por Mário Madrigal
in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2013
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Os momentos finais da vida de um ser humano são momentos especialmente relevantes. São momentos em que a pessoa que está a partir, defronta-se com uma das últimas, e se calhar uma das mais importantes, aprendizagens do ser humano: aprender a perder. Perder capacidades físicas e cognitivas; perder a autonomia, perder o contacto social e com os seres queridos… Porém, há muitas coisas que podem ser evitadas e outras potenciadas. A primeira é evitar a solidão. Curiosamente todos nós e todas as pessoas a quem amamos vamos passar por essa fase, mas de facto fazemos de conta de que não vai ser assim, e evitar o contacto com os outros que estão nesta fase é um dos sintomas. Há uma percentagem significativa do sofrimento psicológico nesta fase da vida que tem a ver com o isolamento social, a começar pelo isolamento de familiares e amigos.
A realidade mostra-nos hospitais cheios de pessoas em fases finais que raramente são visitadas pelos seus entes queridos. Poderá não ser uma questão de egoísmo. Poderão ser são duas coisas: medo e impotência. Medo, pois estamos a ver em quem está a partir um espelho daquilo por onde nós mais cedo ou mais tarde vamos passar; e claro, medo de sofrer por ver alguém sofrer. E impotência por acreditar que não podemos fazer nada. Eis a grande falsa crença. Podemos fazer tanto! A simples presença e contacto regular pode levar a que a pessoa esteja a maior parte do tempo só, mas não a que se sinta só ou abandonada.
Simplesmente estar presente para ouvir ou simplesmente partilhar o silêncio é incrivelmente tranquilizador e gratificante para quem está a partir, e para nós também... A nossa proximidade também pode ser um grande contributo para apoiar esse ser humano a manter a sua dignidade, devendo ser feito um esforço por entender o que significa “dignidade” para quem está a partir e não impor o nosso próprio conceito, influenciado pelos nossos valores e crenças pessoais. A nossa atitude de reconhecimento e respeito pela pessoa até o último minuto, independentemente das suas capacidades, simplesmente, sente-se.
E esta é uma altura excelente em que podemos convidar a pessoa a partilhar connosco o seu percurso de vida, as suas memórias, os seus desafios, os seus fracassos e as suas aprendizagens. Uma atitude humilde de escuta ativa, sem necessidade de fazer nada, de pretender dar respostas, e sim simplesmente acolher, é um grande contributo para que a pessoa sozinha encontre o seu sentido vital. É muito fácil nesta fase perder a objetividade em relação a todo um percurso vital quando estamos focalizados na perda de capacidades e no isolamento. Mais uma vez, uma presença atenta faz toda a diferença.
E finalmente podemos potenciar no outro o apreciar a vida até ao último momento. É perfeitamente humano e natural que, conforme vamos perdendo capacidades, sintamos a tristeza da perda. Porém, também é uma escolha consciente decidir estar focalizado naquilo que não tenho ou não posso fazer, ou naquilo que ainda tenho ou ainda posso fazer. E se não estivermos limitados pela tristeza da solidão e da sensação de abandono, provavelmente é uma fase da vida em que conseguimos entender internamente, melhor do que noutras fases, a importância do “ser”, à frente do ter ou do fazer. É comovente ver como pessoas que durante a maior parte do percurso de vida estiveram focadas no ter e no fazer, nesta fase finalmente conseguem transmitir despreocupação e amor. Embora nem sempre é possível, e embora sempre é possível ser muito antes.
E claro, neste processo todo, quem acompanha fica com a incrível riqueza da objetividade em relação à realidade e beleza da vida, ficando a apreciá-la e a desfrutá-la com maior intensidade. Acarinhar pessoas em fim de vida é um dos desafios mais bonitos e ricos que a sociedade no seu todo está a perder. É hora de acordar também nesta área.
INVESTIGADOR E FORMADOR EM DESENVOLVIMENTO HUMANO
COORDENADOR DO NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO DA WAKESSEED
www.wakeseed.org
[email protected]
in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2013
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