: É Professor há mais de 20 anos, como vê os jovens de hoje?
Paulo Borges: Na verdade sou professor desde 1983, primeiro no ensino secundário e desde 1988 na Universidade de Lisboa. Sinto que os jovens, depois de um período de acomodação e conformismo, estão de novo a despertar para a sua grande vocação de sempre: mudar o mundo. Mas ser jovem não se mede pela idade, tendo antes a ver com a atitude de espírito. Ser jovem é não ser conformista e lutar sempre, sobretudo nas condições mais adversas, por um mundo mais justo para todos os seres, no respeito pela Terra e pelos ecossistemas.
Progredir: Presidente da União Budista Portuguesa que importância tem o Budismo para si desde que se tornou praticante em 1983?
Paulo Borges: Como já referi, fascinou-me no budismo a ética global, que visa o bem de todos os seres, humanos e não humanos, mas também a espiritualidade baseada na experiência e não em dogmas. Para mim é muito importante que o budismo se assuma como uma via para nos libertar de todos os condicionamentos e de todos os "ismos", incluindo o próprio budismo, pois o essencial não é ser budista, mas descobrir que se é Buda, que a nossa natureza profunda, comum a todos os seres, é um imenso potencial de sabedoria, amor, compaixão e criatividade. Não creio todavia que o budismo seja a via mais adequada para todos os humanos e acredito nas virtudes de uma ética e de uma espiritualidade laicas, transversais a crentes, ateus e agnósticos, baseadas no desenvolvimento das qualidades humanas fundamentais.
Progredir: Podia falar-nos sobre a sua experiencia em acompanhar o Dalai Lama em Portugal?
Paulo Borges: É difícil encontrar palavras... Como expressar sentir-se junto de um sol transbordante de energia, sabedoria e amor? E ao mesmo tempo junto do mais simples, humilde e bem-humorado dos homens. Uma das experiências mais intensas da minha vida foi quando, antes da sua conferência no Pavilhão Atlântico, ficou a sós comigo durante largos minutos em silêncio, com a mão direita pousada no meu ombro. Parece que ainda lá a tenho.
Progredir: A meditação faz parte integrante do seu percurso de vida, que possibilidades sente que esta prática lhe trouxe?
Paulo Borges: Meditar é estar plenamente consciente de tudo o que pensamos, dizemos, fazemos e se passa à nossa volta. E ao mesmo tempo estar consciente da própria consciência, do próprio estar consciente. Dessa energia simples, pacífica e pura que é o nosso fundo sem fundo e que está presente em todos os seres e coisas. A meditação mostra que há em nós um espaço mais vasto do que as nossas preocupações, pensamentos e desejos, que nos liberta do egocentrismo, do medo, do apego e da agressividade e nos faz sentir mais próximos ou mesmo íntimos e inseparáveis de todos os seres e do mundo como um todo.
Paulo Borges: Na verdade sou professor desde 1983, primeiro no ensino secundário e desde 1988 na Universidade de Lisboa. Sinto que os jovens, depois de um período de acomodação e conformismo, estão de novo a despertar para a sua grande vocação de sempre: mudar o mundo. Mas ser jovem não se mede pela idade, tendo antes a ver com a atitude de espírito. Ser jovem é não ser conformista e lutar sempre, sobretudo nas condições mais adversas, por um mundo mais justo para todos os seres, no respeito pela Terra e pelos ecossistemas.
Progredir: Presidente da União Budista Portuguesa que importância tem o Budismo para si desde que se tornou praticante em 1983?
Paulo Borges: Como já referi, fascinou-me no budismo a ética global, que visa o bem de todos os seres, humanos e não humanos, mas também a espiritualidade baseada na experiência e não em dogmas. Para mim é muito importante que o budismo se assuma como uma via para nos libertar de todos os condicionamentos e de todos os "ismos", incluindo o próprio budismo, pois o essencial não é ser budista, mas descobrir que se é Buda, que a nossa natureza profunda, comum a todos os seres, é um imenso potencial de sabedoria, amor, compaixão e criatividade. Não creio todavia que o budismo seja a via mais adequada para todos os humanos e acredito nas virtudes de uma ética e de uma espiritualidade laicas, transversais a crentes, ateus e agnósticos, baseadas no desenvolvimento das qualidades humanas fundamentais.
Progredir: Podia falar-nos sobre a sua experiencia em acompanhar o Dalai Lama em Portugal?
Paulo Borges: É difícil encontrar palavras... Como expressar sentir-se junto de um sol transbordante de energia, sabedoria e amor? E ao mesmo tempo junto do mais simples, humilde e bem-humorado dos homens. Uma das experiências mais intensas da minha vida foi quando, antes da sua conferência no Pavilhão Atlântico, ficou a sós comigo durante largos minutos em silêncio, com a mão direita pousada no meu ombro. Parece que ainda lá a tenho.
Progredir: A meditação faz parte integrante do seu percurso de vida, que possibilidades sente que esta prática lhe trouxe?
Paulo Borges: Meditar é estar plenamente consciente de tudo o que pensamos, dizemos, fazemos e se passa à nossa volta. E ao mesmo tempo estar consciente da própria consciência, do próprio estar consciente. Dessa energia simples, pacífica e pura que é o nosso fundo sem fundo e que está presente em todos os seres e coisas. A meditação mostra que há em nós um espaço mais vasto do que as nossas preocupações, pensamentos e desejos, que nos liberta do egocentrismo, do medo, do apego e da agressividade e nos faz sentir mais próximos ou mesmo íntimos e inseparáveis de todos os seres e do mundo como um todo.
Progredir: Fale-nos do seu próximo livro "É a Hora! A mensagem da
"Mensagem" de Fernando Pessoa", que será lançado em Outubro.
Paulo Borges: É fruto de mais de 30 anos de leitura e convívio com a obra de Pessoa e visa mostrar que a mensagem da "Mensagem" é uma exortação a que cada um de nós descubra em si o "Rei Encoberto", ou seja, que a nossa consciência desperte para o ser profundo que somos e ignoramos, devido à pressão familiar, escolar e social. Disso depende uma profunda transformação social e o advento de uma nova era, com uma consciência mais global e holística, isso a que Pessoa chamou o Quinto Império, segundo a linguagem da tradição profético-messiânica bíblica, mas que na verdade nada tem a ver com o poder político-religioso. Trata-se antes de um despertar da consciência coletiva, que não é só dirigido aos portugueses e lusófonos, mas aos cidadãos de todo o planeta. A mensagem da "Mensagem" é profundamente universalista.
Progredir: Como podemos tornar-nos agentes de uma profunda transformação em nós e no mundo?
Paulo Borges: Começando por sermos desde já, como dizia Gandhi, a diferença que queremos ver no mundo. E depois, como dizia Agostinho da Silva, tornando-nos contagiosos. E isso tanto mais acontecerá quanto mais formos exemplo de mudança, coerência e alegria no que somos, pensamos, dizemos e fazemos.
Progredir: Estará presente na próxima Feira Alternativa, qual a sua opinião sobre este projeto que já vai na 9ª edição?
Paulo Borges: É um grande projeto, que está na vanguarda da mudança que se impõe para uma nova civilização, onde se redescubram ou inventem formas de vida mais simples, naturais, saudáveis, éticas, conscientes e sustentáveis.
Progredir: O tema desta edição da Revista Progredir, tem por foco o Festival da Terra, como perceciona o crescente aumento de interesse pelas abordagens mais alternativas, tanto por parte do público em geral, como pelo aumento de profissionais a quererem abraçar estas áreas?
Paulo Borges: É um sinal dos novos tempos que aí vêm. O antigo paradigma de civilização está em crise e a humanidade procura um novo rumo, em maior harmonia com as leis da Vida, que nos permita a cura e a regeneração profundas.
Progredir: Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores da Revista Progredir?
Paulo Borges: Falo também para mim, pois também sou leitor da revista e não gosto de me pôr de fora (sorrisos). Que escutemos a voz que dentro de cada um de nós em silêncio fala e que lhe sejamos fiéis. A voz da consciência nunca nos engana nem se deixa enganar. Termino com as palavras finais da "Mensagem" de Fernando Pessoa:
Valete, Fratres!
Saúde, Irmãos!
Paulo Borges: É fruto de mais de 30 anos de leitura e convívio com a obra de Pessoa e visa mostrar que a mensagem da "Mensagem" é uma exortação a que cada um de nós descubra em si o "Rei Encoberto", ou seja, que a nossa consciência desperte para o ser profundo que somos e ignoramos, devido à pressão familiar, escolar e social. Disso depende uma profunda transformação social e o advento de uma nova era, com uma consciência mais global e holística, isso a que Pessoa chamou o Quinto Império, segundo a linguagem da tradição profético-messiânica bíblica, mas que na verdade nada tem a ver com o poder político-religioso. Trata-se antes de um despertar da consciência coletiva, que não é só dirigido aos portugueses e lusófonos, mas aos cidadãos de todo o planeta. A mensagem da "Mensagem" é profundamente universalista.
Progredir: Como podemos tornar-nos agentes de uma profunda transformação em nós e no mundo?
Paulo Borges: Começando por sermos desde já, como dizia Gandhi, a diferença que queremos ver no mundo. E depois, como dizia Agostinho da Silva, tornando-nos contagiosos. E isso tanto mais acontecerá quanto mais formos exemplo de mudança, coerência e alegria no que somos, pensamos, dizemos e fazemos.
Progredir: Estará presente na próxima Feira Alternativa, qual a sua opinião sobre este projeto que já vai na 9ª edição?
Paulo Borges: É um grande projeto, que está na vanguarda da mudança que se impõe para uma nova civilização, onde se redescubram ou inventem formas de vida mais simples, naturais, saudáveis, éticas, conscientes e sustentáveis.
Progredir: O tema desta edição da Revista Progredir, tem por foco o Festival da Terra, como perceciona o crescente aumento de interesse pelas abordagens mais alternativas, tanto por parte do público em geral, como pelo aumento de profissionais a quererem abraçar estas áreas?
Paulo Borges: É um sinal dos novos tempos que aí vêm. O antigo paradigma de civilização está em crise e a humanidade procura um novo rumo, em maior harmonia com as leis da Vida, que nos permita a cura e a regeneração profundas.
Progredir: Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores da Revista Progredir?
Paulo Borges: Falo também para mim, pois também sou leitor da revista e não gosto de me pôr de fora (sorrisos). Que escutemos a voz que dentro de cada um de nós em silêncio fala e que lhe sejamos fiéis. A voz da consciência nunca nos engana nem se deixa enganar. Termino com as palavras finais da "Mensagem" de Fernando Pessoa:
Valete, Fratres!
Saúde, Irmãos!
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