Por Cristina Marreiros da Cunha
in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2022
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
- O que é saudável aceitar plenamente (e não apenas tolerar),
- O que é necessário tolerar, até que ponto, podendo, até, ser necessário aumentar o nosso grau de tolerância,
- O que não temos de, nem queremos, tolerar.
Esta distinção está longe de ser fácil e está longe de ser igual para todos, ou sequer, igual na mesma pessoa, em todos os contextos e ao longo da vida…
Já que falamos de Saúde centremo-nos na Dor.
A dor existe para sinalizar algo que não está bem. Atender essa dor é, por isso, fundamental. A dor tem também um grande componente subjectivo, uma vez que é percepcionada por cada um de nós de modo diferente dependendo de múltiplos factores e situações.
Vejamos alguns exemplos:
1- Alguém que sente uma dor e que decide tolerá-la, (“ser forte”) sem tentar investigar porque estará ela presente, e qual a sua função, poderá estar a negligenciar-se, a não cuidar de si, sendo a sua tolerância em demasia, prejudicial à sua saúde.
2- Para alguém que sofreu uma cirurgia, partiu um braço ou fez um entorse, a razão da dor tona-se clara, e, a partir do momento em que a fisioterapia é recomendada para recuperar capacidades, a tolerância à dor, pode ter que ser desenvolvida, pois essa dor representa o esforço do corpo para se restabelecer.
3- Em alguém que está numa situação terminal altamente dolorosa em que pouco há a fazer, a dor assinala o que já todos sabem, pelo que o aumento de tolerância à mesma poderá fazer pouco sentido.
Através destes três exemplos, penso que é possível perceber a importância de se compreender a dor, para decidirmos o grau de tolerância que estamos dispostos a conceder-lhe.
O “Parto sem Dor”, ou Parto pelo método Psicoprofiláctico, nasceu na Rússia, - a partir dos trabalho de reflexologia (reflexo condicionado) do fisiologista Ivan Pavlov (1849 -1936) - posteriormente desenvolveu-se em França - através dos trabalhos do obstetra Fernand Lamaze, (1891-1957) - tendo-se espalhado posteriormente por toda a Europa e EUA.
Para além dos exercícios físicos e do treino específico para cada fase do parto, houve algo que, na altura, se percebeu ser fundamental para diminuir a sensação de dor, e que, numa linguagem fenomenológica, diríamos que é a importância de “dar sentido à dor”. Para tal é necessário perceber qual a sua função. Concretamente na preparação para o parto é de extrema importância que se tenha/adquira conhecimento da fisiologia do corpo feminino e das transformações que nele ocorrem durante a gravidez, durante as várias fases do trabalho de parto e no puerpério. Este conhecimento sobre o que se está a passar em cada momento, ajuda, não só a tolerar a dor das contrações mais dolorosas, como a perceber o que deve ser feito a cada passo, permitindo assim um maior envolvimento, uma maior participação, maior ajuda ao desenrolar natural do processo, um significado mais claro e, por tudo isto, levar a uma menor sensação dolorosa e um limiar maior de tolerância à dor.
Como em muitas outras situações (mas nem todas e nem sempre) “conhecimento é poder”. O conhecimento possibilita uma maior sensação de controlo, por outro lado, o desconhecimento em demasia gera ansiedade, medo e terá tendência a aumentar diminuir a tolerância à dor.
A partir do conhecimento e da atribuição de um sentido ao que se está a experienciar, nasce um maior grau de liberdade para escolher o nível de tolerância que decidimos a cada momento, adoptar nos diferentes aspectos e situações das nossas vidas.
Tal como na dor física a dor psicológica tem razões para existir e é necessário cuidar dela.
Quer a dor surja de conflitos (internos ou externos), quer surja de perdas inevitáveis, quer surja de experiências traumáticas que teimam em continuar a condicionar o modo como vemos e agimos (ou não) no presente (apesar de poderem ter ocorrido há muitos anos), a dor necessita de ser ouvida e processada de modo a poder ser integrada com um novo significado que nos permitirá um maior grau de liberdade sobre as decisões que tomamos.
Há dores inevitáveis, sobretudo passadas, que mais do que toleradas precisam de ser aceites, não numa perspectiva de resignação ou de “espírito de sacrifício” (essa postura costuma trazer amargura, vitimização, revolta… depressão e, paradoxalmente, intolerância!) mas sim numa perspectiva de libertação do que foi…, mas já não é!
Isto permite-nos viver e não, apenas, aguentar o peso da existência, tolerando-a...
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2022
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