in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2022
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
A sensação de injustiça esteve, desde sempre, na origem de boa parte dos conflitos. Tribais, familiares, profissionais, institucionais, internacionais, diplomáticos.
Contudo, não sendo um assunto “sexy” nem amplamente difundido (como o stress, por exemplo), o conhecimento sobre o que se passa com as pessoas nas situações em que se sentem injustiçadas ou assistem a injustiças com terceiros, não é assim tão abundante.
Pouco se sabe sobre os mecanismos neurobiológicos responsáveis pelas decisões de punição, da severidade da mesma e da compensação (eventual) de terceiros prejudicados.
Se para “acertarmos as contas” com alguém tivéssemos que nos prejudicar um pouco, fá-lo-íamos? Se fosse garantido que esse pequeno “investimento” teria um efeito maior no alvo da nossa ira, será que iriamos em frente? Aceitaríamos fazer um pequeno estrago em nós para provocar um estrago maior nessa pessoa, em nome da reposição da justiça?
A probabilidade de respondermos que sim é grande, sabemos disso, certo?
E apesar de poder estar no limbo social, entre o aceitável e o reprovável, a verdade é que existem razões mais profundas associadas à preferência pela justiça baseada no castigo.
O estudo
Num estudo publicado em 2018 (1), os autores utilizaram o “Jogo da Justiça” para examinar como o cérebro decide entre castigo e compensação.
Os participantes recebiam 200 fichas que poderiam, no final da experiência, ser trocadas por dinheiro.
Depois observavam enquanto outro participante, que também havia recebido as mesmas 200 fichas, decidia entre ficar com as suas ou roubar fichas a uma vítima, que poderia ser o próprio participante ou uma terceira pessoa.
Quando o participante era a vítima do roubo, era-lhe dada a oportunidade de castigar o ladrão, retirando-lhe fichas ao custo de 1:3 – pagar uma ficha para que sejam retiradas 3 ao abusador.
Quando o participante observava o roubo de fichas a um terceiro, poderia optar entre ceder fichas suas à vítima para a compensar ou tirar fichas ao ladrão.
A um grupo de controlo foi administrada ocitocina (neurotransmissor da empatia e da conexão) para avaliar o seu impacto na perceção da injustiça.
As conclusões surpreendentes
Este estudo aponta várias conclusões interessantes:
· A probabilidade do participante castigar o ladrão é maior que a de compensar a vítima.
· Quanto maior a transgressão (quantas mais fichas roubadas), maior a punição.
· A vontade de castigar e a severidade do castigo são maiores quando o próprio é alvo de injustiça do que quando assiste a situações de injustiça perpetradas a terceiros.
· A administração de oxitocina (neuroquímico da empatia e da conexão) leva à modulação dos castigos aplicados: mais frequentemente aplicados mas com severidade ajustada à gravidade da violação das regras sociais.
Justiça, Vingança e Empatia
Em tempos ancestrais, era mais crítico para a sobrevivência da tribo o castigo exemplar de quem quebrasse as normas do que a compensação a quem tinha sido afetado: o castigo estabilizava toda a tribo, compensar as vítimas impactava só as próprias e, por isso, tinha impacto reduzido no grupo, ficando para segundo plano.
Em boa parte da nossa vida quotidiana continuamos a utilizar estes mecanismos ancestrais que garantiram a sobrevivência da nossa espécie ao longo de milhões de anos.
A recompensa sentida pelo cérebro em situações em que castiga uma pessoa que viola as regras, é mais “saborosa” do que a sentida quando se dá apoio à vítima da injustiça em si. Mesmo na situação paradoxal de ambas as partes perderem: tanto quem castiga como quem recebe o castigo. E a gravidade do castigo acompanha a do estrago provocado, como forma de desencorajar transgressões graves.
Por outro lado, o fortalecimento da empatia nos grupos leva a que se gerem castigos mais frequentes mas mais pedagógicos e ajustados ao erro: mitigação do “efeito vingança”.
O chamado atualmente vem no sentido de tomada de consciência: somos nós a “fornada” que tem a responsabilidade de tomar consciência, sair do piloto-automático e ter a capacidade de implementar upgrades a este nosso dispositivo de sobrevivência fabuloso, porém a precisar de um bom refresh!
A chave para a sobrevivência da nossa espécie atualmente reside na capacidade de cooperação, na orientação para a colaboração como o nosso maior trunfo de sobrevivência, face a todos os desafios que se apresentam no nosso caminho de evolução enquanto espécie.
A tendência para valorizar mais as injustiças que nos são infligidas diretamente do que as infligidas a terceiros é a chave para alguma da nossa indiferença perante situações graves mas que não nos afetam diretamente. Pensar de que forma este instinto nos fragiliza atualmente, enquanto sociedade, é um exercício mesmo muito simples!
Por outro lado, punição ligada a centros de recompensa, sem calibração racional ou empatia é… Vingança! “Bem feito! Toma lá, que já almoçaste!”. São frases que utilizamos frequentemente.
É isso que temos programado nas zonas mais primitivas do nosso cérebro. E quanto mais antigo o mecanismo, mais desafiante é mitigá-lo.
Tomada de consciência e aprofundamento do nosso autoconhecimento são as pedras de toque para esta grande revolução. Com maior conhecimento, vem sempre maior responsabilidade. E vem também maior potencial de transformação: está, realmente, nas nossas mãos!
NEUROCOACH, TRAINER E SPEAKER
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