in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2015
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
O ser humano tem a tendência a normalizar para organizar, e a catalogar para entender a sociedade em que vive. O que é diferente da norma é frequentemente criticado e visto como algo que não deveria existir, como um erro ou uma imperfeição num todo supostamente unido e uniforme, como se a coesão necessitasse de homogeneidade. Se as peças de um puzzle fossem todas iguais, será que encaixavam?
Se a sociedade em que vivemos é feita de diferenças, se o mundo em que vivemos é feito de diferenças maiores ainda, conviver com o que é diferente de nós é uma inevitabilidade e uma necessidade. Desde pequeninos, no núcleo familiar e no infantário, somos expostos a diferenças, e a forma como reagimos a elas pode ter causas variadas, desde tendências internas à influência familiar, do círculo de amizades ao local de residência.
A maioria das crianças são por natureza maleáveis e permeáveis: querem descobrir, experimentar e imitar. Estão abertas ao que é diferente e querem conhecê-lo, porque ainda não têm preconceitos. Mas essa abertura, quando mal direccionada, pode consolidar-se e torná-las influenciáveis mais tarde, se criarem o hábito de recorrer a outros para formar as próprias opiniões, ou se uma certa preguiça mental as levar a satisfazerem-se com a informação superficial que encontram, sem nunca aprofundarem o conhecimento dos temas sobre os quais vão formando opiniões.
Porque a sociedade em que vivemos está sobrecarregada de informação, nem sempre fidedigna, é preciso aprender a seleccionar a informação relevante e validá-la, sob pena de formarmos opiniões com base em informação incompleta ou mesmo errada, que vamos propagando. Quanto mais aceitamos sem questionar, sem passarmos pelo crivo da nossa inteligência e sem escutarmos a nossa sabedoria interior, mais nos tornamos intolerantes para com o que desconhecemos, mas acreditamos conhecer.
Assim, a intolerância tem origem em primeiro lugar num medo inconsciente do que é diferente, porque representa uma ameaça. O medo, por sua vez, tem origem principalmente na ignorância ou desconhecimento. Tememos o que ignoramos porque o nosso instinto de sobrevivência faz-nos suspeitar de potenciais ameaças e defende-se, atacando-as. Esse medo faz-nos também rejeitar o que não encaixa na realidade que criámos para nós (que inclui as nossas opiniões, crenças e hábitos). Se começamos a pôr em causa aquilo em que acreditamos - a nossa segurança - como vamos orientar-nos? Os outros podem achar-nos instáveis, incoerentes e pouco credíveis.
Por outro lado, temos uma curiosidade natural pelo desconhecido. Queremos o que não conhecemos. Adoramos viajar, ir onde nunca fomos, experimentar estar do “outro lado”. Mesmo que secretamente, admiramos o outro, e sabemos que sem ele o mundo seria muito menos belo e interessante. A verdade é que somos feitos de contradições. Sem esse oscilar constante entre pólos opostos, faltaria o atrito necessário ao movimento e ao crescimento, sem o qual não haveria evolução.
Só num mundo de polaridades conseguimos ver-nos ao espelho. Ao aprendermos sobre o mundo, aprendemos sobre nós mesmos. Sem o outro não é possível conhecer o “nós”, pois os contornos do “nós” chegam-nos por oposição, através do ”outro”. Gostamos de viver em sociedade e precisamos uns dos outros, mas quando não há tolerância surgem os conflitos. Outras vezes, não há conflito declarado, mas vivemos numa “paz podre”, em que nos forçamos a ser tolerantes, externamente, mas permanecemos, internamente, intolerantes. Apesar de preferível ao conflito aberto, este tipo de tolerância tem muito de hipocrisia.
A tolerância é talvez um meio caminho entre a intolerância e a aceitação. Se somos intolerantes, não aceitamos aquilo que nos outros é diferente de nós. Se somos tolerantes, suportamos essas diferenças, mas ainda não as aceitamos de verdade. Não é fácil aceitar o diferente no outro. Seja o familiar, o amigo ou o desconhecido, aceitar verdadeiramente dá trabalho. Se fosse fácil, o mundo seria bem diferente.
Aceitar implica reconhecer que cada um tem o seu próprio caminho a percorrer, do qual nada sabemos, e que não nos cabe julgar. Se nos concentrarmos no nosso próprio percurso, que é o único que podemos percorrer e relativamente ao qual podemos ganhar consciência, ficaremos menos preocupados com o caminho e as escolhas de outros.
A aceitação é uma forma mais elevada de tolerância, porque implica que não exista esforço para aceitar a diferença que observamos no outro, pelo contrário: passamos a reconhecê-la como uma parte desconhecida de nós mesmos, que o outro nos possibilita conhecer.
CRIADORA DE CONTEÚDOS DE ÂMBITO CULTURAL E AUTORA DE PUBLICAÇÕES SOBRE AUTO-CONHECIMENTO, ESPIRITUALIDADE E RUNAS
www.araciguassu.blogspot.pt
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in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2015
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