in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2015
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Mas ser pai, verdadeiramente, é sair do reino dos clones, é educar para a Liberdade, para a manifestação do que de autêntico há nos nossos filhos, que deixam de ser nossos por isso, que passam a ser deles mesmos, da vida se assim entendermos, de Deus se por aí formos.
Sair do reino dos clones na educação dos nossos filhos é ir para lá da violência que gera o medo, e do castigo que gera a culpa: porque educar pelo medo e pela culpa é congelar o ser único que pretende aceder a uma expressão verdadeira de si mesmo na vida.
Os nossos filhos, possuídos pelo medo e pela culpa, só vão saber procurar o que os torna seguros, e o que os lava da culpa. Nesse movimento, o que fica pelo caminho são eles próprios. Porque, para nós, seres humanos, nada mais nos pesa do que o medo, tornando a segurança uma necessidade vital. E, à semelhança do medo, pesa-nos toneladas o desamor do outro, que a culpa, a nossos olhos, eterniza. Enquanto me sinto culpado e digno de tal peso, o amor que preciso de receber, e que preciso de esperar receber, fica longe, inacessível, distante como algo a que não tenho direito. Por isso, a minha única resposta interna à segurança que não posso perder e ao amor sem o qual não posso viver, é seguir as regras que o meio me impõe, fazer o que a minha mãe me diz, obedecer ao meu pai, Respeitar pai e mãe, esperando-me o fogo do inferno interno se assim não o fizer.
E de tal modo serei obediente que me esquecerei disso e os imitarei em tudo o que puder, serei como eles. Já assim tendo a ser por natureza, aprendo a ser pessoa por imitação, porque nasci desprovido de instintos que me norteiem no meu meio ambiente sempre em mutação. Mas, com as forças tenazes do medo e da culpa, até me esquecerei da possibilidade de fazer diferente, tornando-me alegremente o clone que querem que eu seja, com prazer e com orgulho, tornando-me, se possível, o mais clone dos clones.
Seguindo os caminhos que a culpa e o medo ditam, eu irei para bem longe de mim. Não saberei quem sou, isto é, do que preciso, do que gosto, do que me faz sentir vivo, do que me aquece o coração... Irei por uma estrada deserta e árida, onde me alimentarei de muito pouco, onde terei frio... Para não chegar a lado nenhum, a não ser ao ponto de perceber que desperdicei a minha vida em troco de um pouco de conforto e de aprovação. A partir daí posso renascer, se não for tarde demais, se ainda me restar algum tempo e vida.
Ser pai, verdadeiramente, é destruir o reino dos clones, arrasar o seu castelo e afundar a sua armada, é educar para além do medo e da culpa, pois só aí agimos como criadores que respeitam o fluxo do que se quer manifestar através das nossas mãos, pois só aí permitimos o nascimento da obra prima, aquela que é única, que nunca aconteceu, isto é, um ser humano autêntico, livre no seu íntimo para se expressar no mundo à sua maneira, consciente das suas necessidades, do seu coração, e do que o torna diferente dos outros como indivíduo. Nesta liberdade e na vida que esta liberdade interna gera, este nosso filho, esta nossa filha, poderá também escutar os níveis mais profundos do seu ser, as aspirações mais preciosas que vão para lá do egocentrismo e dos seus sonhos infantis, mas que o empurram para viver no amor, para viver no bem, para aspirar ao bem, e para cultivar no seu dia a dia o que de mais vital e sagrado tiver encontrado na existência.
Quando aniquilamos os nossos filhos com a nossa violência, com a nossa prepotência, com o nosso controlo irracional, não os colocamos apenas mais longe deles próprios: afastamo-los da sua essência, da possibilidade de ouvir o apelo do inominável neles, daquilo que se manifesta mas não é visto, do que podemos chamar, para simplificar e confundir, da sua própria alma.
Criamos assim não apenas clones, mas clones desalmados, que perpetuam este mundo em que o amor tem de lutar para subsistir, quando ele é a nossa natureza mais profunda e o pão que nos alimenta.
Por isso, ser pai verdadeiramente é dar uma hipótese à Criação, à manifestação do que de melhor existe no ser a quem demos a vida.
MÁRIO RESENDE LICENCIADO EM FILOSOFIA MESTRE EM PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICOPATOLOGIA FORMADOR E PSICOTERAPEUTA TRANSPESSOAL ACREDITADO www.almasoma.pt [email protected] in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2015 (clique no link acima para ler o artigo na Revista) |