in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2024
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Mas, será que algo se perde nesta “nova imagem”? De facto, mantém-se a ideia da “outra margem”, no entanto perde-se o “caminho” para lá chegar; ou seja, perde-se a “ponte”.
Na perspetiva da engenharia do conhecimento esse “caminho” (i.e., aquela “ponte”) constrói-se sobre 3 (três) conceitos: dados–informação–conhecimento. Estes 3 conceitos são muitas vezes visualizados numa pirâmide. De baixo para cima – na base (da pirâmide) os dados, seguido de um patamar com a informação e por cima, outro patamar com o conhecimento. O modelo original, DIKW (do inglês, data–information–knowledge–wisdom) [2], coloca, no topo (daqueles 3 patamares), o patamar da “sabedoria”. Aqui vamos explorar uma alternativa a esse modelo original.
Como alternativa, em vez de se colocar a sabedoria no topo, imagine-se uma bola dentro da qual está a pirâmide, mas agora essa pirâmide apenas tem os 3 conceitos (dados–informação–conhecimento). Agora, a bola que envolve a pirâmide, representa a sabedoria. Nesta imagem, da bola com a pirâmide lá dentro, a sabedoria já não reside “no topo”; a sabedoria está para-além do topo; está para-além dos limites dos outros 3 e envolve-os. Agora, a sabedoria subsume (i.e., inclui, estende) os outros 3. Embora a posição no topo da pirâmide (conhecimento) pareça estar mais perto da sabedoria, essa é apenas uma posição privilegiada para se interrogar sobre o “paradeiro da sabedoria”! Esta interrogação também é evocada pela popular frase <<só sei que nada sei>> [3] à qual se atribui uma origem de (reconhecido) conhecimento (i.e., posicionado no topo da pirâmide). Em síntese – o “caminho” dados–informação–conhecimento é uma “ponte para a outra margem”, mas, lá chegados, a sabedoria surge como uma miragem!
Mas então o que fazer se tudo parece tão inacessível?
A resposta é simples: “apostar naquilo que é acessível”!
E o que é acessível é a “ponte”; o que é acessível é o “caminho” dados–informação–conhecimento.
O que é acessível é apostar em construir uma “pirâmide” sólida, bem nutrida, saudável e em permanente crescimento (para cima e para os lados!). Esta é uma aposta de construção nas várias vertentes da vida – profissional, pessoal, física, emocional, energética, espiritual; e a todas as vertentes por onde nos permitirmos deixar guiar pela curiosidade e pelo espírito critico.
Mas, o que são aqueles 3 alicerces da “ponte” que empilhámos formando uma pirâmide? O que são dados, informação e conhecimento? E como se adquirem?
Regressando à perspetiva (profissional) da engenharia do conhecimento os dados são apenas sequências de símbolos; e.g., [32, baixa, forte] são símbolos sem qualquer contexto; ou seja, são dados.
Agora juntemos contexto (juntemos interpretação) àqueles dados. Se alguém disser que aquela sequência se refere à temperatura em graus Celsius (32), humidade (baixa) e vento (forte) atribui-se contexto àqueles dados e obtém-se informação. De notar que outro contexto para aqueles mesmos dados origina outra informação; e.g., idade (32), altura (baixa) e vitalidade (forte) de uma pessoa.
Agora juntemos, àquela informação, mais informação (por exemplo adquirida ao longo do tempo)! E procuremos extrair, da informação acumulada, relações causais, padrões e tendências que possam, por exemplo, fundar uma tomada de decisão; tudo isso que é extraído constitui conhecimento. De notar que um mesmo acervo de informação pode originar conhecimento muito diverso; e.g., a informação acumulada num departamento de recursos humanos permite extrair alguns padrões sobre decisões de recrutamento e outros padrões sobre o impacto de ações motivacionais.
Mas, será que a sabedoria apenas é “visível” quando se atinge o topo da pirâmide (i.e., no patamar do conhecimento)?
No nosso modelo, a bola (que contém a pirâmide) representa a sabedoria! Isto sugere que cada passagem de patamar está envolta em sabedoria. Para se transformar dados em informação é necessário saber-escolher o contexto. Há contexto que origina informação; outro que talvez não! Atualmente temos vários exemplos que ilustram a necessidade de saber-escolher o contexto (mas desenvolver esses exemplos é todo um outro tema...)! Também para se transformar informação em conhecimento é necessária muita experiência, orientação consciente, espírito crítico, entre outros requisitos.
Todas estas transformações vão sendo repetidas desde o nascimento, ao longo da vida e nas múltiplas facetas de cada indivíduo. A formação académica e profissional, a curiosidade e a leitura são excelentes aliados para uma melhoria contínua de cada uma das “nossas pirâmides”.
Uma referência final – esta perspetiva de construção de conhecimento pode ser formalizada e automatizada! E os primeiros passos dessa automatização já são percetíveis. O enorme volume de dados disponível na Internet está a passar por estas transformações dando origem a “modelos de linguagem de larga escala”, LLM (do inglês, large language models). O bem-conhecido chatGPT [4] é uma ferramenta que se suporta em vários LLM treinados a partir de dados disponíveis na Internet (entre outras fontes). Muito se tem falado sobre a inteligência artificial (atualmente o aspeto mais visível são mesmo os LLM a as ferramentas que os usam) e talvez um dos temas que surge como perturbador é o facto destes modelos parecerem exibir conhecimento; mas, mais perturbador ainda, é que talvez também nos questionemos se os LLM também exigem sabedoria! A resposta talvez esteja menos na especificidade dos LLM e mais em cada indivíduo, no seu espírito critico e na sua capacidade para explorar as ferramentas disponíveis (o chatGPT é apenas mais uma) no sentido de reforçar e fundar a sua própria “pirâmide”. Mas isso é todo um outro tema para todo um outro texto!
[1] refrão do tema “Ribeira”; “single” Dá-me Lume; 1981; banda Jáfu’mega, música portuguesa, década 1980
[2] DIKW pyramid; cf., https://en.wikipedia.org/wiki/DIKW_pyramid
[3] narrativa de Platão; paradoxo socrático; cf., https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3_sei_que_nada_sei
[4] Generative Pre-Trained Transformer (GPT) ; cf., https://en.wikipedia.org/wiki/ChatGPT