in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2016
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Uma das preocupações da sociedade atual é sem dúvida a noção do crescente individualismo. À primeira vista poderá parecer estranho tendo em conta que o mundo virtual em que vivemos trata de nos aproximar. Falamos com quem queremos; tiramos fotografias, que editamos até à exaustão; sabemos ao minuto o que vai acontecer nos próximos dias e meses; compramos e vendemos roupa, comida, viagens, casas e carros sem que seja preciso deslocar-nos e vermos com os nossos próprios olhos; sabemos do trânsito, do tempo, dos táxis, das operações stop, dos melhores restaurantes, dos hotéis; jogamos, escrevemos, pintamos, lemos em qualquer lugar. Mas no meio de toda esta agitação desprevilegiamos a presença e o contacto físico com o outro. Alheamo-nos da realidade em que estamos, levados pela necessidade de omnipresença própria desta geração. Esquecemo-nos da importância que estes têm na nossa construção pessoal, na expressão e elaboração das nossas emoções. Vivemos então para os outros e não com os outros. Para alimentar a nossa auto-estima e auto-confiança, muitas vezes conseguida através de distorções da verdade, do que realmente somos, fazemos, temos. E aí é que está a questão.
O ser humano é por natureza um ser social, que à medida que se vai desenvolvendo aprende a interagir, a estabelecer relações. Cresce e descobre o mundo através dos vínculos que cria com outros, das representações que vai tendo não só dos objetos mas também de todos os contextos que o envolvem, pressupondo-se que estes estão repletos de pessoas que o ensinam a reagir aos estímulos. A presença é muito importante nos primeiros anos de vida, mas não o deixa de ser à medida que os anos passam. Precisamos a vida toda dos outros. Precisamos dos que fazem parte da nossa família e dos que queremos na família que construímos; dos que estão connosco diariamente no trabalho; daqueles que se cruzam connosco nas mais variadas situações e dizem ou fazem algo de inesperado; de todos os que de algum modo marcaram o nosso passado e mesmo dos que, sem fazermos ideia como, ainda hão de aparecer no futuro. Todos eles têm um determinado papel, lugar e contexto no nosso percurso. Uns de uma forma mais desmedida, outros mais pontual, mas todos contribuem para a pessoa que somos hoje e que seremos até ao final. Não teria sido possível avançarmos todos estes anos sem as relações e os vínculos que temos hoje, em tão grande parte mantidos por momentos simples, de convivência, de partilha de experiências, de troca de opiniões, de descoberta, de ajuda. Momentos de conversa, séria ou não, de brincadeira e de aventura, de discussão, de conflitos, de reconciliação. Momentos e momentos que nos fizeram Progredir, que nos permitiram estar num determinado contexto e viver. Porque é quando nos relacionamos que nos desenvolvemos. É com os outros que progredimos, que aprofundamos os nossos valores e ideais, que percebemos quais os nossos objetivos pessoais, profissionais, sociais. São estes que preenchem os locais por onde andamos e que nos vão ajudando a orientar o futuro. É entre esses “outros” que descobrimos quem queremos ao nosso lado o resto da vida ou até o contrário.
O isolamento é impeditivo de evolução, seja a que nível. Em última análise, para nos reproduzirmos precisamos certamente de alguém. Da mesma forma que sentimos essa necessidade em situações de felicidade e dificuldade. Não há dúvida de as relações amorosas, familiares, interpessoais contribuem significativamente para o nosso sucesso e progresso pessoal. Contribuem para a criação de oportunidades de crescimento e desenvolvimento, para a partilha e até mesmo para o apoio no fracasso. São elas que nos guiam pelo que nos é desconhecido e que nos possibilitam criarmos uma identidade única e complexa. Progredimos através do impacto que os outros têm em nós, deixando-nos absorver pelo seu exemplo, as suas atitudes e conquistas. Progredimos quando permitimos que os outros nos inspirem com detalhes da sua personalidade, muitas vezes tão pequenos que só nos apercebemos mais tarde. Progredimos quando nos entregamos a relações que nem sempre são duradouras como desejávamos mas que certamente nos trazem aprendizagens e desafios. Progredimos sempre que ousamos relacionar-nos com alguém, ainda que por segundos e na situação mais improvável. Porque progredir é crescer e todos ambicionamos crescer, mesmo que às vezes só percebamos posteriormente como é que tal foi possível.
PSICÓLOGA CLÍNICA
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in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2016
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