Por Cristina Marreiros da Cunha
in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2017
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Pois, o prazer tem destas coisas. O que apraz a uns não apraz a outros; e por isso é tão importante que cada um descubra o que lhe dá prazer e que dê a liberdade aos outros de o fazer também.
Iniciei, dando este exemplo, pois, para mim, é um prazer poder estar, num dia quente, a usufruir de alguma brisa em jeito de carícia fresca, acompanhada de uma bebida do meu agrado, ao mesmo tempo que reflito e procuro palavras para transmitir o(s) caminho(s) do(s) meu(s) pensamento(s). Ao ter consciência disso, (e, para mim, escrever não é um prazer, mas consigo, assim, que de alguma forma o esteja a ser) posso memorizar este momento de prazer aumentando a minha sensação de bem-estar. E, como se calcula, a sensação subjetiva de bem-estar faz bem à saúde.
Saúde e prazer parece que nem sempre combinam. Há alturas em que nos deixamos levar inteiramente pela compulsão de aumentar os níveis de prazer, numa busca constante e ansiosa de mais e melhor, esquecendo que, o que algumas vezes se passa, é que estamos com uma incapacidade de tirar partido do momento presente, na maior parte das vezes por problemas passados, que nos projetam sempre e sempre em antecipações futuras e nos roubam o prazer de simplesmente estar no presente. A ansiedade constante arruina a fruição do prazer. E, não conseguir desfrutar do prazer, dificulta também a vivência da dor duma forma adaptativa.
Seria quase impossível falar de prazer não abordando dois dos maiores prazeres: O prazer da mesa e o prazer da cama, ou, dito de outra forma, o prazer da comida e o prazer do sexo.
O prazer que os sabores de que mais gostamos nos dá, pode ser, dependendo do gosto de cada um, a nossa perdição. Quando sonhamos com enchidos e açordas, com ensopados e feijoadas, com gelados e doces conventuais e com tudo o mais que regala o olho e o palato, seja doce, salgado ou picante, mas muito calórico, demasiado gordo, etc, é natural que tenhamos alguma dificuldade em usufruir deste prazer sem consequências drásticas para a saúde, porém, isto jamais poderá significar que prazer e saúde são incompatíveis, ou que ter prazer é inimigo da saúde, ou, que para se ser saudável há que renunciar ao prazer.
Nada poderia estar mais errado. Para se ter saúde tem de se evitar excessos, mas nunca o prazer. O que podemos é educar o prazer. Como? Precisamente saboreando melhor e mais lentamente degustando e não, comendo sofregamente. Também será importante ir encontrando prazer na descoberta de muitos e variados alimentos e bebidas saudáveis, tentando que a ingestão do que é tido como “fazendo mal em excesso”, seja feita com menos frequência e em menores quantidades, mas sempre sem culpa. A culpa impede o usufruto pleno do prazer! Quem tem prazer em correr, caminhar ou praticar desporto, consegue reequilibrar alguns excessos de mesa e ainda melhorar a saúde.
No prazer do sexo, a culpa está também muitas vezes presente, e, mais uma vez, onde há culpa não há possibilidade de usufruto pleno de prazer.
A sexualidade bem vivida é, das melhores e maiores fontes de prazer e bem-estar, e um excelente exercício físico, mas tal como noutros campos, a ansiedade e a incapacidade de viver o momento com a vulnerabilidade e intimidade necessárias, podem levar, ou ao não-prazer, ou à necessidade de procurar intensificar o prazer de modos menos saudáveis (por exemplo recorrendo ao uso de substâncias tóxicas duma forma sistemática, ou quase).
Esta estratégia surge numa tentativa de abrilhantar sensações que se vão sentindo como mais pálidas e a escoar por entre os dedos, por vezes porque se procura no sexo o que ele não pode dar só por si, falo de verdadeiro envolvimento afetivo com os outros e com a vida. Embora nalguns casos o sexo possa ser uma ótima ajuda para uma maior aproximação, motivação e gratificação, uma vez que gera prazer, noutros casos, onde ele tenta substituir outras necessidades, pode criar um vazio ainda maior.
Mas, há muitíssimos prazeres para além de comida e sexo. Temos tendência a esquecer o mais importante: O prazer das pequenas coisas, que, por norma, são extremamente saudáveis, não envolvendo consumos, nem excessos.
Aquele prazer que temos em dar, em partilhar, em descobrir, em observar, em cheirar, em escutar, em acariciar, em conviver, em sorrir, em abraçar, em partir, em chegar, em relacionar, em planear, em fazer (construir, esculpir, cozinhar, dançar, cantar, tocar, pintar, bordar, ler, escrever, etc), ou seja em toda uma série de atividades que estão, ou podem estar, presentes no nosso dia-a-dia, mas que tantas vezes deixamos escapar sem notar, sem permitir que os nossos olhos “retinem”, que os nossos sentidos absorvam, sem permitir que a memória os retenha e lhes dê significado.
É conseguindo saborear esses pequenos prazeres da vida, que podemos aumentar a nossa coleção de momentos de felicidade que nos proporcionam uma incrível sensação de bem-estar.
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2017
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