Por Pedro Melo
in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2022
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Mas porque ser Pessoa Humana é ser vulnerável?
Enquanto investigador da Ciência de Enfermagem, tenho como alvo de estudo as firmezas e infirmezas das Pessoas Humanas. É este o sentido desta Ciência e Profissão. E a vulnerabilidade está intimamente ligada com o estado de estar infirme. E do estar infirme ao ser infirme há uma ponte que podemos não atravessar. As Pessoas Humanas são dotadas de capacidades imensuráveis de contrariar os estados infirmes para não os perpetuar no tempo. Contudo, muitas vezes precisam de apoio para o conseguir e, para isso, podem contar com profissionais, nomeadamente com os que cuidam dos infirmes: os enfermeiros.
Vamos então, neste artigo, explorar formas de lidar com as vulnerabilidades ou infirmezas. Mas para saber como lidar com elas, temos de as organizar conceptualmente.
Pois bem, uma teoria muito interessante que nos explica estratégias para lidar com as vulnerabilidades é a Teoria das Transições, da teórica egípcia de Enfermagem Afaf Meleis. De acordo com esta investigadora, todos nós, Pessoas Humanas, vamos vivendo através da vivência de processos de transição, que nos podem deixar mais ou menos vulneráveis (ou como disse acima, infirmes). Podemos, de acordo com ela, encontrar na vida quatro tipos de transições:
As transições desenvolvimentais, que nos condicionam a vulnerabilidades ou infirmezas do tipo “assim é a vida a acontecer”, são as crises naturais que todos nós vamos vivendo enquanto envelhecemos: um casamento, um nascimento de um filho, o próprio envelhecimento… Mas pergunta-se o leitor deste artigo: e em que é que a vida a acontecer nos deixa vulneráveis?
Pois bem, eu passo a explicar: as Pessoas Humanas, aos olhos dos Enfermeiros, podem ter três tipos de infirmezas ou vulnerabilidades: as relacionadas com os processos intencionais (como a ausência de conhecimentos, crenças dificultadoras, hierarquias de valores dificultadoras, volição e adesão não demonstradas), as relacionadas com os processos não intencionais (como os fisiológicos: por exemplo por motivos de doença) ou as relacionadas com os processos de interação com o ambiente (como as pessoas com quem vivemos, a economia, a política, a cultura ou o espaço onde vivemos).
Então, no que respeita às transições desenvolvimentais, imaginemos uma pessoa que acaba de ser pai ou mãe. Tem decerto vulnerabilidades no contexto do papel parental (porque não tem conhecimentos sobre como cuidar de um bebé, ou porque têm crenças dificultadoras do assumir o papel parental, ou porque no ambiente em que vive tem dificuldades, por exemplo, financeiras, condicionadas pelas políticas locais). Isto para os enfermeiros significa um estado de saúde vulnerável.
Mas Meleis fala ainda de outros três tipos de transições: as situacionais (que nos acontecem sem estarmos à espera), por exemplo um desemprego; as de saúde-doença (que implicam adaptações a situações clínicas), por exemplo um diagnóstico de diabetes; e as organizacionais (que implicam mudarmos de papel), por exemplo mudar de funções no trabalho, ou passar a ser prestador de cuidados de um familiar.
Em todas elas, podem manifestar-se vulnerabilidades nos três tipos de processos que indiquei acima (umas mais nuns do que noutros).
Para lidar com estas vulnerabilidades, diz Afaf Meleis que temos de primeiro constituir propriedades essenciais para o conseguirmos com sucesso. A primeira é a consciencialização, ou seja, sermos capazes de entender que estamos vulneráveis e que precisamos fazer um caminho para desenvolver determinada transição. Depois o envolvimento, devendo neste caso, procurar-se recursos para apoiar na potenciação de firmezas, contrariando as vulnerabilidades e, Meleis, acrescenta ainda o tempo que é diferente em cada pessoa, para fazer o caminho nas suas transições. Há outras propriedades, mas estas que indiquei são mesmo essenciais. Por isso, quando atravessamos momentos de vulnerabilidade, o primeiro passo é um diálogo connosco para perceber o que nos está a acontecer e que mudanças implica esse acontecimento na nossa vida (se não o conseguirmos sozinhos, podemos procurar ajuda profissional, por exemplo com o nosso enfermeiro de família).
Depois há as condicionantes, que podem ser facilitadoras ou, pelo contrário, inibidoras da transição com sucesso. As pessoais (como as vulnerabilidades cognitivas (ausências de conhecimento), as crenças dificultadoras, entre outros), as da comunidade (como a ausência de suporte familiar ou de redes sociais) e as da sociedade (os fatores culturais, econômicos e políticos que nos influenciam). Para cada uma destas condicionantes, há respostas diferentes que devemos procurar: informação e educação, reflexão sobre as nossas crenças, procura de exemplos de outros com experiências semelhantes que possam ser âncoras de ajuda mútua, procurar recursos na nossa comunidade para nos apoiar, entre outras ações).
Na maior parte das vezes, estimado e estimada leitora, as crises (outro nome que podemos dar às transições) que vivemos são múltiplas (podemos acabar de ser pais, ficar desempregados e até ter uma doença), podendo estar ou não relacionadas e acontecerem ao mesmo tempo ou serem sequenciais (como a vida não é uma série de televisão, normalmente são simultâneas). Isto significa que as Pessoas Humanas são como as aves fénix, que extraordinariamente são capazes de se transformar e adaptar às vulnerabilidades das transições. E isso é uma virtude de valor imensurável. Admitir que nem sempre somos capazes de o conseguir sozinhos é também uma virtude. Somos Seres Sociais, precisamos uns dos outros. E no final de tudo, diz a Meleis, a maior parte de nós torna-se Mestre da sua vulnerabilidade e ela deixa de ter este nome e passa a chamar-se Força!
PROFESSOR AUXILIAR E INVESTIGADOR NA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
www.youtube.com/PedroMeloPhD
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in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2022
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