Entrevista a Laurinda Alves
"Os projetos têm de começar e acabar para que comecem outros"
Para celebrar o primeiro aniversário da PROGREDIR fomos falar com a criadora e diretora da extinta revista XIS, uma publicação de sucesso na área do desenvolvimento pessoal. Laurinda Alves, agora jornalista freelancer, recorda a década que marcou a sua vida e que também a levou à mudança e à reinvenção Entrevista por Sofia Frazoa e Fotos por Gloria Aguiam
PROGREDIR: O que a levou a criar a revista XIS, em 1999?
Laurinda Alves: Engraçado voltar atrás porque a XIS marcou muito a minha vida, o meu percurso profissional, e continua a ser a minha marca de alguma forma. Tem a ver, de facto, com um jornalismo construtivo, que é um bocadinho diferente do jornalismo positivo. Ou seja, bom ou mau, fácil ou difícil, como é que nós podemos encontrar saídas para as situações, fazendo mais e melhor. A génese da XIS começou quando ainda era diretora da revista Pais e Filhos, com a inauguração de uma secção chamada Antes e Depois. Era uma secção em que as mães recentes ou com filhos pequenos se candidatavam a um dia de maquilhagem e estúdio. E foi impressionante ver os resultados e ver como é que pessoas normais, banais, algumas até um bocadinho fora de forma física, ficavam espetaculares, de capa de revista internacional. Ficavam pessoas luminosas, lindas, naquilo que eu acho que é esta beleza, a beleza das “pessoas normais”. Não sou uma pessoa focada na beleza dos sex symbols e de Hollywood.
PROGREDIR: Esses resultados nas pessoas inspiraram-na a criar a XIS?
Laurinda Alves: O feedback das pessoas era incrível. E comecei a pensar que tinha de fazer uma revista, qualquer coisa em que esta mudança fosse muito mais ampla, muito mais consciente, e que permanecesse, não fosse uma coisa só de um dia. Então a génese da revista XIS começou aqui, num impacto a um nível interior que uma simples mudança a nível exterior provocava e o efeito construtivo e feliz que isso tinha nas pessoas. E comecei com a minha irmã Catarina. A revista começou por se chamar XIS Ideias para Mudar e só passados dois anos é que se começou a chamar XIS Ideias para Pensar. A mudança é importante, a abertura à mudança, esta capacidade plástica de nos adaptarmos à mudança. A ideia chave era esta: ideias para mudar seja porque me apetece, seja porque me sinto mal ou seja porque estou bem mas gosto de mudar. Começou por aí.
PROGREDIR: Foram esses os ingredientes de sucesso para que a XIS tivesse resistido quase uma década e sempre com a adesão dos leitores?
Laurinda Alves: Acho que as pessoas nunca associariam a XIS a esta matriz. O sucesso da XIS teve a ver com o facto de nós falarmos de uma realidade de paisagem interior a partir da realidade exterior. A boleia para pensar a XIS foi da realidade exterior, do sentido estético e físico, para uma realidade interior do que é que isto mudou em mim e qual o impacto. O que eu acho que distinguiu a XIS e que foi o segredo do sucesso e induziu 20 mil leitores no Público foi um olhar com distância crítica, um olhar recuado, profundo e sério, sobre a realidade fácil ou difícil em nós e à nossa volta. Houve uma coisa que também quis fazer na XIS que foi o estilo de escrita. Os textos eram sempre escritos na primeira pessoa do plural, “nós”. Era muito no sentido interrogativo, até porque eu penso que evoluímos mais pela dúvida do que pela certeza. E este “nós” é muito subtil, mas o estar presente faz com que todos estejamos envolvidos e com que todos nos sintamos interpelados pelas mesmas questões e nos sintamos, de repente, a pensar as mesmas coisas uns com os outros.
PROGREDIR: Tudo na vida tem um limite e acaba
por se transformar, mas com tanto sucesso e longevidade, estava à espera que a XIS algum dia chegasse ao fim?
Laurinda Alves: De facto, hoje em dia olho para trás e penso: eu nunca teria acabado a XIS, não seria capaz. Ninguém consegue matar um filho seu, dizendo isto de uma forma muito dramática. A XIS foi pensada para ser mensal e quando surgiu a proposta de ser semanal foi um susto. Mas foi extraordinário porque foi uma montra permanente, deu uma possibilidade de multiplicação de temas e um olhar sempre muito em cima da realidade. Cumpriu um ciclo quase de 10 anos como revista semanal. Completou-se de uma forma mais rápida, mas com a mesma longevidade que têm as revistas mensais, ou seja, não há mais nada para dizer naquelas matérias. Acho que cobrimos todo o espectro. Se entrássemos, imagine, numa segunda década, se calhar iria fazer-nos repetir. Ou não, não sei. Fica por saber porque não o fizemos. A XIS fechou por questões logísticas e de publicidade e por uma crise que já se adivinhava no horizonte. Tive imensa pena que a XIS tivesse acabado naquela altura. Sofremos todos com isso, eu sofri imenso, mas a verdade é que ainda bem que acabou porque acredito nesta filosofia dos grandes gurus dos “killing projects”. Os projetos têm de começar e acabar para que existam outros, para que nos transformemos, para que consigamos ir mais longe.
PROGREDIR: Foi este processo de transformação que aconteceu consigo?
Laurinda Alves: Hoje olho para mim e vejo que seria impossível fazer o que estou a fazer agora se a XIS não tivesse acabado e se eu não tivesse sofrido o que sofri. Foram tempos dificílimos os que vivi. Foram anos de desemprego, anos de semi-desemprego, anos em que uma pessoa tem imensas dúvidas, até, se vai conseguir voltar ao sistema, a fazer coisas. Ser freelancer em Portugal é difícil e, portanto, de certa forma estes seis anos que passaram foram anos difíceis e complexos, anos cheios, mas ao mesmo tempo anos cheios de adversidades e de provações, mas muito transformadores. Eu acho que a transformação e essa mudança vêm de uma XIS ter acabado. Todas as pessoas, de alguma forma, quase têm direito a oportunidades de transformação, sejam elas fáceis ou difíceis. Pessoalmente agradeço isso.
PROGREDIR: Faz falta uma XIS no panorama atual?
Laurinda Alves: Em termos de leitores e em termos de escrita, acho que faz imensa falta, não digo uma XIS, mas revistas que calibrem a realidade, com as boas e as más notícias, que ajudem as pessoas a verem para lá do que nos é dado a ver nos telejornais. Os telejornais são uma angústia permanente e o país não é só aquilo. Não é. E isso a mim confunde-me bastante porque não percebo porque é que num país ainda se faz um jornalismo do “quanto pior, melhor”. Aquilo que nos salva é ainda haver bons jornalistas, bons cronistas e pessoas espalhadas e disseminadas nos media, haver ótimas referências que nos ajudam a calibrar a realidade porque, senão, estávamos confrontados com um país de depressão.
Laurinda Alves: De facto, hoje em dia olho para trás e penso: eu nunca teria acabado a XIS, não seria capaz. Ninguém consegue matar um filho seu, dizendo isto de uma forma muito dramática. A XIS foi pensada para ser mensal e quando surgiu a proposta de ser semanal foi um susto. Mas foi extraordinário porque foi uma montra permanente, deu uma possibilidade de multiplicação de temas e um olhar sempre muito em cima da realidade. Cumpriu um ciclo quase de 10 anos como revista semanal. Completou-se de uma forma mais rápida, mas com a mesma longevidade que têm as revistas mensais, ou seja, não há mais nada para dizer naquelas matérias. Acho que cobrimos todo o espectro. Se entrássemos, imagine, numa segunda década, se calhar iria fazer-nos repetir. Ou não, não sei. Fica por saber porque não o fizemos. A XIS fechou por questões logísticas e de publicidade e por uma crise que já se adivinhava no horizonte. Tive imensa pena que a XIS tivesse acabado naquela altura. Sofremos todos com isso, eu sofri imenso, mas a verdade é que ainda bem que acabou porque acredito nesta filosofia dos grandes gurus dos “killing projects”. Os projetos têm de começar e acabar para que existam outros, para que nos transformemos, para que consigamos ir mais longe.
PROGREDIR: Foi este processo de transformação que aconteceu consigo?
Laurinda Alves: Hoje olho para mim e vejo que seria impossível fazer o que estou a fazer agora se a XIS não tivesse acabado e se eu não tivesse sofrido o que sofri. Foram tempos dificílimos os que vivi. Foram anos de desemprego, anos de semi-desemprego, anos em que uma pessoa tem imensas dúvidas, até, se vai conseguir voltar ao sistema, a fazer coisas. Ser freelancer em Portugal é difícil e, portanto, de certa forma estes seis anos que passaram foram anos difíceis e complexos, anos cheios, mas ao mesmo tempo anos cheios de adversidades e de provações, mas muito transformadores. Eu acho que a transformação e essa mudança vêm de uma XIS ter acabado. Todas as pessoas, de alguma forma, quase têm direito a oportunidades de transformação, sejam elas fáceis ou difíceis. Pessoalmente agradeço isso.
PROGREDIR: Faz falta uma XIS no panorama atual?
Laurinda Alves: Em termos de leitores e em termos de escrita, acho que faz imensa falta, não digo uma XIS, mas revistas que calibrem a realidade, com as boas e as más notícias, que ajudem as pessoas a verem para lá do que nos é dado a ver nos telejornais. Os telejornais são uma angústia permanente e o país não é só aquilo. Não é. E isso a mim confunde-me bastante porque não percebo porque é que num país ainda se faz um jornalismo do “quanto pior, melhor”. Aquilo que nos salva é ainda haver bons jornalistas, bons cronistas e pessoas espalhadas e disseminadas nos media, haver ótimas referências que nos ajudam a calibrar a realidade porque, senão, estávamos confrontados com um país de depressão.
PROGREDIR: Acredita que melhor é possível, quer nas nossas vidas pessoais quer a nível geral?
Laurinda Alves: Acredito. Acredito que melhor é possível, tentar fazer mais e melhor, sendo que é um exercício difícil e muitas vezes feito na adversidade, em que se começa em fases muito complicadas. Faço voluntariado há 20 e tal anos e em imensas áreas. O que mais me ajudou, no fim da XIS, foi exatamente continuar a ser voluntária, a reforçar o voluntariado porque isso de alguma forma reforçou o sentido de vida e o sentido de pertença. Quando ficamos desempregados, aquilo que verdadeiramente nos desanima não é a falta de dinheiro (que é difícil, mas cada um de nós vai encontrando recursos ou tem ajudas, ou procura ou tem alternativas, ou, no limite, vai fazer trabalhos temporários e ganhar dinheiro). O que mais nos derrota é o sentido da vida, da realização, da utilidade, e esse sentido de pertença. Deixamos de pertencer a uma equipa, a uma organização, a uma estrutura. Não vou dizer às pessoas que, se estão desempregadas, façam voluntariado. Quando estive desempregada reforcei o voluntariado e sei que isso reforçou o meu sentido de vida, resgatou-me a confiança em mim própria e nas minhas capacidades, isso sim.
PROGREDIR: O facto de ter um nome construído e conhecido não lhe deu uma esperança maior de encontrar uma alternativa ao desemprego?
Laurinda Alves: Não, não. De facto, entre aquilo que escrevemos e o que apregoamos e fazemos vai um abismo. Porque às vezes escrevemos ou dizemos aquilo que gostaríamos de fazer. O que eu percebi sobre mim própria é que, afinal, eu acredito e pratico aquilo que muitas vezes escrevi e aquilo em que eu acredito é que não se pode perguntar à vida o que a vida tem para nos dar. É perguntar a mim o que é que eu tenho para dar à vida, o que é eu tenho para dar aos outros, como é que eu posso estar ao serviço e o que é que faz de mim uma mais-valia ou alguém que faça a diferença. E também percebi que pessoas como eu, que têm o seu trabalho reconhecido e valorizado, podem ficar desempregadas durante um tempo longo como acontece a toda a gente. Pensei aquilo que todas a outras pessoas pensam: nunca mais vou voltar ao sistema, se calhar a minha vida profissional acabou. Foi ótima, espetacular, fiz coisas ótimas durante 30 anos que se calhar não vou voltar a fazer. Foram pensamentos dificílimos durante muito tempo e aquilo que mais me ajudou foi ter três ou quatro pessoas que me ajudaram a pensar.
Laurinda Alves: Acredito. Acredito que melhor é possível, tentar fazer mais e melhor, sendo que é um exercício difícil e muitas vezes feito na adversidade, em que se começa em fases muito complicadas. Faço voluntariado há 20 e tal anos e em imensas áreas. O que mais me ajudou, no fim da XIS, foi exatamente continuar a ser voluntária, a reforçar o voluntariado porque isso de alguma forma reforçou o sentido de vida e o sentido de pertença. Quando ficamos desempregados, aquilo que verdadeiramente nos desanima não é a falta de dinheiro (que é difícil, mas cada um de nós vai encontrando recursos ou tem ajudas, ou procura ou tem alternativas, ou, no limite, vai fazer trabalhos temporários e ganhar dinheiro). O que mais nos derrota é o sentido da vida, da realização, da utilidade, e esse sentido de pertença. Deixamos de pertencer a uma equipa, a uma organização, a uma estrutura. Não vou dizer às pessoas que, se estão desempregadas, façam voluntariado. Quando estive desempregada reforcei o voluntariado e sei que isso reforçou o meu sentido de vida, resgatou-me a confiança em mim própria e nas minhas capacidades, isso sim.
PROGREDIR: O facto de ter um nome construído e conhecido não lhe deu uma esperança maior de encontrar uma alternativa ao desemprego?
Laurinda Alves: Não, não. De facto, entre aquilo que escrevemos e o que apregoamos e fazemos vai um abismo. Porque às vezes escrevemos ou dizemos aquilo que gostaríamos de fazer. O que eu percebi sobre mim própria é que, afinal, eu acredito e pratico aquilo que muitas vezes escrevi e aquilo em que eu acredito é que não se pode perguntar à vida o que a vida tem para nos dar. É perguntar a mim o que é que eu tenho para dar à vida, o que é eu tenho para dar aos outros, como é que eu posso estar ao serviço e o que é que faz de mim uma mais-valia ou alguém que faça a diferença. E também percebi que pessoas como eu, que têm o seu trabalho reconhecido e valorizado, podem ficar desempregadas durante um tempo longo como acontece a toda a gente. Pensei aquilo que todas a outras pessoas pensam: nunca mais vou voltar ao sistema, se calhar a minha vida profissional acabou. Foi ótima, espetacular, fiz coisas ótimas durante 30 anos que se calhar não vou voltar a fazer. Foram pensamentos dificílimos durante muito tempo e aquilo que mais me ajudou foi ter três ou quatro pessoas que me ajudaram a pensar.
PROGREDIR: Pessoas que a apoiavam?
Laurinda Alves: Não eram pessoas para me arranjar um emprego. Era, no fundo, um brainstorming. Ia tendo ideias para projetos, ia evoluindo no pensar a vida, repensar-me a mim, refazer as coisas, voltar a olhar para tudo com mais distância e com mais profundidade. O que me salvou foi, primeiro, nunca ter entrado nesta lógica de que eu sou conhecida e, portanto, de certeza que vai haver alguma coisa para mim. De todo. Pelo contrário. Mais depressa pensaria que não vai haver mais nada para mim. Depois, ajudou-me voltar à Universidade para fazer um curso de empreendedorismo social. Isso é uma coisa que eu aconselho às pessoas que ficam desempregadas. A fazerem um curso, não se deixarem ir abaixo, a reformularem o seu conhecimento, a mudarem às vezes de perspetiva, de campo, e seguirem em frente.
PROGREDIR: Ouve-se muito que Portugal não tem oportunidades para as pessoas. O que podemos fazer para acreditar num 2013 melhor do que aquele que se anuncia?
Laurinda Alves: Primeiro acho que temos de estar atentos uns aos outros, ou seja, não se pode ter sequer a presunção de superioridade de que isto a mim não me toca. Isso é um tiro nos pés. Ainda há pessoas com esta ideia de acharem que a eles nunca lhes vai acontecer, mas acho que já há muito poucos e cada vez menos. Temos de ter muita atenção a quem anda frágil à nossa volta, inquieto, pessoas que têm vergonha de dizer o estado em que estão. Ajudarmos muito mais e ficarmos todos muito mais em rede. Este valor da partilha e do testemunho. Depois, se possível, as pessoas usarem o seu tempo mais livre para se juntarem a grupos, para verem o que está a ser feito, o que está a acontecer. Nestas fases só juntos, sozinhos nunca. Quanto mais acompanhados, quanto mais em rede, melhor. Eu aposto muito na formação académica, no voltar a estudar, pode ser uma universidade, um curso profissional, evoluir numa área mais alternativa.
PROGREDIR: E quem tem trabalho?
Laurinda Alves: Quem tem trabalho tem de reorientar o olhar, refocar e aprender a valorizar coisas que não valorizam. As pessoas hipervalorizam a relação com o chefe, com os pares, e acho que temos que revalorizar o trabalho que temos, o sentido de equipa, e recriarmos dentro daquilo que fazemos. Porque está tudo tão precário que, mesmo os que têm trabalho e lhes parece tudo consolidado, amanhã podem não ter. Nós já nem sabemos quase quem somos, no sentido do meu papel na organização. Se sou substituível ou não sou. Todos nós, no limite, somos substituíveis. Deixámos de ter essas seguranças. Por um lado não é mau. Há aqui um lado bom que é de nos fazer apostar no nosso melhor.
PROGREDIR: O que é que esta época nos convida a transformar, a nível pessoal?
Laurinda Alves: O convite hoje em dia é, primeiro, sermos muito mais solidários, mas ainda muito mais solidários, muito mais generosos, muito mais atentos a nós e aos outros. Estamos sempre a tentar mudar os outros, mas a primeira mudança começa em nós. Se eu não mudar o que anda aqui dentro de mim, não vou mudar ninguém. Muito mais conscientes da fragilidade de todos e de que nada é adquirido. Há pessoas que vivem e agem como se as coisas fossem adquiridas, como se fossem os reis do mundo. Isso já é intolerável em qualquer circunstância, agora em circunstâncias de grande sofrimento, de grande fragilidade, de grandes crises, é insuportável. Mas há pessoas assim, que ainda são capazes de ter uma atitude de ostentação.
Laurinda Alves: Não eram pessoas para me arranjar um emprego. Era, no fundo, um brainstorming. Ia tendo ideias para projetos, ia evoluindo no pensar a vida, repensar-me a mim, refazer as coisas, voltar a olhar para tudo com mais distância e com mais profundidade. O que me salvou foi, primeiro, nunca ter entrado nesta lógica de que eu sou conhecida e, portanto, de certeza que vai haver alguma coisa para mim. De todo. Pelo contrário. Mais depressa pensaria que não vai haver mais nada para mim. Depois, ajudou-me voltar à Universidade para fazer um curso de empreendedorismo social. Isso é uma coisa que eu aconselho às pessoas que ficam desempregadas. A fazerem um curso, não se deixarem ir abaixo, a reformularem o seu conhecimento, a mudarem às vezes de perspetiva, de campo, e seguirem em frente.
PROGREDIR: Ouve-se muito que Portugal não tem oportunidades para as pessoas. O que podemos fazer para acreditar num 2013 melhor do que aquele que se anuncia?
Laurinda Alves: Primeiro acho que temos de estar atentos uns aos outros, ou seja, não se pode ter sequer a presunção de superioridade de que isto a mim não me toca. Isso é um tiro nos pés. Ainda há pessoas com esta ideia de acharem que a eles nunca lhes vai acontecer, mas acho que já há muito poucos e cada vez menos. Temos de ter muita atenção a quem anda frágil à nossa volta, inquieto, pessoas que têm vergonha de dizer o estado em que estão. Ajudarmos muito mais e ficarmos todos muito mais em rede. Este valor da partilha e do testemunho. Depois, se possível, as pessoas usarem o seu tempo mais livre para se juntarem a grupos, para verem o que está a ser feito, o que está a acontecer. Nestas fases só juntos, sozinhos nunca. Quanto mais acompanhados, quanto mais em rede, melhor. Eu aposto muito na formação académica, no voltar a estudar, pode ser uma universidade, um curso profissional, evoluir numa área mais alternativa.
PROGREDIR: E quem tem trabalho?
Laurinda Alves: Quem tem trabalho tem de reorientar o olhar, refocar e aprender a valorizar coisas que não valorizam. As pessoas hipervalorizam a relação com o chefe, com os pares, e acho que temos que revalorizar o trabalho que temos, o sentido de equipa, e recriarmos dentro daquilo que fazemos. Porque está tudo tão precário que, mesmo os que têm trabalho e lhes parece tudo consolidado, amanhã podem não ter. Nós já nem sabemos quase quem somos, no sentido do meu papel na organização. Se sou substituível ou não sou. Todos nós, no limite, somos substituíveis. Deixámos de ter essas seguranças. Por um lado não é mau. Há aqui um lado bom que é de nos fazer apostar no nosso melhor.
PROGREDIR: O que é que esta época nos convida a transformar, a nível pessoal?
Laurinda Alves: O convite hoje em dia é, primeiro, sermos muito mais solidários, mas ainda muito mais solidários, muito mais generosos, muito mais atentos a nós e aos outros. Estamos sempre a tentar mudar os outros, mas a primeira mudança começa em nós. Se eu não mudar o que anda aqui dentro de mim, não vou mudar ninguém. Muito mais conscientes da fragilidade de todos e de que nada é adquirido. Há pessoas que vivem e agem como se as coisas fossem adquiridas, como se fossem os reis do mundo. Isso já é intolerável em qualquer circunstância, agora em circunstâncias de grande sofrimento, de grande fragilidade, de grandes crises, é insuportável. Mas há pessoas assim, que ainda são capazes de ter uma atitude de ostentação.
PROGREDIR: No seu dia-a-dia também se tenta controlar, tendo uma vida mais modesta?
Laurinda Alves: Sim, claro. Muito mais. Não tenho carro há quatro anos. Adoro guiar, adoro carros e adoro carros bons, portanto nem sequer é uma coisa que me seja indiferente. Mas também digo que nunca na minha vida pensei poder vir a não ter carro e, hoje em dia, olho para trás e penso que não me sabia capaz de não ter carro e não sabia que continuava a ser feliz, que continuava a ser a mesma pessoa tendo carro ou não tendo. Espero voltar a ter carro, mas agora ando muito mais a pé, ando de metro todos os dias. Estou mais em comunhão com as pessoas.
PROGREDIR: As pessoas conhecem-na e abordam-na na rua?
Laurinda Alves: As pessoas são muito simpáticas. É muito fácil hoje aparecer na televisão. Por isso, sinto que sou reconhecida, digamos assim, as pessoas sabem quem eu sou. Só que eu não alimento isso, portanto também passo com uma banalidade enorme. Percebo, pelos olhares, que as pessoas reconhecem. Nunca tive nada que não fosse ou simpático ou de respeito. É uma sorte. Vejo isso no Facebook e no blogue.
PROGREDIR: O que faz para desenvolver a sua espiritualidade e para se manter em equilíbrio?
Laurinda Alves: Faço retiros de silêncio de uma semana há quase 20 anos, em que as pessoas são orientadas, há muito em que pensar e falamos muito com o orientador. Dá para arrumar a casa, as ideias, para recentrar, refocar. Há muitas pessoas que estão a entrar em crise e eu estou, no fundo, neste processo há seis anos. Então, graças a Deus, é como se estivesse a recuperar algo e senti que precisava de fazer algumas coisas no sentido espiritual. Foi o ano em que completei 50 anos, em que decidi ir aos Picos da Europa numa viagem de superação física e de transcendência, e que decidi marcar com os exercícios espirituais da vida quotidiana.
PROGREDIR: Que tipo de exercícios são esses?
Laurinda Alves: É como se esse retiro anual de sete dias se desdobrasse em nove meses. Durante esse período há um tempo de oração, meditação, leituras diárias orientadas, mais ou menos de uma hora por dia. Estes exercícios espirituais da vida quotidiana, que é muito esta inspiração inaciana onde eu me reconheço, com os jesuítas, ajudam-me imenso. Além disso, tenho uma rede há catorze anos que é um grupo de CVX (quer dizer, em hebraico, comunidade vida cristã), um grupo de oração e partilha. Sou católica praticante que, no meu caminho, na minha linha de evolução, opta por ter um grupo de oração e uns exercícios alargados neste ano da fé.
Laurinda Alves: Sim, claro. Muito mais. Não tenho carro há quatro anos. Adoro guiar, adoro carros e adoro carros bons, portanto nem sequer é uma coisa que me seja indiferente. Mas também digo que nunca na minha vida pensei poder vir a não ter carro e, hoje em dia, olho para trás e penso que não me sabia capaz de não ter carro e não sabia que continuava a ser feliz, que continuava a ser a mesma pessoa tendo carro ou não tendo. Espero voltar a ter carro, mas agora ando muito mais a pé, ando de metro todos os dias. Estou mais em comunhão com as pessoas.
PROGREDIR: As pessoas conhecem-na e abordam-na na rua?
Laurinda Alves: As pessoas são muito simpáticas. É muito fácil hoje aparecer na televisão. Por isso, sinto que sou reconhecida, digamos assim, as pessoas sabem quem eu sou. Só que eu não alimento isso, portanto também passo com uma banalidade enorme. Percebo, pelos olhares, que as pessoas reconhecem. Nunca tive nada que não fosse ou simpático ou de respeito. É uma sorte. Vejo isso no Facebook e no blogue.
PROGREDIR: O que faz para desenvolver a sua espiritualidade e para se manter em equilíbrio?
Laurinda Alves: Faço retiros de silêncio de uma semana há quase 20 anos, em que as pessoas são orientadas, há muito em que pensar e falamos muito com o orientador. Dá para arrumar a casa, as ideias, para recentrar, refocar. Há muitas pessoas que estão a entrar em crise e eu estou, no fundo, neste processo há seis anos. Então, graças a Deus, é como se estivesse a recuperar algo e senti que precisava de fazer algumas coisas no sentido espiritual. Foi o ano em que completei 50 anos, em que decidi ir aos Picos da Europa numa viagem de superação física e de transcendência, e que decidi marcar com os exercícios espirituais da vida quotidiana.
PROGREDIR: Que tipo de exercícios são esses?
Laurinda Alves: É como se esse retiro anual de sete dias se desdobrasse em nove meses. Durante esse período há um tempo de oração, meditação, leituras diárias orientadas, mais ou menos de uma hora por dia. Estes exercícios espirituais da vida quotidiana, que é muito esta inspiração inaciana onde eu me reconheço, com os jesuítas, ajudam-me imenso. Além disso, tenho uma rede há catorze anos que é um grupo de CVX (quer dizer, em hebraico, comunidade vida cristã), um grupo de oração e partilha. Sou católica praticante que, no meu caminho, na minha linha de evolução, opta por ter um grupo de oração e uns exercícios alargados neste ano da fé.
PROGREDIR: Qual sente que é o seu
compromisso de vida neste momento?
Laurinda Alves: O meu compromisso com a vida neste momento é tentar sempre, e em tudo, fazer mais e melhor. Às vezes consigo, a maior parte das vezes se calhar não…
PROGREDIR: E para este ano, há algum grande projeto que queira concretizar?
Laurinda Alves: São dois grandes projetos para mim: pôr o Dialogue Cafe (http://www.dialoguecafe.org/) a cumprir o seu destino e o seu desígnio e inaugurar uma cadeira na Universidade Nova de Lisboa para todos os alunos do 1º e 2º ano da licenciatura de Gestão e Economia. É uma cadeira para interpelar cabeças lógicas, matemáticas, científicas, de economia e gestão, em que os números contam, o negócio conta, o lucro conta, e pô-los a pensar nestas questões das relações humanas, da comunicação, da gestão de tempo, da gestão afetiva e efetiva dos negócios e das suas ideias. E de como é que querem fazer a diferença no mundo, atualizando o que é uma carreira de sucesso. O sucesso, hoje em dia, passa se calhar por criar, por resolver dilemas e dramas no mundo à minha volta, muito mais do que ir trabalhar para um banco ou ir trabalhar para uma empresa onde eu espero só progredir na carreira e ganhar muito dinheiro.
Laurinda Alves: O meu compromisso com a vida neste momento é tentar sempre, e em tudo, fazer mais e melhor. Às vezes consigo, a maior parte das vezes se calhar não…
PROGREDIR: E para este ano, há algum grande projeto que queira concretizar?
Laurinda Alves: São dois grandes projetos para mim: pôr o Dialogue Cafe (http://www.dialoguecafe.org/) a cumprir o seu destino e o seu desígnio e inaugurar uma cadeira na Universidade Nova de Lisboa para todos os alunos do 1º e 2º ano da licenciatura de Gestão e Economia. É uma cadeira para interpelar cabeças lógicas, matemáticas, científicas, de economia e gestão, em que os números contam, o negócio conta, o lucro conta, e pô-los a pensar nestas questões das relações humanas, da comunicação, da gestão de tempo, da gestão afetiva e efetiva dos negócios e das suas ideias. E de como é que querem fazer a diferença no mundo, atualizando o que é uma carreira de sucesso. O sucesso, hoje em dia, passa se calhar por criar, por resolver dilemas e dramas no mundo à minha volta, muito mais do que ir trabalhar para um banco ou ir trabalhar para uma empresa onde eu espero só progredir na carreira e ganhar muito dinheiro.
FOTOGRAFIA POR GLÓRIA AGUIAM
FOTÓGRAFA 214 536 187 | 964 690 874 www.aguiam.com [email protected] http://facebook.com/aguiamfotografas |