Por Regina Faria
in REVISTA PROGREDIR | SETEMBRO 2013
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Importa, desde já, desfazer um equívoco muito frequente: a identificação de religiosidade com espiritualidade. Enquanto as religiões fazem depender de um conjunto de regras dogmáticas a ligação do homem a Deus, ligação que não se estabelece sem a intermediação dos “representantes de Deus na Terra”, a espiritualidade convida a pessoa a ouvir a sua voz interior (seja qual for a designação que lhe atribua – Intuição, Eu Interior ou outra), a questionar, a refletir, a optar, a decidir por si.
Todos os seres humanos são potencialmente espirituais mas nem todos são religiosos. Por outro lado, há crentes que não desenvolveram a espiritualidade que, supostamente, a sua religião preconiza. Mas porque, ao longo da história dos homens, a espiritualidade, a religião e a meditação se têm cruzado e, muitas vezes, entrelaçado, diluindo-se as fronteiras entre elas, interessa fazer uma brevíssima incursão neste domínio.
Ao longo dos tempos, muitas religiões adotaram práticas meditativas como instrumento de ligação a Deus. A grande diferença entre o Oriente e o Ocidente reside no facto de que nas religiões orientais a prática foi sempre aberta e recomendada a todos os crentes tendo-se, desse modo, mantido viva e atuante ao longo dos séculos; já no ocidente ficou confinada aos mosteiros e conventos ou a grupos esotéricos seculares fechados e, não raro, clandestinos (o caso dos Cátaros). Foi só nos anos 60 do século XX que o monge inglês beneditino John Main, entusiasmado com a experiência contemplativa que teve numa viagem ao Oriente, decidiu procurar um fundamento que justificasse a prática da meditação na Igreja Católica atual e encontrou-o na rotina dos padres do deserto, ascetas do século IV, que usavam a repetição de fórmulas curtas para se concentrarem em Deus. Fundou, então, a Comunidade Mundial para a Meditação Cristã tendo afirmado que “A Igreja precisava de um método contemplativo que pudesse ser praticado por todos. Durante muito tempo, foi dito aos cristãos que a meditação estava reservada à vida monástica, mas hoje todos sentem necessidade de meditar.”
A presença de uma Igreja fortemente controladora durante a Idade Média e do seu braço punitivo – a Inquisição – desencorajou a prática da meditação no Ocidente. No século XVII, o ressurgimento do Racionalismo desferia o golpe de morte nas ideias e práticas que contrariassem os fundamentos da filosofia dominante – a certeza, a demonstração, o raciocínio sem falha, a causa inteligível. Não admira, pois, que a meditação tenha desaparecido do Ocidente durante tantos séculos.
No século XIX, os Teosofistas adotaram o termo Meditação para designar as diversas práticas espirituais inspiradas nas religiões orientais. Foi também no Oriente, concretamente na meditação budista, que o Ocidente não religioso se inspirou em meados do século XX tendo-a “importado” para ficar. De facto, a meditação expandiu-se de tal modo que os grupos de meditação, os cursos e as aulas de meditação se multiplicam por todo o mundo ocidental. Quer seja para aquietar a mente e assim diminuir o stress, os níveis de ansiedade, para melhorar a concentração ou para coadjuvar a Medicina em vertentes tão diversas como a Psicoterapia, a Cardiologia ou a Oncologia, quer se procure o desenvolvimento espiritual, a meditação está em enorme expansão integrando o quotidiano de um número crescente de pessoas.
Considerando a aceção da espiritualidade como o conjunto das virtudes do espírito - amor, compaixão, solidariedade, generosidade, perdão e justiça, entre outros valores, concluise que todos podemos desenvolvêla, porquanto dotados de espírito. Espírito não significa divindade, mas antes autoconsciência, capacidade de reflexão sobre si mesmo. O ser humano é, assim, um ser intrinsecamente espiritual, pois demonstra capacidade para refletir e para se transcender. Contudo, nem sempre a espiritualidade se expressa ou, quando se manifesta, pode fazê-lo de modo multiforme. Enquanto meditamos, induzimos um estado de apaziguamento interior, de equilíbrio e de serenidade e conseguimos reunir os aspetos fragmentados do nosso ser. Rompemos com as estruturas habituais de pensamento, e acedemos à simplicidade original.
A prática diária da meditação resulta numa intensa abertura de consciência, no desabrochar da compaixão, de uma maior aceitação de nós mesmos e dos outros, numa aproximação à plenitude do nosso ser. As palavras de grandes mestres de meditação e os testemunhos de quem medita regularmente dizem-nos que a meditação conduz ao despertar para o autoconhecimento e para a transformação interior que, por sua vez, levam à manifestação dos grandes valores humanos e espirituais e, por inerência, à conquista da realização espiritual. Ao meditar, crescemos e
adquirimos sabedoria.
A concluir, transcrevemos as palavras cheias de significado de José Maria Alves:
“Meditar é, antes do mais, consciente aber tura do espírito a si mesmo, ao mundo da natureza, aos outros e ao Universo. É uma presença atenta de cada momento, que não se identifica nem com um exame interior nem com a reflexão, em que com o tempo, a zona de silêncio do nosso cérebro – os 80 a 90% não utilizáveis – passa a cooperar no milagre da descoberta do nosso interior e do que nos envolve.”