Por Delfina Baião
in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2023
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Voos Herdados
Os homens, uns mais e outros menos, têm no sangue marcas herdadas pelas ganas da expansão, quer tenham sido despertadas por conquista, fuga ou ampliação de horizontes.
Quer tenha sido por fuga a condições adversas ou por fé numa vida melhor, largar tudo e ir mais além é condição que toca o coração do homem e que conta sobre a história do seu povo e (de forma mais ou menos consciente) conta sobre a sua própria história pessoal. Ir além-fronteiras buscar uma vida melhor faz parte da história desta ou daquela família, desta ou daquela geração.
Outras gerações já partiram, outras histórias já houve: há uma amálgama de experiências comuns já vivenciadas – há um inconsciente montado.
Há um fio invisível que une gerações, que transfere vivências e através do qual herdamos saberes que marcam e que importam – são heranças que integram o inconsciente coletivo (carl Yung).
Saber e sentir sobre esse fio invisível reforça as raízes do homem.
Raízes para voar mais alto
Tal como a verde planta precisa de ter raízes para vingar, o homem precisa de ter raízes para expandir-se. As raízes são a base, a estrutura e um convite a sentir segurança.
Das diferentes perspetivas do homem enraizado, surge a da sua ligação à sua ancestralidade, à sua história pessoal, à história dos seus, a tudo aquilo que está para trás e que importa. Sentindo-se conectado àquilo que está para trás na sua história, o homem sente “as costas quentes” e, com isso, ganha força para voar mais alto.
Sentir-se enraizado, potencia o voo
O homem enraizado sente-se conectado consigo mesmo e com o mundo que o rodeia. Enraizado fica mais fácil sentir-se centrado, saber como e para onde voar, quais as suas vontades e quais as direções a tomar. Sentir-se enraizado potência o voo.
Todas as histórias, coletivas ou pessoais, são feitas de vivências perfeitas e imperfeitas - é uma das inevitáveis condições da vida humana. Algumas dessas vivências são exaltadas, outras são reconhecidas e outras são ocultas por este ou aquele motivo. Todas as vivências têm um pressuposto em comum: tudo é energia e tudo ocupa um espaço.
As histórias escondidas (tantas vezes, as imperfeitas) ganham uma energia e um espaço ampliados. Tudo o que se esconde passa a ocupar um espaço simbólico maior. Colocá-las em perspetiva abre portas à compreensão, dá azo à aceitação e, por conseguinte, à sua diluição. Com essa diluição, potencia-se maior liberdade e, por conseguinte, voos mais altos.
Asas para ampliar as próprias fronteiras
As raízes, mais ou menos fortes, também ditam sobre o voo. Voa mais alto e mais firme, aquele que honra e reconhece as suas raízes porque estas não o aprisionam, não o detêm, permitem-lhe fluidez na vida. Solta as suas amarras, as correntes que o aprisionam e turvam o olhar, aqueles que sabem sobre as suas amarras e delas se desprende. É daí que surgem as asas livres.
É na liberdade que acontece a plena expressão e a essência única se expressa. Ir mais além não é só abrir asas e voar, é ir além das suas próprias fronteiras. Trata-se de saber viver entre o vai e vem da vida, entre o caos e a ordem que é a vida.
Eu sei mais do mundo, logo eu sou mais (no) mundo
Houve tempos em que pouco se previa sobre o que a vida reservaria em novos destinos. Hoje, verdadeiramente, também não se sabe – a impermanência e a imprevisibilidade da vida assim o ditam -, mas a partida leva mais expetativa e maior convicção daquilo que se vai encontrar. Sabe-se mais sobre um mundo que parece estar mesmo só à distância de uns cliques.
O homem explora, acede, interage, interfere no espaço-destino mesmo antes de ter chegado. Mesmo que seja de forma virtual, a possibilidade de intervir e de ter feedback facilitado potenciam a sensação de maior proximidade e um maior sentimento de conexão e de pertença. Há condições mais ampliadas para sentir que faz parte, ainda antes de se pôr à viagem.
Há uma maior possibilidade (ilusória ou não) de saber e de interagir no mundo, logo há uma maior possibilidade (ilusória ou não) de ser mais no mundo e de buscar um lugar no mundo (e não só nas suas terras mais próximas).
A sensação generalizada de maior abertura de portas no mundo e de uma maior colaboração entre povos também podem potenciar o impulso para ir para o mundo. Sabe-se mais sobre o mundo e, de alguma forma, sente-se mais o mundo. O homem passou a sentir mais o espaço, todas as terras, como “suas”, não são algo que estão tão longe e inacessíveis como noutros tempos.
Ser (no) mundo
É natural que o homem se sinta com mais espaço no mundo. As diferenças entre as terras e os povos existem, mas o que mais importa é a humanidade e a vida. Essa humanidade e a vida estão na sua terra de origem, nas terras de destino, em si mesmo e no mundo. O homem tem potenciada a janela “ser no mundo”, ou melhor, “ser mundo” como disse Merleau-Ponty. O Mundo é o homem e o homem é o mundo. O homem e o mundo são constituídos um pelo outro e vice-versa, de tal modo que podemos dizer que o “ser é mundo”.
LEITORA DE AURA
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in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2023
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