Por Ana Infante
in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2017
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
As palavras têm uma força colossal. Têm um impacto muito grande em nós. O que sentem ao ouvir a palavra prazer? O que sentem ao ouvir a palavra prazer entrelaçada com a vossa vida profissional?
Vivemos em nós memórias de gerações que nos dizem que o prazer é sinónimo de pecado. Transgressão. Crime. Comer um gelado, comer um bolo, fruir da cama depois de acordar, dar um longo beijo na rua, dar um demorado e dilatado abraço, tirar os sapatos no jardim e andar descalço, não usar relógio, tomar um longo banho de imersão, tirar férias.
Habitamos memórias que nos dizem que temos que estudar muito, trabalhar ainda mais, para podermos pertencer e ter algo. Fortunas. Bens. Posses. Relações. Esforço é a palavra de ordem. Exigência é requisito para a subida de escalão. Imposição para a necessidade de Ser.
Perseguimos e recheamos o currículo. Títulos. Rótulos. Somos embalagens de supermercado com códigos de barra. Quantos mais melhor. A nossa marca: Vende-se! Quem nos quer comprar? Será que não demonstramos apenas a nossa extrema carência e ausência de nós mesmos? A necessidade que temos em sermos vistos? Reconhecidos? Aceites? Mas por quem? Não será isto antes uma penhora de nós próprios? De um falso Ser?
Elana Lindquist diz que sucesso significa realizar os nossos próprios sonhos, cantar a nossa própria canção, dançar a nossa própria dança, criar do nosso coração e apreciar a jornada, confiando que não importa o que aconteça, tudo ficará bem.
A ausência de prazer na nossa vida instrumentaliza-nos. Afasta-nos do nosso corpo e da nossa alma. Prazer do corpo. Prazer da alma. Será que nos permitimos a Ser prazer? A sua inexistência transforma-nos em máquinas. Afasta-nos da nossa necessidade de sentir. Tocar e ser tocado. De sonhar. Criar. Eleva-nos a um trono solar sem raízes profundas. Títulos de egos. Profissionais. Não pessoas. Vestimos batas brancas, fardas de muros para fortalecer o ego. Proteções para não sentir. A educação, instrumento, que nos deveria ajudar a uma melhor comunicação impede-nos de falar e de nos reconhecermos como seres humanos. Seres. Com espaço, leveza, apenas por Sermos. Num mundo robotizado deveríamos talvez inaugurar a escola do prazer! Prazer de Ser.
Será que conseguimos pensar e escrever 10 coisas que nos dão prazer? Conseguimos encaixar este prazer no nosso dia a dia?
Vivendo numa sociedade que passa a maior parte do tempo a trabalhar, será que conseguimos escrever 10 coisas que nos dão prazer no nosso trabalho?
Será que conseguimos dizer que o nosso trabalho é um dos nossos grandes prazeres da vida?
Na nossa cultura é considerado normal e saudável procurar o melhor! Ensinam-nos a desejar obter o máximo, a preencher as nossas necessidades e a saber manipular com sucesso os relacionamentos. Quando alguém consegue um bom partido ou um bom trabalho, ostenta um belo anel, uma bata, anuncia nas redes sociais. É elogiado e o seu estatuto eleva-se.
Quando alguém foge deste padrão sente-se inadequado. A nossa identidade está inteiramente ligada à capacidade que temos de controlar e manipular. Imensas terapias tentam ajudar, inclusivamente, indivíduos a tornar-se mais bem-sucedidos no mundo e a satisfazer os seus desejos pessoais. Temos que produzir para ter valor. Temos que controlar para dominar e manter em segurança o que conseguimos obter. Vivemos com a sensação de perigo iminente.
Como é possível sentir prazer desta forma? Porque será tão importante a forma como os outros nos vêm? Porque será tão importantes acumular rótulos? Que mochila carregamos nós? De onde vêm as nossas dores nas costas?
Henry Miller diz que o único verdadeiro milagre é sentar-se quieto. Ser o que se é agora. Neste momento. Será que termos coragem de ser quem somos agora? Reconhecendo e aceitando o que sentimos e agindo em conformidade? A prática de meditação ensina-nos a arte da aceitação. Não controlar independentemente do que estejamos a sentir, dentro e fora do corpo. Permitimos que o mundo dos fenómenos desempenhe o seu papel. Não nos mexemos! Implica um respeito imenso pela natureza intrínseca das pessoas e acontecimentos, por um desígnio maior inerente ao universo que nos traz o nosso bem e retira aquilo que já não faz parte de nós. Quantas vezes tentamos alcançar e agarrarmo-nos àquilo que já não nos é adequado? Quantas vezes tentamos obter por todos os meios aquilo que nos é completamente errado? Quando não nos movemos entregamo-nos a uma sabedoria superior e permitimos que a vida siga o seu curso natural. Meditamos em nós no agora como agora somos! Contemplamos o prazer das coisas como elas são! Sem apego. Sem aversão.
Será que estamos dispostos a largar o que já não somos e a receber-nos mais inteiros? Será que estamos dispostos a aceitar que a vida é leve e que flui sem esforço? Estamos dispostos a aceitar as prendas que a vida todos os dias nos dá simplesmente porque estamos vivos, respiramos e somos constituídos por milhões de células hipersensíveis cuja única função é dar-nos prazer? Será que estamos dispostos a largar a mochila e a roupa que já não nos serve para nos vestidos de nós?
O único emprego do mundo é aquele que nos permite viver a nossa própria verdade, sem termos que nos perder de nós próprios. Sem máscaras. Sem jogos. Sem mentiras. Da próxima vez que estiver com alguém, estiver no trabalho, retire uma máscara. A seguir retire uma peça de roupa, a farda. Observe quem se está a esforçar para ser. Deixe simplesmente ir, do mesmo modo que largamos um sapato velho. Conceda a si próprio o prazer de ser ninguém especial.
Juan Pablo II disse ao chegar a Santiago:
“Vuelve a encontrarte, Se tu misma.”
Bom Caminho
Bibliografia consultada: Zen e a arte de amar de Brenda Shoshanna
ENFERMEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS, DOULA, TERAPEUTA DE REFLEXOLOGIA E MASSAGEM DE CONSCIÊNCIA CORPORAL E EMOCIONAL
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