
in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2017
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Do ponto de vista das tradições espirituais, do Oriente e do Ocidente, o desapego é uma ferramenta que nos permite progredir em busca do autoconhecimento. Dentro das correntes tradicionais filosóficas e espirituais da Índia, especificamente o yoga e a meditação, são o nosso ponto de partida neste artigo. Estas práticas milenares contêm diversas ferramentas - físicas e mentais - que proporcionam tranquilidade e a paz aos indivíduos, durante os percursos espirituais ou religiosos.
A espiritualidade exige, ainda mais na contemporaneidade, uma atenção constante e plena dos nossos pensamentos e sentimentos. Vigiar e orar são estratégias importantes: gerar silêncios também o é. Criar esses espaços de silêncio, entre os nossos pensamentos, permite-nos não só abrandar os ritmos de vida e abrir portas para a conexão com tudo o que nos rodeia, mas também revela dimensões éticas e terapêuticas, que são fundamentais a uma vida moderna equilibrada.
Não há dúvidas que o homem de hoje vive a um ritmo alucinante. Quase tudo deve ser rápido e bem feito, quase perfeito. No entanto, a competição desenfreada, proveniente não apenas dos modelos weberianos, trouxe-nos dissabores em diversos patamares coexistentes de saúde e relacionamentos. Por sua vez, o processo de secularização, iniciado no passado, conduziu a uma separação cada vez mais galopante entre o sagrado e o profano. O sagrado foi, e continua a ser, remetido para a esfera privada (dos indivíduos). Ser espiritual ou ser religioso parece agora ser uma dimensão secreta e escondida do indivíduo, já fora de moda e do tempo presente, de tal forma que parece indubitavelmente remetida a um esquecimento inusitado.
Com o intuito de unir, religar ou juntar, o indivíduo à própria estrutura cósmica universal ordenada, o yoga e a meditação assumem-se como ferramentas importantes no mundo moderno. Por um lado, estas práticas orientais não pressupõem pagamentos de dízimos nem estruturas hierárquicas organizadas detentoras de uma verdade intemporal, nem encomendas por conta de almas tranquilas do outro lado. Por via da antropomorfização da ideia de sagrado e da conquista do pensamento autorreflexivo, os praticantes vislumbram agora a presença indizível do self - o si mesmo transcendental ou espírito. É neste cenário que as práticas contemplativas acima referidas facilitam a observação de dinâmicas de consciência, quiçá estados de existência condicionada pelo sofrimento, e são precisamente alavancadas pelo desapego.
Um dos textos mais antigos da tradição do yoga - yogasūtras de Patañjali -, aborda a temática do desapego no capítulo I, aforismos 15 e 16. Este tipo de yoga, essencialmente meditativo, designa-se por aṣṭāṅga yoga ou rājayoga. O objetivo aqui é claramente fazer cessar as flutuações da mente e desidentificar os seus produtos com relação à essência última do praticante. Dito de outra forma, o observador do campo é diferente do agente. A prova de que a nossa essência não se resume apenas à racionalidade, esta é multiforme e transitória, é conseguida por via de um estado desapegado e ao mesmo tempo apaixonado pela vida. O binómio paixão-desapego é sempre renovado e adquire ressignificação própria em instantes diferentes da vida do espírito.
A prática do desapego remete-nos para a verificação de que a impermanência das coisas e das experiências do mundo são uma constante da vida. A única certeza é mesmo a da mudança! Libertarmo-nos das nossas grelhas mentais, porque nos limitam e condicionam a visão da realidade, é aproximarmo-nos heroicamente da nossa finalidade histórica e objetivo soteriológico. De acordo com o yoga clássico, o estado de consciência de desapego manifesta-se quando o individuo se liberta dos desejos pelos objetos que experimentou bem como os de que ouviu falar. Desapego e desejo estão, assim, interligados.
Não é necessário retirarmo-nos do mundo para praticarmos o desapego. Há que reconhecer, através do exercício da vontade, que uma coisa são caprichos pessoais e outra são necessidades elementares. Os desejos podem ser provenientes de fantasias e caprichos, entre outros, atraem a alma para o mundo da matéria e operam uma dessacralização nos indivíduos. Um povo sem princípios éticos e espirituais está, à priori, condenado a um vazio sem conexão ao divino.
Na nossa opinião o desapego, no sentido espiritual do termo, é diferente de passividade ou indiferença. Devemos mostrar interesse e trabalhar para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Esse objetivo passa, também, por aceitar de que o outro e o mundo não são propriamente como nós gostaríamos que fossem.
Sente-se confortavelmente numa cadeira. Encontre um ritmo respiratório natural. Aceite quem você é, como vê o mundo e os outros. Depois coloque-se na perspetiva do outro: como é que as outras pessoas o vêm? De que forma este exercício contribui para melhorar algo em si? Medite e realize até que ponto o ego o limita e o separa de uma existência mais feliz.
Não importa a quantidade de coisas que fazemos, mas sim a como as fazemos e a intenção que colocamos nos nossos pensamentos e ações.

FORMADOR DE YOGA E MEDITAÇÃO
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in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2017
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