Por Sofia Frazoa
in REVISTA PROGREDIR | OUTUBRO 2012
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Olhando para estes números e vendo as tristes notícias de mortes e violência doméstica, muitos de nós pensam que, afinal, não estão assim tão mal. Só não nos podemos esquecer que a violência não é só física e que o “vale mais só do que mal acompanhado” continua a fazer sentido quando o que está em causa é a independência do nosso SER.
1 – Amar é diferente de depender e rima com liberdade
Definir o amor é o que os poetas têm tentado fazer ao longo dos séculos e até hoje não se encontrou uma definição que agrade e sirva a todos. Sendo o amor um sentimento e, portanto, muito pessoal, só a própria pessoa consegue aferir se está a amar e o que é, para si, o amor. No entanto, se o amor é suposto trazer bem-estar, por oposição há coisas que sabemos que o amor não contempla. Uma delas é a dependência que nos anula e deixa sem rumo próprio. Amar deveria ser sinónimo de liberdade ou, pelo menos, de liberdade suficiente para podermos ser quem somos e não nos sentirmos culpado/as por isso. Pergunte-se: nesta relação, o outro respeita-me e dá-me a liberdade suficiente para ser quem sou? E eu faço o mesmo comigo e com o outro?
2 – Há mais violência além da física
“Só porque o outro não me bate, penso que não sou vítima de nenhum tipo de violência”. É um pensamento comum, mas completamente errado. Se o outro me manipula, humilha, subjuga e não me dá direito à individualidade e à independência, está a exercer violência sobre mim. Pode até oferecer presentes e mostrar arrependimento logo a seguir (muito típico na violência doméstica), mas não se controla e volta a “errar”, desculpando-se com ciúmes, impulsividade descontrolada e o grande amor que tem por mim. Pergunte-se: alguém tem o direito de me controlar e manipular, por muito amor que me tenha? Estou mesmo a amar o outro ao controlá-lo e manipulá-lo ou estou a agir por posse, medo e insegurança?
3 – Independência é sinónimo de solidão?
É muito comum confundir-se o ser independente com ser solteiro/a, estar sozinho/a (ou “encalhado/a”, como de vez em quando ainda se ouve) ou viver na solidão. Podemos estar bem sozinho/as e com a nossa independência, ainda que as relações sejam fontes importantíssimas de aprendizagem e de crescimento (cuidado para não confundir a repetição de padrões e mágoas com essa saudável aprendizagem). Podemos estar numa relação e continuarmos a ser independentes, não é necessário sermos gémeo/as ou siamese/as do/a parceiro/a. Pergunte-se: independentemente de ter ou não uma relação, consigo manter a minha independência ou sinto-me profundamente só e desorientado/a sem a presença do outro? Que experiências me levam a associar independência a solidão?
4 – Se a relação acabar, o que vai ser de mim?
Esta é uma das grandes questões que muitas das vítimas de violência doméstica se colocam. Os estudos revelam também que, a nível de trabalho e vencimentos, as mulheres têm situações mais precárias do que os homens e, por isso, mais dificuldades em manterem-se sozinhas. Não é a única razão, mas um dos motivos principais para algumas pessoas manterem relações que as fazem infelizes. Para outras pessoas, a dor emocional da perda é tão profunda que não conseguem imaginar nada mais além daquela pessoa ou relação. A autoestima é baixa e é difícil pensar que mais alguém, alguma vez, vai querer estar com elas. E reforçam-se as lembranças positivas, ignorando todas as agressões (físicas, psicológicas e verbais) e maus-tratos. Pergunte-se: quem me poderia ajudar se eu tomasse a decisão de ser independente (incluindo família, amigos, instituições)? Além dos momentos bons, que guardarei como experiência, quais foram as situações de dor por que passei que não posso admitir a esta ou a nenhuma pessoa?
Estas crenças - umas absorvidas com a educação, outras aprendidas com experiências de vida dolorosas - levam a que haja pessoas que, por muito independentes que gostassem de ser, simplesmente não conseguem. Sejam quais forem as tendências do momento (se já foi moda o casamento e agora é a união de facto; se a família tradicional deu lugar a novos modelos de família, etc, etc), o importante é cada um assumir quem é e onde está neste momento. Onde estamos agora pode significar que precisamos da nossa independência ou que, simplesmente, de momento temos de abdicar dela. Mas há sempre uma luz ao fundo do túnel.