Por Cristina Marreiros da Cunha
in REVISTA PROGREDIR |SETEMBRO 2023
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
O tempo que medeia entre dois acontecimentos… e que medimos em termos de espaço de tempo, sejam, segundos, minutos, horas, dias, meses, anos… séculos.
O tempo que demora... o tempo que voa… o tempo que dura… sem tempo… com tempo...
Aumentando a carga de julgamento ainda teremos: O tempo certo, o tempo errado, perder tempo, ganhar tempo, antes do tempo, fora do tempo…
Pensar em termos de chronos e kairós, pode, de certa forma, facilitar-nos o pensamento sobre o Tempo: um tempo que se mede (contabiliza, quantifica), chronos, e um tempo cuja qualidade se agarra no presente, que está ali precisamente quando deve, kairós.
Não vale a pena opormos um ao outro, como se chronos fosse o diabo controlador e kairós o anjo salvador. Um não existe sem o outro, tal como não há existência sem tempo, nem tempo sem existência.
Se vivermos obcecados com o chronos, teremos dificuldade em usufruir da vida, em sentirmo-nos livres e realizados, pois sentimo-nos controlados por um relógio tirano, que aumenta os nossos níveis de tensão e ansiedade, informando-nos continuamente que “não há tempo a perder”, “tempo é dinheiro”, “a vida é curta” “temos de… antes de…”, “temos de até… Esta escravatura, como qualquer outra, é inumana, é anti-vida!
Pois... o mar, a floresta, os animais, enfim, a natureza não usa relógio… e no entanto… segue os seus ciclos e estabelece os seus tempos. De preia-mar e baixa-mar, de flor e fruto, de semeio e colheita, procriação, criação, hibernação… parece haver tempo para tudo ou o momento certo para tudo. Porém, o mar, a árvore, o gato, não vão à lua, não descobrem cura para doenças, não compõem sinfonias, não escrevem, não pintam, não criam… Terão consciência do tempo?
A chamada angústia existencial surge precisamente da consciência que o ser humano tem, da sua certeza de morte, e com essa consciência nasce a semente da ansiedade… Se vivermos apenas em termos do chronos, ela irá crescer fazendo-nos alterar o modo como olhamos a vida e em vez de viver… correremos para não morrer.
Que seria de nós sem o chronos?
Teríamos dificuldade em contextualizar o passado e o presente, em estabelecer metas, em imaginar futuros, em planear, em organizar tarefas, em manter relações, enfim, uma série de comportamentos que são essenciais para o nosso sentido de vida e de realização pessoal. Mas, se nos rendermos ao chronos teremos dificuldade em usufruir das nossas conquistas, não conseguimos saborear a vida, tão atarefados que andamos a preencher a nossa duração.
Necessitamos do Kairós, o tempo que não se mede, o tempo que devemos aprender a escutar, sem receio, sem ansiedade, prescrutando o que está à nossa volta, lendo o mundo e os que nos são próximos e ouvindo o nosso sentir sem nos deixarmos iludir, por exemplo, por “desejos” impulsivos ou por “apatias” receosos. Há que saber filtrar emoções que nos podem estar a confundir, dificultando-nos uma escuta reflexiva e o reconhecimento do encontro do momento.
Por vezes o “momento certo” aparece, está ali e não o vemos, não o pudemos ver, tivemos receio, não estávamos à escuta e só nos apercebemos disso, depois de ter passado. Não faz mal, aprendemos a olhar para nós e para o que nos rodeia de novas formas e isso facilitará o reconhecimento de outros “momentos certos” e a compreender melhor o que necessitamos para ir construindo a “altura devida”.
Haverá alturas em que teremos de ajudar o processo de criação do “momento oportuno”, provavelmente não cairá do céu. Há que usar o chronos para semear e… colher no “momento certo”.
E quando a oportunidade cai do céu, temos de a agarrar?
Não. Temos que ter a consciência de que somos os construtores da nossa vida e que usando do livre arbítrio, cabe-nos escolher livremente o que queremos ou não aproveitar.
Podemos aceitar a oportunidade e atribuir-lhe o valor de “momento certo”, ou, pelo contrário, reconhecermos que, apesar de poder ser uma oportunidade, para nós não o é. Ou porque não sentimos o momento como certo, ou até, porque decidimos que não é aquele o trilho que queremos seguir, nem agora, nem provavelmente, nunca.
Kairós é fruição e escuta, é consciência do(s) momento(s) presente(s) (mesmo que passados). São essas características que nos permitem perceber o tempo certo, para iniciar, continuar, parar, modificar, insistir, retroceder, desistir, recomeçar, terminar; saber quando e como agir em cada momento e na sucessão de momentos que é a vida.
Esteja ou não de férias, se achar o kairos adequado pode entreter-se a substituir a palavra tempo, da lenga-lenga que se segue, por chronos ou kairós. Veja como a substituição que escolhe pode modificar o sentido do que lê e as implicações que daí podem advir.
«O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo responde ao tempo que o tempo tem o tempo que o tempo tem».
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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in REVISTA PROGREDIR |SETEMBRO 2023
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