in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2017
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Se somos aquele tipo de pessoa que quer melhorar, evoluir, deixar para trás os condicionamentos ou padrões que sente já não lhe servirem, o mais natural é sentirmos um desejo interno de deixar de ter apegos. Compreendemos perfeitamente quanto sofrimento o apego nos pode trazer, e talvez até possamos ver, com clareza, o que já causou nas nossas vidas. O desapego surge assim, como a chave para nos libertarmos de muitas das grilhetas emocionais que nos condicionam. Quantas vezes ficamos presos a relacionamentos que nos intoxicam? Quantas vezes ficamos com aquela pessoa porque alguma norma parece sobrepor-se à voz do nosso coração? E quantas vezes recordamos, uma e outra vez, o que o outro nos disse, aquilo que nos fez, ou aquilo que esperávamos que tivesse feito e não fez? Quantas vezes nos deixamos apegar a expetativas, ao passado, a ideias? Muitas, talvez demasiadas vezes.
De facto, o apego a alguém ou alguma coisa demonstra essa carência afetiva interna que tentamos suprir pela presença constante ou pela atenção que damos - e queremos ver retribuída - a determinado ser. Sentimos que precisamos daquela pessoa na nossa vida, e a ameaça da sua eventual “perda” deixa-nos amedrontados. A maior parte dos apegos que temos nos relacionamentos, embora surjam como expressões mais ou menos egoístas de afeto, elucidam-nos também sobre os nossos medos e as nossas necessidades: medos de perda, de abandono, que interiormente podem significar uma verdadeira morte emocional.
O apego àquilo que gostaríamos que fosse implica também uma não aceitação daquilo que é. A verdade é que costumamos, tantas vezes inconscientemente, criar uma imagem mental de como gostaríamos que alguém fosse e, caso não corresponda à realidade, isso traz-nos grande sofrimento. De alguma forma, o nosso bem-estar fica ligado a essa imagem, o que nos leva a resistir tremendamente a tudo o que parecer diferente.
Com milhares de anos de reflexão, as tradições orientais compreenderam há muito que o desapego é uma aprendizagem básica de vida. No ocidente (recém-chegado à filosofia oriental e, muito focado na cultura do bem-estar e da facilidade), o desapego parece-nos ser um bom caminho para evitar sofrimentos. Eis que surge uma primeira armadilha: a ideia de que há comportamentos que, se levados a cabo, nos garantem imunidade a determinadas dores, para além de simbolizarem uma suposta elevação de consciência. Como se algo em nós nos quisesse convencer de que a sabedoria e a evolução de consciência passam por abdicar da mais humana condição: o vínculo afetivo que criámos com os que nos são queridos.
Se, por um lado, o desapego é uma atitude a cultivar, por outro lado exige discernimento, raiz da verdadeira sabedoria. Pede-nos uma profunda confiança em nós, na Vida e no Amor. Esse Amor que já somos, e que é profundamente livre. A questão de qual é a fronteira entre o amor e o apego, torna-se então pertinente. O apego tem medo de soltar, medo de deixar ir o que já conhece e de ficar no desconhecido. Mas, o impulso natural da vida é a mudança, o crescimento, a expansão, que para acontecerem, nos trazem a mudança e a transformação.
Se o nosso propósito é cultivar o desapego apenas para fazer uma finta ao sofrimento ou para nos convencermos de que já somos seres sábios e evoluídos e, contudo, não somos capazes de uma auto-observação lúcida, então estamos a contrariar a força de vida que pulsa em nós. Mas, se somos capazes de amar o outro nutrindo e dando-lhe espaço para ser quem é, então já temos um desapego. Como diz a estória, há uma medida certa de desapego, tal como a mão que recolhe a água de uma fonte para saciar a sede não pode estar nem totalmente aberta, nem completamente fechada.
TERAPEUTA TRANSPESSOAL
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in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2017
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