in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2022
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
É a Natureza justa? É a Biologia justa? Fará sequer sentido falar de justiça quando se fala da vida sem a presença do Ser Humano?
É comum ouvir dizer que isto e aquilo é injusto – o filho que morre antes dos pais, o cancro que atinge a criança, a cirrose que mata quem nunca consumiu álcool, etc
É comum também tentar encontrar culpados numa procura desesperada de apaziguar a dor dessas “injustiças”. Recorro às aspas, pois estas são as “injustiças” que fazem parte da vida, e nos afectam profundamente, mas que necessitam mais da nossa aceitação do que da nossa revolta, são essências do universo de que fazemos parte e não responsabilidade humana. Quiçá, peças do motor da sua própria evolução...
Aristóteles definiu “Justiça” afirmando:
“Vemos que todos compreendem a justiça como uma disposição de caráter pela qual os homens praticam coisas que são justas, e pela qual agem de maneira justa e desejam coisas justas.” e “Assim, a justiça não é uma parte da virtude, mas a virtude inteira, e a injustiça, pelo contrário, não é uma parte do vício, mas o vício inteiro.”*
Penso que podemos concluir que só fará sentido falar de “Justiça” enquanto dimensão humana.
Vejamos para algumas questões que tantas vezes se colocam:
- É justo que, quem não tem filhos, pague, através dos seus impostos, escolas, hospitais pediátricos e tratamentos de infertilidade?
- É justo que, quem não é toxicodependente, contribua para os tratamentos de desintoxicação?
- É justo que, quem leva uma vida saudável de exercício moderado e alimentação cuidada, esteja a contribuir para os recursos hospitalares gastos com pessoas com doenças cardiovasculares muitas vezes (mas nem sempre) associadas a maus hábitos de saúde?
Mas continuemos:
- É justo que paguemos o internamento de quem não se quis vacinar e contraiu COVID?
- É justo que quem advoga o direito de não se vacinar (e/ou não usar máscara ou respeitar o isolamento) possa contaminar (muitas vezes fatalmente) outros com COVID?
A resposta a estas questões é muitas vezes influenciada por populismos e demagogias que utilizam a ignorância e as “paixões da alma”, (se usarmos a terminologia de René Descartes que as define como sensações ou excitações das emoções) para dificultarem um pensamento reflectido e mais esclarecido sobre as questões em análise.
Para nos podermos apropriar mais conscientemente do nosso pensar e ser mais livres nas nossas escolhas, necessitamos de saber escutar e entender as emoções de forma a podermos responsabilizarmo-nos pelo que queremos fazer com elas.
A resposta a estas e outras questões só poderá ser encontrada por entre o grau de consciência de cada um, sobre o seu papel enquanto ser humano e cidadão do Mundo, ou, nos termos de Aristóteles, por entre as virtudes de cada um. Para tal será necessário um trabalho, nem sempre fácil, de diálogo constante entre o que sentimos, o que pensamos e as responsabilidades que estamos dispostos a assumir connosco e com os outros.
1-E as Virtudes? E o Carácter? E os Valores? terão sido eles distribuídos, ou terão tido possibilidade de se desenvolver, de forma “justa”?
2 - As condições em que cada um de nós nasce e cresce serão “justas”?
3 - A história da nossa vida nos primeiros anos em que não fomos nós os responsáveis pela sua escrita, mas sim os nossos cuidadores, terá sido justa ?
Utilizei aspas nos dois primeiros casos e não no terceiro. Porquê?
Porque atribui um peso maior ao acaso e à Natureza da vida nos dois primeiros e um peso maior à educação e vontade/decisão humana no terceiro. Terá sido justo este meu juízo?
Não terão sido os nossos cuidadores/educadores, também eles, fruto das circunstâncias 1 e 2?
Tenhamos em atenção que, na grande maioria das vezes só nos é possível ter acesso à ponta do iceberg, não fazendo a mínima ideia do que se passa nas partes submersas. E, quantas vezes, As aparências iludem...gerando injustiça.
É, tendo em conta a impossibilidade de abarcar este conhecimento sobre a totalidade das circunstâncias de todos e de cada um de nós, que penso que a justiça na Saúde terá de ter na sua base, um, cada vez mais sólido Serviço Nacional de Saúde, que permita o acesso de todos aos cuidados de saúde que cada um necessita, independentemente do que levou a essa mesma necessidade.
No que respeita à Saúde Mental, estamos ainda bem longe de alcançar uma situação minimamente justa de acesso e continuidade a cuidados de saúde mental necessários às pessoas que deles precisam, mas é lutando e ajudando na construção desse caminho que se conseguirá uma realidade mais saudavelmente justa que contribua para Seres Humanos mais responsáveis e justos e, também por isso, mais mentalmente saudáveis.
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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