Por Cristina Marreiros da Cunha
in REVISTA PROGREDIR | MAIO 2020
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
E que dizer das relações amorosas que estão em confinamento habitando o mesmo espaço?
Como se imagina, em época de paixão, esta será quase a situação ideal, quando a vida é feita quase exclusivamente virada para o outro e em função dele/dela, É claro, faltarão os passeios românticos, mas a sensação de um “Nós 2” contra o mundo e o virús, ajuda a fortalecer o laço.
Mas o casal é como um organismo vivo que passa por várias fases. Quando o casal já leva uns anitos de vida em comum e não tem filhos, o filtro da pandemia, pode atuar como uma interrogação do tipo “Será este a pessoa que eu quero que continue a acompanhar-me?” ou, se a interrogação já existia anteriormente, atuar como gerador de certezas. Se for possível restabelecer-se uma boa comunicação, que gere cumplicidade, mantenha, ou reacenda, o desejo e consolide o afeto, então a resposta será: “Sim, é!” Se tal não for possível, é provável que surja um: “Não, já não é!”
Para os casais com filhos pequenos, esta está a ser certamente uma fase de desgaste. As crianças, como lhes é próprio têm uma enorme energia, curiosidade e necessidade de atenção. Assim, estar demasiado tempo confinado à casa torna-se num desafio à criatividade e à paciência de quem deles cuida. É verdade que, por um lado se podem estreitar laços e cumplicidades entre pais e filhos, com estes últimos a usufruir da presença dos pais como uma mais valia, por outro lado, podem surgir tensões que aumentam os conflitos entre o casal, por se intensificarem as ocasiões em que pode haver divergências no estilo educativo, nas opiniões, nas atividades a desenvolver etc, etc. Tudo o que já era vivido anteriormente, é agora ampliado, originando uma oportunidade de análise, de forma a perceber-se o que é conjuntural, o que é estrutural, o que é necessário aceitar, o que é necessário não aceitar e resolver, ou seja, tomar medidas para que o futuro possa ser vivido da melhor forma, em conjunto… ou não.
Para casais com filhos adolescentes, haverá um duplo desfio: manter regras mínimas de cooperação em casa e de não saída desta, e, ao mesmo tempo, respeitar o espaço, a privacidade e a autonomia do adolescente, sem intromissões na sua necessidade de separação/não convívio com os pais. Aqui os pais podem descobrir que estão a viver ainda demasiado em função dos filhos, como se estes permanecessem crianças, não se apercebendo que o casal se está a diluir na sua função parental, esquecendo-se de se olhar enquanto casal.
As relações maduras, com filhos adultos ou sem eles, são relações usualmente a dois, em que, habitualmente, cada um tem a sua atividade diária. Mesmo quando já se está na idade da reforma, havia rotinas individuais que, devido ao Estado de Emergência, foram interrompidas. Se os primeiros tempos podem ter sido sentidos como uma oportunidade para descansar, com o passar do tempo a presença do outro pode ser sentida como demasiado intensa. Há, pois que saber respeitar os espaços e atividades individuais de cada um, até os silêncios, para que a reunião e as atividades a dois, continuem a ser feitas com agrado e boa disposição.
Vemos que a situação de pandemia, aumentou receios e ansiedades e que o dever de confinamento, tendo obrigado à interrupção das atividades habituais, veio introduzir transformações no dia a dia das pessoas, afetando-as de uma ou de outra forma. Enquanto está tentar compreender o que se tem passado na sua relação, há alguns aspetos de que deve cuidar:
- Seja responsável. Assuma a responsabilidade do seu papel no presente, como indivíduo.
- Planeie o futuro, não procurando antecipá-lo (a não ser que viva uma situação de violência doméstica para a qual devem ser tomadas medidas urgentes). Saiba que a situação de pandemia tenderá a regressar ao normal, eventualmente como avanços e recuos, e que, há projetos, e comemorações não urgentes, que podem e devem ser adiados.
- Comunique o que sente com calma e verdade para que o diálogo possa ser produtivo e gere apoio e compreensão
- Respeite espaços e necessidades de uns e outros
- Seja criativo para encontrar formas de equilíbrio pessoal e familiar
A Pandemia, para além de ser um problema em si mesmo, com tudo o que implica, atua como uma lupa, pois aumenta e intensifica questões e situações que anteriormente não mereciam suficiente atenção, se bem que, na maioria dos casos, já estivessem presentes. Atua também como um filtro que permite separar o que de facto é, e não é, importante para cada um e para a saúde da relação. Tendo em atenção que o nosso relacionamento não está continuamente sob uma lupa, isto é, que a realidade é normalmente, mais amena, não podemos deixar de fazer um balanço de quem somos quando temos mais tempo para nós e para os que connosco, habitam, de quem somos quando vivemos com algumas restrições, de quem queremos que esteja connosco em situações críticas.
Voltar a poder sair de casa, a vacina, ou o tratamento para o Covid19, não trarão respostas para quem somos e para o que desejamos num relacionamento. Da mesma forma, tentar compensar o que perdeu por estar confinado, adotando comportamentos de excesso (compras, exercício, trabalho, etc) ou de dependência (substâncias, álcool, sexo,...), nada resolverá. Só analisando o passado, vivendo o presente e planeando o futuro se consegue uma relação saudável.
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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in REVISTA PROGREDIR | MAIO 2020
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