in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2018
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Então porque tem a frase “julgar os outros” ou “está sempre a julgar” uma conotação tão negativa?
Pois, que se não somos juízes, e não estamos numa posição de ter de julgar o comportamento de outros para que se faça justiça, o facto de fazermos sistematicamente juízos de valor sobre outros, sem estarmos na posse de todos os dados, de todas as circunstâncias, dos seus sentimentos e raciocínios, (ou como se costuma dizer, sem estarmos “na sua pele”) pode levar a interpretações e julgamentos injustos. Tanto mais que haverá tendência a fazer julgamentos tendo em conta o nosso próprio sistema de crenças e valores, como se estes devessem e tivessem que ser partilhados por todos os que nos rodeiam. Para além disso, julgar os outros faz-nos desviar a atenção do que se passa connosco, distraindo-nos, ou negando as nossas próprias emoções e pensamentos, quando, afinal, é por nós, que nos devemos responsabilizar em primeiro lugar.
Quando no título se lê “Julgue o seu relacionamento”, o que se pretende é que sinta que é natural avaliar o que se passa na sua relação, sobretudo quando sente que ela não está a contribuir para o seu bem-estar. Não cabe ao outro, fazê-la/lo a si, feliz, mas cabe a si perceber como construir esse relacionamento de forma a que seja satisfatório e contribua para a sua realização pessoal. Se ambos gostam um do outro, é natural que ambos queiram construir um ambiente de satisfação mútua, mas essa tarefa nem sempre é fácil. Há algumas perguntas que pode colocar sobre o seu relacionamento quando este está a atravessar uma fase difícil.
É gratificante para mim? O que sinto que funciona entre nós? O que vejo que não funciona? Estou a conseguir comunicar da melhor forma o que sinto? Sinto-me eu própria e à vontade nesta relação? Que mudanças posso introduzir para me sentir melhor? Estou a exigir o que não dou, ou à espera que me deem o que eu não sei dar a mim própria/o? Tenho vontade de (re)construir um caminho a dois? Desejo que seja esta pessoa a acompanhar-me nesta jornada? Penso que é possível? O que está ao meu alcance fazer para alterar a situação?
Ao tentar encontrar respostas a estas questões, irá necessariamente fazer julgamentos, que deverão ser, tanto quanto possível, objetivos, pois eles serão fundamentais para lhe permitir avaliar a relação, o seu papel nela, e para introduzir as modificações necessárias. Se vive constantemente a questionar-se, é já um sinal de que não está a fruir, não está em paz, e que está provavelmente na altura de julgar o que se está a passar para poder tomar decisões.
Mas então quais os julgamentos que podem prejudicar a sua relação?
Aqueles em que mais do que avaliar o comportamento do outro, o critica continuamente e julga as suas intenções, como se lhe lesse a mente, fazendo-o na maior parte das vezes, baseado na sua própria vivência, nas suas próprias emoções, ou seja, na sua subjetividade, e não na do outro. Este julgamento contínuo do outro, não só, algumas vezes, é extremamente injusto, como leva sempre a que surjam defesas e respostas de maior zanga, por se sentir injustamente acusado, ou, tão simplesmente, incompreendido, aumentando o grau de insatisfação com a relação e gerando comportamentos que o/a irão magoar a si.
Ficaremos assim perante um ciclo, que terá tendência a escalar, seja num modo quente, de maior conflito aberto, seja num modo frio, de maior distanciamento. Dependendo dos traços de personalidade de cada um, é possível, até, ter da parte de um dos membros mais reações “quentes” e do outro membro, mais reações “frias”, mas, de uma forma, ou de outra, se nada for feito, e o ciclo não for interrompido, a escalada irá continuar conduzindo ao desgaste e eventualmente à rutura.
Nestas alturas, torna-se claramente necessário julgar/avaliar a relação e o papel que você desempenha nela, focando-se nas suas próprias necessidades e anseios, sem ceder à tentação de explicar tudo o que está a acontecer com um “porque ele/ela”. Lembre-se, o sujeito da ação deverá ser sempre você, porque você não controla o comportamento do outro, logo não pode esperar, e ainda menos exigir, que ele/ela o altere em função de si, tudo o que pode é clarificar perante si as suas necessidades, aprender a comunicá-las e perceber até que ponto a outra pessoa deseja/quer/consegue, ou não, vir ao seu encontro.
Não se esqueça que o outro também não lê a sua mente (ou fá-lo com a subjetividade que lhe é própria, enganando-se e cometendo injustiças para consigo). Torna-se, por isso, necessário conversar calmamente sem julgamentos “à priori”, sem reservas sobre sentimentos e vulnerabilidades, num registo de verdadeira intimidade. Aumenta assim, a probabilidade de se poder construir uma relação saudável a dois, em que há espaço para a individualidade, em que cada um se sente livre e autónomo e em que há espaço comum de construção, partilha e apoio mútuo, gerando um “Nós” consistente, sem prejuízo dos “Eus” que compõem a relação, num espaço em que a vivência e fruição estão mais presentes do que o julgamento e a condenação.
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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