Por Isabel Duarte Soares
in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2015
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Os europeus são, em geral, preconceituosos quanto aos sentimentos. Acusamos os sentimentalistas de lamechas e sentimo-nos incomodados quando manifestamos emoções mais profundas, já que, para muitos, os sentimentos são considerados uma fraqueza, um aspeto da vida a esconder, algo de que nos envergonhamos, por acreditarmos intimamente que nos torna vulneráveis. Esta crença está enraizada no nosso inconsciente coletivo e vem do tempo em que os Gregos eram deuses, deuses estes que renegaram o sentimento e as emoções para segundo plano, ou seja, para a sombra, o inconsciente, dando primazia à razão e à lógica, valores do masculino psíquico.
O que guardamos na sombra toma-nos e domina-nos quando menos esperamos. Por isso, as emoções são muitas vezes temidas, porque saem sem controlo, sem filtro. No entanto, somos feitos de razão e emoção, e o sentimento, para além de ser o que nos garante que estamos vivos, faz inclusive parte da nossa personalidade, constituindo uma das quatro funções psíquicas, quer sejamos do tipo introvertido ou extrovertido (Jung). As outras três funções são a sensação, a intuição e o pensamento. Das quatro funções psicológicas, pensamento, sentimento, intuição e sensação, apenas uma se dedica ao intelecto, todas as outras estão do lado de fora da razão, da lógica. O que talvez seja suficiente para considerarmos outras fontes de conhecimento e de discernimento que não apenas as do pensamento.
As nossas emoções podem até sair descontroladas de vez em quando, e nós não gostamos de perder o controlo, mas esse descontrolo é um indicador de que algo nos incomoda, nos está a fazer sentir mal, mesmo que não o consigamos explicar racionalmente. A reação emocional protege-nos eventualmente de um mal maior, que, poderá surgir se congelarmos as nossas emoções.
Sentir primeiro, pensar depois.
Cada vez que um ser humano nasce, a história da evolução da consciência individual repete-se. De uma fase matriarcal, feminina, emocional, em que somos apenas prazer: comemos, dormimos e brincamos, passamos para uma fase (6-7anos) em que convivemos tranquilamente e em simultâneo com ambos os estímulos, emocional e racional, a que chamamos fase mitológica (Neumann). Por volta dos 8 anos, entramos sem retorno na fase patriarcal, masculina, racional, da consciência, que se pauta pela razão, a lógica, a necessidade de regras que nos permitam conviver no conjunto, seja social seja familiar. A fase patriarcal é marcadamente caracterizada por um desejo de poder e, por inerência, de controlo.
Nestas tuas fases, matriarcal (feminina) e patriarcal (masculina), temos a psique polarizada. O patriarcal teve de excluir o matriarcal para se poder firmar: para nos adaptarmos ao mundo, ao coletivo, temos muitas vezes de abdicar dos prazeres, atirando assim as nossas necessidades emocionais para o inconsciente.
A fase seguinte à fase patriarcal da consciência chama-se Alteridade, que se caracteriza pelo retorno do feminino, para que possa haver integração entre masculino (fase patriarcal) e feminino (fase matriarcal). Na Alteridade, as duas fases, matriarcal e patriarcal, voltam a conviver no mesmo espaço psíquico, não sem que a psique entre muitas vezes em conflito. Nesta fase, uma integração conscientemente dos opostos (razão e emoção) faz-se então necessária, dando, agora, primazia ao individual, e não ao coletivo, mesmo que este não aprove.
Sentir primeiro, pensar depois, integrar os dois.
O que seria de nós sem as sensações, com os cinco sentidos como meios para as proporcionar? Como seríamos tão mais limitados se não pudéssemos ver as cores do outono, cheirar a primavera, ouvir as ondas do mar, saborear morangos carnudos, tocar-nos uns aos outros.
O sentimento é o que está na base da arte, do que nos comove e nos move, do que nos emociona e nos une. Sentir é o verbo do amor, da comunhão, da pertença, da ligação, do vínculo, que está na base de todas as relações. Podemos admirar a qualidade e a capacidade de argumentação, ser fãs da ciência, rendermo-nos às descobertas tecnológicas. Mas nada disto serve para grande coisa, vinga, subsiste, se não o conseguirmos aplicar na prática, se não nos ajudar a lidar com a nossa vida emocional, que não se mede por bites, soundbites ou megabites, mas por batidas do coração, lágrimas de comoção, sorrisos nos olhos e afetos sinceros.
ISABEL DUARTE SOARES ESCRITORA, ETERNA PESQUISADORA DE PSICOLOGIA ANALÍTICA, PÓSGRADUADA EM JORNALISMO LITERÁRIO E TRADUTORA www.ecaequeeessa.com [email protected] in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2015 (clique no link acima para ler o artigo na Revista) |