in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2021
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Mas, se esta inevitabilidade é um fator que nos é comum, porque há então pessoas mais resilientes e outras menos resilientes?
Porque partimos de realidades, experiências, narrativas (histórias de vida) diferentes que nos conduzem às mais diversas crenças, visões do mundo, teorias explicativas e formas mais, ou menos, adaptativas de lidar com as situações, assim como a, diferentes graus de resiliência para lhes fazer face.
Todos nós, a um nível muito básico, nascemos equipados com o chamado instinto de sobrevivência. No entanto, o ser humano, sendo um ser de relação, se não tiver alguém que dele cuide à nascença, não sobrevive. Esta necessidade de vinculação/apego (relação com alguém que cuide de nós, nos protege, ama incondicionalmente, gerando a possibilidade de confiarmos, crescermos de forma mais autónoma e consciente e podermos retribuir e partilhar este amor e proteção) é o alicerce para o nosso sentimento de segurança e de pertença, que possibilita a satisfação de outras necessidades, (tais como: aprender, saber fazer, criar, saber apreciar, sentir-se tranquilo) que nos trazem perceção de competência e sentimento de realização pessoal, aspetos essenciais para a formação da nossa identidade, autonomia, tolerância ao desconforto, fundamentais para se poder ser um adulto mentalmente são e suficientemente satisfeito, inserido num determinado ambiente.
Quando este processo é feito de formas que levam a uma deficiente aceitação de nós por inteiro, ou seja, a uma identidade pouco congruente, pouco estruturada, pouco segura, demasiado dependente da imagem que projetamos nos outros e da maior ou menor (des)aprovação que os outros fazem dela, então teremos tendência a ter um maior grau de dúvida e de insegurança sobre nós e sobre o mundo, a ter uma maior dificuldade em conviver com essas inseguranças e uma maior necessidade de controlar tudo e todos os que nos rodeiam para conseguimos ter a ilusão de segurança e amor-próprio.
A Pandemia é algo que sai fora do nosso controlo e que nos assusta. Contudo, deverá servir para aceitar o que não pode ser mudado e reunir energia e coragem para lhe fazermos face da melhor forma possível.
Porém, quando não o conseguimos fazer e insistimos em revoltar-nos sem um alvo concreto (o vírus não nos ouve), ou em negar os factos, isso altera a nossa forma de olhar para tudo o resto. Pode mesmo desviar-nos do mais importante, porque nos impede de pensar, como forma de fugir da angústia da incerteza. Pode fazer-nos correr riscos desnecessários em nome do futuro, que só poderá existir se nos mantivermos vivos no presente, ou, pelo contrário, paralisar-nos e impedir-nos de viver, em nome de continuarmos apenas a existir.
A propósito de ansiedade e angústia existencial, visitemos alguns autores Existencialistas:
Soren Kierkgaard (1813-1855) diz-nos que só explorando e aceitando a ansiedade e a angústia das nossas incertezas e ignorâncias, poderemos conviver com elas e sentir-nos livres nas nossas escolhas.
Albert Camus (1913-1960) advoga que se deve fazer o que é correto, ainda que o mundo possa ser cruel e sem sentido.
Martin Heidegger (1889-1976) na sua obra “Ser e Tempo” fala-nos do “Ser no Mundo”. Ser (estar aqui presente) no (em relação, em movimento) Mundo (o que/quem me rodeia)
Jean Paul Sartre (1905-1980) diz-nos que a “má-fé” emerge da desresponsabilização pelos nossos atos.
Podemos então, numa perspetiva existencial, olhar para o comportamento humano como a movimentação da nossa existência — que se deseja livre e responsável — no ambiente que nos rodeia. Essa movimentação depende, pois, da noção que cada um tem de si (do seu Ser e Estar) e de como esta identidade se relaciona com o mundo em que está inserido.
Talvez estes confinamentos nos possam dar mais tempo para pensar, (re)definir valores, prioridades e, até, descobrir novos caminhos. Deixo aqui algumas questões, cujas respostas facilitarão tomadas de consciência e eventualmente de decisões.
Quem sou? Para onde quero ir? Como vou/estou a fazê-lo?, como me posiciono? Porque ajo como ajo? Quem gostaria que me acompanhasse? Com que grau de liberdade, de compromisso e de responsabilidade escolho e adiro às minhas escolhas?
Estou satisfeito com o que sinto? Penso? Faço?
Se não estou, o que estou a fazer para alterar este mal-estar?
Quanto melhor conseguirmos responder a estas questões, mais confiantes estaremos do nosso caminho, aceitando inseguranças, convivendo com incertezas, responsabilizando-nos por nós e pelos outros, sem o sentir como uma obrigação e sem que isso seja fonte de ansiedade ou angústia.
Não precisaremos assim, de ansiar por figuras autoritárias, “salvadores” que nos acenem com caminhos “seguros” inexistentes. Não é fácil, mas é o desafio da vida: Nós, no mundo que pula e avança, navegando com ondas de incerteza. Como fazê-lo? A escolha é de cada um de nós, num mundo que é de todos.
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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