Entrevista a Paulo Borges,
“O Sorriso do Buda”
Professor, ensaísta, filósofo, poeta e escritor, e seguidor da via do Buda desde 1983 segunda a tradição budista tibetana, Paulo Borges fala aos leitores da Revista Progredir sobre o seu ultimo livro “O Sorriso do Buda” e da sua visão sobre a atualidade aos olhos do Budismo.
Progredir: Para os leitores que não a conhecem, quatro palavras que a definem como pessoa?
Paulo Borges: Todo o Mundo-Ninguém.
Progredir: Fale-nos um pouco do seu percurso?
Paulo Borges: Recordo apenas alguns momentos mais marcantes. Desde a infância senti o mistério, o espanto e a estranheza de ser. Também me via como um pele-vermelha a cavalgar pelas pradarias e identifiquei-me com o chefe Sioux Cavalo Louco. Recordo depois o fascínio pelas pontes e a ânsia de as construir. Hoje sei que são pontes entre Tudo e Todos.
Recebi do meu pai e do meu avô paterno o amor à justiça social e à liberdade. Do meu pai herdei também a paixão pelo desconhecido e a iniciação à meditação. Da minha mãe e da minha avó materna recebi o amor pelos animais. Adolesci em pleno 25 de Abril, com a paixão do amor absoluto e da revolução total, que a pouco e pouco descobri que tem de começar por dentro. Reconheci-me no movimento libertário. Desiludido com o conformismo pós-25 de Abril, passei por uma fase semi-niilista: fui um dos precursores do movimento Punk em Portugal e vocalista dos Minas & Armadilhas. Primeiro quis estudar Arqueologia. Depois percebi que a arché (origem) que buscava era a Vida primordial e cursei Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde fiz Mestrado e Doutoramento e onde ensino desde 1989. Sou professor das disciplinas de Filosofias da Ásia, Filosofia da Religião, Filosofia, Meditação e Filosofia em Portugal. Também ensino Medicina e Meditação na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
No final da licenciatura, em 1981, descobri as tradições espirituais da humanidade como vias de abertura da consciência-coração. Pratiquei yoga e iniciei a prática da meditação e da via budista tibetana. Igualmente sensível a todas as tradições espirituais, escolhi a via do Buda pela qualidade dos seus mestres vivos, pela sua ética cósmica e por senti-la como, para mim, a mais adequada para um despertar da consciência para além de todas as vias. É nesse sentido que hoje sinto que concilio a via do Buda com um caminho inter-espiritual.
Ao mesmo tempo que descobri a via do Buda, reconheci a profundidade da cultura portuguesa, enraizada na mitologia de Oestrímnia, Ophyussae, a Terra das Serpentes, e Lusitânia. Acarinhei um Portugal ideal, mediador de um novo ciclo da consciência, visionado por Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva: o “Quinto Império” (sem imperador) da consciência universal, sintetizadora de culturas, religiões e espiritualidades. Descobri que a Saudade transcende todo o Fado no regresso ao Infinito que jamais cessámos de ser. Fui sebastianista da Realeza Encoberta em tudo.
Convivi com Agostinho da Silva, desde 1982 até à sua partida: o seu exemplo e mensagem inspiram-me continuamente (sobretudo a visão do Espírito Santo como o sopro sagrado comum a crentes e descrentes e a todas as tradições, que faz do nosso corpo o templo mais sagrado). Com ele e outros sábios vi que somos simultaneamente nós mesmos, todo o mundo e ninguém. Entre os grandes mestres budistas com quem tenho tido a fortuna de aprender, destaco Dilgo Khyentse Rinpoche, Trulshik Rinpoche e Sua Santidade o Dalai Lama, cujas vindas a Portugal ajudei a organizar em 2001 e 2007, tendo traduzido neste ano os seus ensinamentos públicos. Hoje tenho Mingyur Rinpoche como principal mestre na via do Buda, a par da inspiração de Thich Nhat Hanh.
Em 2009 ajudei a criar uma iniciativa política alternativa, focada na defesa da Terra e de todos os seres vivos. Fui cofundador e presidente do PAN, demitindo-me em 2014 e desfiliando-me em 2015 por desilusão com a política partidária. No mesmo ano fui candidato anunciado à presidência da República, apenas para lançar o movimento informal Outro Portugal Existe, proposta de convergência das iniciativas alternativas à crise da civilização. Em 2019 criei o movimento informal Irmânia, inspirado em Agostinho da Silva.
Pratico e ensino filosofia e meditação. Vejo a reunião de ambas como a via para redimir a primeira da sua deriva meramente intelectual e académica e para libertar a segunda da mera busca egocêntrica de bem-estar "espiritual" ou de foco e eficácia acríticos. Gosto de fazer caminhadas, contemplar o imenso Mistério que há em todas as coisas e comungar e celebrar o que tudo e todos são: infinita e indizível Plenitude.
Das minhas muitas iniciativas destaco o Círculo do Entre-Ser, a Visão Pura, com Daniela Velho, a MYMA e a Irmânia, inspirada em Agostinho da Silva. Todas visam desvelar sínteses entre as sabedorias da humanidade, actualizando a sua mensagem libertadora. Na Faculdade de Letras coordeno dois projectos que muito acarinho: Vita Contemplativa. Práticas Contemplativas e Cultura Contemporânea e o Núcleo de Pensamento Português e Cultura Lusófona. Tenho também o privilégio de colaborar com a MacroViagens acompanhando grupos em muito gratificantes peregrinações à Índia, Nepal e Butão facilitando introduções à meditação e à filosofia budistas.
Sinto-me vocacionado para o diálogo inter-cultural e inter-espiritual e para explorar experiências-limiares: abertura e expansão da consciência, erotismo e sexualidade, sonhos lúcidos, poesia e morte. Sinto-me um contemplativo-activo: apenas um dos muitos que convergem para o Despertar da consciência-coração como o grande propósito da vida. Aspiro a que todos os seres sejam livres e felizes. Dizem que tenho um ar sério, mas por dentro sinto-me sempre uma criança a sorrir com duas pombas nas mãos (como numa foto de infância).
Progredir: Qual a sua maior paixão?
Paulo Borges: Despertar a consciência, experienciar o Infinito no íntimo de cada percepção e partilhar isso com todos.
Progredir: Para os leitores que não a conhecem, quatro palavras que a definem como pessoa?
Paulo Borges: Todo o Mundo-Ninguém.
Progredir: Fale-nos um pouco do seu percurso?
Paulo Borges: Recordo apenas alguns momentos mais marcantes. Desde a infância senti o mistério, o espanto e a estranheza de ser. Também me via como um pele-vermelha a cavalgar pelas pradarias e identifiquei-me com o chefe Sioux Cavalo Louco. Recordo depois o fascínio pelas pontes e a ânsia de as construir. Hoje sei que são pontes entre Tudo e Todos.
Recebi do meu pai e do meu avô paterno o amor à justiça social e à liberdade. Do meu pai herdei também a paixão pelo desconhecido e a iniciação à meditação. Da minha mãe e da minha avó materna recebi o amor pelos animais. Adolesci em pleno 25 de Abril, com a paixão do amor absoluto e da revolução total, que a pouco e pouco descobri que tem de começar por dentro. Reconheci-me no movimento libertário. Desiludido com o conformismo pós-25 de Abril, passei por uma fase semi-niilista: fui um dos precursores do movimento Punk em Portugal e vocalista dos Minas & Armadilhas. Primeiro quis estudar Arqueologia. Depois percebi que a arché (origem) que buscava era a Vida primordial e cursei Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde fiz Mestrado e Doutoramento e onde ensino desde 1989. Sou professor das disciplinas de Filosofias da Ásia, Filosofia da Religião, Filosofia, Meditação e Filosofia em Portugal. Também ensino Medicina e Meditação na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
No final da licenciatura, em 1981, descobri as tradições espirituais da humanidade como vias de abertura da consciência-coração. Pratiquei yoga e iniciei a prática da meditação e da via budista tibetana. Igualmente sensível a todas as tradições espirituais, escolhi a via do Buda pela qualidade dos seus mestres vivos, pela sua ética cósmica e por senti-la como, para mim, a mais adequada para um despertar da consciência para além de todas as vias. É nesse sentido que hoje sinto que concilio a via do Buda com um caminho inter-espiritual.
Ao mesmo tempo que descobri a via do Buda, reconheci a profundidade da cultura portuguesa, enraizada na mitologia de Oestrímnia, Ophyussae, a Terra das Serpentes, e Lusitânia. Acarinhei um Portugal ideal, mediador de um novo ciclo da consciência, visionado por Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva: o “Quinto Império” (sem imperador) da consciência universal, sintetizadora de culturas, religiões e espiritualidades. Descobri que a Saudade transcende todo o Fado no regresso ao Infinito que jamais cessámos de ser. Fui sebastianista da Realeza Encoberta em tudo.
Convivi com Agostinho da Silva, desde 1982 até à sua partida: o seu exemplo e mensagem inspiram-me continuamente (sobretudo a visão do Espírito Santo como o sopro sagrado comum a crentes e descrentes e a todas as tradições, que faz do nosso corpo o templo mais sagrado). Com ele e outros sábios vi que somos simultaneamente nós mesmos, todo o mundo e ninguém. Entre os grandes mestres budistas com quem tenho tido a fortuna de aprender, destaco Dilgo Khyentse Rinpoche, Trulshik Rinpoche e Sua Santidade o Dalai Lama, cujas vindas a Portugal ajudei a organizar em 2001 e 2007, tendo traduzido neste ano os seus ensinamentos públicos. Hoje tenho Mingyur Rinpoche como principal mestre na via do Buda, a par da inspiração de Thich Nhat Hanh.
Em 2009 ajudei a criar uma iniciativa política alternativa, focada na defesa da Terra e de todos os seres vivos. Fui cofundador e presidente do PAN, demitindo-me em 2014 e desfiliando-me em 2015 por desilusão com a política partidária. No mesmo ano fui candidato anunciado à presidência da República, apenas para lançar o movimento informal Outro Portugal Existe, proposta de convergência das iniciativas alternativas à crise da civilização. Em 2019 criei o movimento informal Irmânia, inspirado em Agostinho da Silva.
Pratico e ensino filosofia e meditação. Vejo a reunião de ambas como a via para redimir a primeira da sua deriva meramente intelectual e académica e para libertar a segunda da mera busca egocêntrica de bem-estar "espiritual" ou de foco e eficácia acríticos. Gosto de fazer caminhadas, contemplar o imenso Mistério que há em todas as coisas e comungar e celebrar o que tudo e todos são: infinita e indizível Plenitude.
Das minhas muitas iniciativas destaco o Círculo do Entre-Ser, a Visão Pura, com Daniela Velho, a MYMA e a Irmânia, inspirada em Agostinho da Silva. Todas visam desvelar sínteses entre as sabedorias da humanidade, actualizando a sua mensagem libertadora. Na Faculdade de Letras coordeno dois projectos que muito acarinho: Vita Contemplativa. Práticas Contemplativas e Cultura Contemporânea e o Núcleo de Pensamento Português e Cultura Lusófona. Tenho também o privilégio de colaborar com a MacroViagens acompanhando grupos em muito gratificantes peregrinações à Índia, Nepal e Butão facilitando introduções à meditação e à filosofia budistas.
Sinto-me vocacionado para o diálogo inter-cultural e inter-espiritual e para explorar experiências-limiares: abertura e expansão da consciência, erotismo e sexualidade, sonhos lúcidos, poesia e morte. Sinto-me um contemplativo-activo: apenas um dos muitos que convergem para o Despertar da consciência-coração como o grande propósito da vida. Aspiro a que todos os seres sejam livres e felizes. Dizem que tenho um ar sério, mas por dentro sinto-me sempre uma criança a sorrir com duas pombas nas mãos (como numa foto de infância).
Progredir: Qual a sua maior paixão?
Paulo Borges: Despertar a consciência, experienciar o Infinito no íntimo de cada percepção e partilhar isso com todos.
Progredir: Como surge o seu livro Como surge o seu livro "O Sorriso do Buda"?
Paulo Borges: O livro surge da motivação de oferecer uma introdução aprofundada ao Budismo, mostrando a sua visão sobre alguns temas e questões centrais da vida humana, como saúde, doença, ética, ecologia, meditação, sexualidade e morte. Apesar do Budismo suscitar um interesse crescente no Ocidente, nem sempre a visão e os conceitos budistas são plena e claramente compreendidos, o que é natural, pois foram tradicionalmente formulados em línguas e contextos culturais, históricos e sociais muito diferentes dos nossos. Outro obstáculo a que haja uma melhor compreensão do budismo é a falta de conhecimento da enorme diversidade pela qual se manifesta a sua unidade de fundo, não havendo suficiente informação sobre as diferenças entre o budismo original, que alguns designam como Hīnayāna, o Veículo de Base, o Mahāyāna ou Grande Veículo e o Vajrayāna, ou Veículo de Diamante, exposto não nos Sutras, mas nos Tantras. Tudo isto leva a que surjam leituras parciais, superficiais, precipitadas ou fantasiosas dos ensinamentos do Buda Gautama e dos inúmeros mestres e Budas vivos que lhe sucederam até aos dias de hoje, nas mais diversas tradições e culturas em que o budismo se desenvolveu.
Esta situação é nefasta, pois o entendimento superficial ou a incompreensão da mensagem do Buda e do Budismo dificulta o benefício de quem por ela se interessa.
Daí a importância de surgirem estudos sérios e rigorosos que façam a ponte entre a linguagem dos textos e dos mestres budistas tradicionais e a mentalidade ocidental contemporânea, ajudando a criar massa crítica que contribua para a compreensão e o florescimento do Dharma do Buda no Ocidente. É o que pretendo com este volume de estudos e ensaios sobre o Budismo ou, como prefiro, sobre a Via do Buda ou do Despertar. A minha intenção é contribuir, minimamente que seja, para uma melhor compreensão da visão e das ideias budistas sobre questões fundamentais e universais, que a todos os seres humanos dizem respeito. Constatando que em Portugal escasseiam estudos deste teor, move-me ainda a aspiração a contribuir para que, numa nação e numa cultura que teve contactos históricos pioneiros com as culturas orientais e budistas, se reduza a imensa distância e atraso em que hoje estamos relativamente aos estudos do pensamento oriental e budista noutras nações da Europa.
Progredir: O que podem esperar os leitores depois de lerem o livro?
Paulo Borges: Conhecerem melhor o Budismo, quererem saber mais e, espero, sentirem-se motivados para experimentar pô-lo em prática.
Progredir: Como vê aos olhos do Budismo a situação atual e na sua opinião quais as maiores ilações que podemos tirar nesta fase que todos atravessamos?
Paulo Borges:Lamentando obviamente todo o sofrimento, perdas e medo gerados, creio que esta pandemia é na verdade um grande ensinamento e uma grande oportunidade, que trouxe a todos nós, gratuitamente, a oportunidade de fazermos do confinamento um retiro para examinar a fundo a nossa consciência e a nossa vida. Um grande ensinamento sobre a fragilidade da civilização e da mentalidade dominantes, mostrando a ilusão da sua aparência de poder, controlo e segurança e a sua extrema vulnerabilidade a factores incontroláveis e imprevisíveis, como um minúsculo vírus invisível. Uma grande oportunidade de redescobrirmos valores esquecidos, como o apreciarmos mais estar a sós connosco e com a família, sem a distracção contínua do trabalho, do consumo e da agitação mental voltada para a busca de felicidade no exterior, mas também a responsabilidade e solidariedade para com os outros, protegendo grupos de risco, desenvolvendo iniciativas de apoio mútuo e tomando consciência de como o nosso comportamento individual pode sempre beneficiar ou prejudicar toda a comunidade. No Budismo chama-se a isso a consciência da interdependência ou, como diz Thich Nhat Hanh, do entre-ser. Ainda nesta linha, creio também que, entre muitos outros, um dos principais ensinamentos e oportunidades que esta pandemia nos traz é mostrar claramente qual o caminho a seguir se queremos preservar o equilíbrio ecológico na Terra: abandonar o mito e a nova religião do crescimento económico a todo o custo para que o planeta se possa começar a regenerar. É comovente ver os efeitos da paragem da actividade poluente humana, desde o silêncio nas cidades até à maior transparência dos céus, dos rios e dos oceanos e ao repovoamento dos mesmos por muitas espécies animais. Além disso, vários estudos mostram que o número de vidas humanas poupadas pela descida da poluição excede largamente o das vítimas mortais da pandemia... Aliás, só em Portugal morrem muito mais pessoas por ano, quase 6000, do que todas as vítimas até agora da pandemia.
Dito isto, também devemos estar conscientes de que a nossa hiper-sensibilidade a esta pandemia contrasta com a nossa quase total insensibilidade a outras "pandemias", como a da fome, que mata milhões de seres humanos (muitos deles crianças) em todo o mundo, sobretudo em África. Esta pandemia tem vacina, chamada comida, mas por sua causa ninguém declara estados de emergência ou de calamidade ou faz disso notícia constante na comunicação social. A nossa hiper-sensibilidade à pandemia é porque ela nos ameaça directamente e isso, na perspectiva do Budismo ou de todas as demais tradições espirituais da humanidade, só mostra o nosso enorme egocentrismo. Também nisso o Covid-19 nos oferece a grande oportunidade de funcionar como um espelho do que se passa nas nossas mentes e corações e confrontar-nos com o muito trabalho que temos a fazer.
Progredir: O próximo tema da Revista Progredir é sobre "Regressos", na sua opinião qual a melhor estratégia para podermos ir regressando após este período conturbado que nos atingiu?
Paulo Borges: Há naturalmente uma grande preocupação com o chamado "regresso à normalidade", por pressão da economia e dos nossos hábitos de vida, mas essa preocupação não deixa de ser preocupante se considerarmos que a nossa habitual "normalidade" não é tão normal quanto isso... Basta recordar uma vez mais que a chamada "normalidade" causa muito mais vítimas mortais, devido à poluição, do que a pandemia. Seria na verdade lamentável se, após esta experiência, perdêssemos a grande oportunidade de repensar profundamente as nossas vidas com as lições que nos trouxe o Covid-19 e quiséssemos apenas voltar quanto antes ao status quo. Creio que a melhor estratégia para o regresso é ver bem se queremos realmente regressar a todos os nossos padrões de pensamento e modos de vida anteriores à pandemia ou se não há mudanças fundamentais a introduzir, como por exemplo repensarmos o sentido que estamos a dar às nossas vidas, as nossas prioridades e actividades, a gestão do tempo, o modo de consumir, etc. Talvez seja interessante regressar ao que for por enquanto necessário na nossa vida exterior considerada "normal", mas mantendo a decisão firme de não abdicar de continuar a cultivar aquilo que eventualmente a pandemia e o confinamento nos ajudaram a descobrir ou aprofundar: a importância de termos tempo para estar a sós e em família, o valor da contemplação e da interioridade, o valor de uma vida mais simples e com menos consumo, a consciência da nossa interdependência com os outros humanos, com todos os seres e a Terra, o sentido de responsabilidade pela forma como o nosso comportamento afecta os outros, a solidariedade, a importância de nos retirarmos periodicamente para ver mais claro, etc.
Progredir: Uma mensagem para os nossos leitores?
Paulo Borges: A vida é breve e a morte pode surpreender-nos a qualquer momento. Não deixemos que a busca do sucesso exterior, sempre incerto, fugaz e insatisfatório, se converta num constante insucesso interior que nos leve a viver e morrer com remorsos. Nunca deixemos para depois a escuta da voz da consciência, a realização das nossas melhores aspirações e a orientação dessas aspirações para o bem de todos os seres vivos, dos quais somos inseparáveis. Procuremos desde já e a cada momento a Vida Desperta e Plena que trazemos no íntimo do ser e que a todos nos convoca. Uma Vida florescente e fecunda, com sentido, boa para nós, para tudo e para todos. A Hora é Agora.
Paulo Borges
www.facebook.com/causas.pauloborges
pauloborgesnet.wordpress.com
Paulo Borges: O livro surge da motivação de oferecer uma introdução aprofundada ao Budismo, mostrando a sua visão sobre alguns temas e questões centrais da vida humana, como saúde, doença, ética, ecologia, meditação, sexualidade e morte. Apesar do Budismo suscitar um interesse crescente no Ocidente, nem sempre a visão e os conceitos budistas são plena e claramente compreendidos, o que é natural, pois foram tradicionalmente formulados em línguas e contextos culturais, históricos e sociais muito diferentes dos nossos. Outro obstáculo a que haja uma melhor compreensão do budismo é a falta de conhecimento da enorme diversidade pela qual se manifesta a sua unidade de fundo, não havendo suficiente informação sobre as diferenças entre o budismo original, que alguns designam como Hīnayāna, o Veículo de Base, o Mahāyāna ou Grande Veículo e o Vajrayāna, ou Veículo de Diamante, exposto não nos Sutras, mas nos Tantras. Tudo isto leva a que surjam leituras parciais, superficiais, precipitadas ou fantasiosas dos ensinamentos do Buda Gautama e dos inúmeros mestres e Budas vivos que lhe sucederam até aos dias de hoje, nas mais diversas tradições e culturas em que o budismo se desenvolveu.
Esta situação é nefasta, pois o entendimento superficial ou a incompreensão da mensagem do Buda e do Budismo dificulta o benefício de quem por ela se interessa.
Daí a importância de surgirem estudos sérios e rigorosos que façam a ponte entre a linguagem dos textos e dos mestres budistas tradicionais e a mentalidade ocidental contemporânea, ajudando a criar massa crítica que contribua para a compreensão e o florescimento do Dharma do Buda no Ocidente. É o que pretendo com este volume de estudos e ensaios sobre o Budismo ou, como prefiro, sobre a Via do Buda ou do Despertar. A minha intenção é contribuir, minimamente que seja, para uma melhor compreensão da visão e das ideias budistas sobre questões fundamentais e universais, que a todos os seres humanos dizem respeito. Constatando que em Portugal escasseiam estudos deste teor, move-me ainda a aspiração a contribuir para que, numa nação e numa cultura que teve contactos históricos pioneiros com as culturas orientais e budistas, se reduza a imensa distância e atraso em que hoje estamos relativamente aos estudos do pensamento oriental e budista noutras nações da Europa.
Progredir: O que podem esperar os leitores depois de lerem o livro?
Paulo Borges: Conhecerem melhor o Budismo, quererem saber mais e, espero, sentirem-se motivados para experimentar pô-lo em prática.
Progredir: Como vê aos olhos do Budismo a situação atual e na sua opinião quais as maiores ilações que podemos tirar nesta fase que todos atravessamos?
Paulo Borges:Lamentando obviamente todo o sofrimento, perdas e medo gerados, creio que esta pandemia é na verdade um grande ensinamento e uma grande oportunidade, que trouxe a todos nós, gratuitamente, a oportunidade de fazermos do confinamento um retiro para examinar a fundo a nossa consciência e a nossa vida. Um grande ensinamento sobre a fragilidade da civilização e da mentalidade dominantes, mostrando a ilusão da sua aparência de poder, controlo e segurança e a sua extrema vulnerabilidade a factores incontroláveis e imprevisíveis, como um minúsculo vírus invisível. Uma grande oportunidade de redescobrirmos valores esquecidos, como o apreciarmos mais estar a sós connosco e com a família, sem a distracção contínua do trabalho, do consumo e da agitação mental voltada para a busca de felicidade no exterior, mas também a responsabilidade e solidariedade para com os outros, protegendo grupos de risco, desenvolvendo iniciativas de apoio mútuo e tomando consciência de como o nosso comportamento individual pode sempre beneficiar ou prejudicar toda a comunidade. No Budismo chama-se a isso a consciência da interdependência ou, como diz Thich Nhat Hanh, do entre-ser. Ainda nesta linha, creio também que, entre muitos outros, um dos principais ensinamentos e oportunidades que esta pandemia nos traz é mostrar claramente qual o caminho a seguir se queremos preservar o equilíbrio ecológico na Terra: abandonar o mito e a nova religião do crescimento económico a todo o custo para que o planeta se possa começar a regenerar. É comovente ver os efeitos da paragem da actividade poluente humana, desde o silêncio nas cidades até à maior transparência dos céus, dos rios e dos oceanos e ao repovoamento dos mesmos por muitas espécies animais. Além disso, vários estudos mostram que o número de vidas humanas poupadas pela descida da poluição excede largamente o das vítimas mortais da pandemia... Aliás, só em Portugal morrem muito mais pessoas por ano, quase 6000, do que todas as vítimas até agora da pandemia.
Dito isto, também devemos estar conscientes de que a nossa hiper-sensibilidade a esta pandemia contrasta com a nossa quase total insensibilidade a outras "pandemias", como a da fome, que mata milhões de seres humanos (muitos deles crianças) em todo o mundo, sobretudo em África. Esta pandemia tem vacina, chamada comida, mas por sua causa ninguém declara estados de emergência ou de calamidade ou faz disso notícia constante na comunicação social. A nossa hiper-sensibilidade à pandemia é porque ela nos ameaça directamente e isso, na perspectiva do Budismo ou de todas as demais tradições espirituais da humanidade, só mostra o nosso enorme egocentrismo. Também nisso o Covid-19 nos oferece a grande oportunidade de funcionar como um espelho do que se passa nas nossas mentes e corações e confrontar-nos com o muito trabalho que temos a fazer.
Progredir: O próximo tema da Revista Progredir é sobre "Regressos", na sua opinião qual a melhor estratégia para podermos ir regressando após este período conturbado que nos atingiu?
Paulo Borges: Há naturalmente uma grande preocupação com o chamado "regresso à normalidade", por pressão da economia e dos nossos hábitos de vida, mas essa preocupação não deixa de ser preocupante se considerarmos que a nossa habitual "normalidade" não é tão normal quanto isso... Basta recordar uma vez mais que a chamada "normalidade" causa muito mais vítimas mortais, devido à poluição, do que a pandemia. Seria na verdade lamentável se, após esta experiência, perdêssemos a grande oportunidade de repensar profundamente as nossas vidas com as lições que nos trouxe o Covid-19 e quiséssemos apenas voltar quanto antes ao status quo. Creio que a melhor estratégia para o regresso é ver bem se queremos realmente regressar a todos os nossos padrões de pensamento e modos de vida anteriores à pandemia ou se não há mudanças fundamentais a introduzir, como por exemplo repensarmos o sentido que estamos a dar às nossas vidas, as nossas prioridades e actividades, a gestão do tempo, o modo de consumir, etc. Talvez seja interessante regressar ao que for por enquanto necessário na nossa vida exterior considerada "normal", mas mantendo a decisão firme de não abdicar de continuar a cultivar aquilo que eventualmente a pandemia e o confinamento nos ajudaram a descobrir ou aprofundar: a importância de termos tempo para estar a sós e em família, o valor da contemplação e da interioridade, o valor de uma vida mais simples e com menos consumo, a consciência da nossa interdependência com os outros humanos, com todos os seres e a Terra, o sentido de responsabilidade pela forma como o nosso comportamento afecta os outros, a solidariedade, a importância de nos retirarmos periodicamente para ver mais claro, etc.
Progredir: Uma mensagem para os nossos leitores?
Paulo Borges: A vida é breve e a morte pode surpreender-nos a qualquer momento. Não deixemos que a busca do sucesso exterior, sempre incerto, fugaz e insatisfatório, se converta num constante insucesso interior que nos leve a viver e morrer com remorsos. Nunca deixemos para depois a escuta da voz da consciência, a realização das nossas melhores aspirações e a orientação dessas aspirações para o bem de todos os seres vivos, dos quais somos inseparáveis. Procuremos desde já e a cada momento a Vida Desperta e Plena que trazemos no íntimo do ser e que a todos nos convoca. Uma Vida florescente e fecunda, com sentido, boa para nós, para tudo e para todos. A Hora é Agora.
Paulo Borges
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