Por Regina Faria
in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2013
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Segundo Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, considerado o “pai” da etnologia francesa, a reciprocidade está associada ao conjunto de relações “dar, receber e retribuir (reciprocidade positiva) embora o princípio da reciprocidade seja mais global e contemple também a reciprocidade negativa (a de vingança). Segundo Mauss, as dádivas vão e voltam sempre - “pouco importa o seu valor, pouco importa a sua natureza; podem ser idênticas ou não; o importante é que percorram caminhos inversos ou simétricos, que se reproduzam como num espelho […]” Qual é a diferença entre troca e reciprocidade? Mauss considera que reciprocidade implica a preocupação pelo outro a fim de se estabelecer o mana (termo polinésio que significa a emanação da força espiritual de um grupo que contribui para uni-lo) que permite gerar valores afetivos ou éticos como a paz, a confiança, a amizade e a compreensão mútua. Mauss legou-nos uma ideia primordial: a universalidade da tríplice obrigação “dar, receber e retribuir” que faz do princípio de reciprocidade a matriz das relações e das civilizações humanas.
Stefano Zamagni dá, de reciprocidade, uma simples mas clara definição: Reciprocidade é “dar sem perder e receber sem tirar”.
Como lei e princípio cósmico, a reciprocidade define-se como um equilíbrio entre dar e receber o que reflete a dinâmica subjacente do Cosmos.
Reciprocidade será palavra egoísta? Ou será, antes, uma palavra necessária para darmos valor e peso às nossas ações? Se concordarmos com a segunda aceção, devemos então ser recíprocos a quem nos dá, mas exigir reciprocidade a quem damos.
Um texto publicado por Andromedalive1 diz-nos que “nada pode ser criado se não houver reciprocidade, seja uma nova galáxia, uma obra de arte ou um bom relacionamento entre seres humanos. A reciprocidade é a ponte que leva à unificação. Para tal, é preciso que dois movimentos de expansão, duas ‘correntes de aquiescência’ se toquem, numa interação harmónica de dar e de receber, de cooperação mútua e de abertura positiva. No domínio das relações humanas, a reciprocidade depende da capacidade de se dizer sim quando se ouve um sim; ora, a capacidade de nos aceitarmos e de sustentarmos o prazer só pode ser aprendida gradualmente e é uma das metas mais difíceis de alcançar dependendo diretamente da nossa integridade espiritual e emocional”.
O desenvolvimento pessoal e a reciprocidade são interdependentes. Enquanto não houver reciprocidade entre o Ego que construímos (a nossa personalidade) e o nosso Eu Verdadeiro (o Eu Interior), a divisão interna persistirá sendo absolutamente inconcebível que algum dia possa existir reciprocidade entre nós e os outros. Ora, o primeiro passo para estabelecermos a reciprocidade entre os nossos dois Eu(s) passa pela aceitação dos nossos aspetos menos positivos já que se os negarmos, não podemos transformá-los. Essa plena consciência é a porta para a integridade e para livremente fluirmos no universo do outro, dando-nos a abertura para dele recebermos correntes de energia e movimentos da alma.
O medo de nos expandirmos e de nos abrirmos ao outro pode representar uma certa garantia de segurança – a pseudo-segurança da separação e do isolamento - e, obviamente, inibe a reciprocidade. As pessoas mais desligadas da sua verdade interior não estão prontas para qualquer tipo de expansão e, portanto, de reciprocidade; se estivermos desligados do nosso inconsciente, precisaremos de manifestar aquilo que, lá no fundo, sabemos que existe e vamos manifestá-lo nas nossas relações com os outros o que, obviamente, os afetará. Contudo, isso não significa que o desejo de reciprocidade esteja ausente. Ele não só está presente, como se torna mais forte e mais consciente se dermos um passo em frente no nosso desenvolvimento pessoal.
Se a mente estiver agitada, não podemos ouvir a voz do nosso Eu Interior e a separação entre ele e o Ego persistirá. A menos que essa cisão seja trazida à consciência, ela reaparecerá entre nós e os outros. O ruído mental cria desligamento em relação aos sentimentos e ao estado que os gerou e somos forçados, por nossa própria escolha, a viver num estado constante de frustração e de insatisfação. Fisicamente, é claro que isso gera bloqueios corporais e, consequentemente, a doença.
Só o trabalho interior possibilita a união connosco mesmos e, para tal, a meditação é fundamental. O estado de serenidade e de paz caraterísticos da meditação, permite-nos reunir os aspetos fragmentados do nosso ser e romper com as estruturas habituais de pensamento. Aprendamos, pois, a meditar. Depois de adquirirmos o domínio da meditação estabilizadora (no Budismo designada por Samatha), poderemos aprender outro tipo de meditação (Vipassana)- aquela em que analisamos os nossos pensamentos, por mais perturbadores que sejam, de uma forma serena e tranquila, sem medo, para que possamos ver a verdadeira natureza da realidade. É uma meditação que nos permite estarmos atentos a tudo o que nos vem à mente sem, contudo, nos identificarmos com o que possa surgir. A sua importância é, não só, proporcionar-nos a aceitação, a compreensão e a resolução de dificuldades que nos parecem inultrapassáveis quando nos encontramos no estado de consciência normal, como também trazer-nos o conhecimento direto e intuitivo.
No que diz respeito à nossa capacidade de reciprocidade, sendo a meditação a chave da união da nossa personalidade com o nosso Eu Interior, da aceitação das facetas que ignorávamos, da unificação do nosso ser, constitui, evidentemente, um meio privilegiado para acedermos à reciprocidade: unificados, estamos em condições de estabelecer relações recíprocas com os outros e de fluirmos em harmonia com o Universo.
PROFESSORA DE MEDITAÇÃO
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in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2013
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