Por Cristina Marreiros Cunha
in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2019
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Se além do nosso papel laboral vestirmos a pele de pai ou mãe, de novo uma série de exigências se nos afiguram na mente, como único caminho para cumprirmos os nossos papeis parentais da melhor forma possível. Como mulher ou homem, temos mais umas quantas expetativas que nos impomos para conseguir atingir uma qualquer imagem a que nos obrigamos, sem parar sequer para nos perguntarmos se é isso de facto que desejamos ser. E, finalmente, como membro de um casal, ou como parte de uma relação conjugal, vemo-nos perante mais uma série de obrigações para corresponder a expetativas que nos podem tirar o prazer de estar e nos projetam numa roda vida de ansiedade, desgaste e exaustão -burnout-
O socialmente expectável, a imagem que queremos preservar, torna-se uma exigência, e, em seu nome, obrigamo-nos a correr, por este ou aquele motivo, para não desiludirmos, que é como quem diz, para não trairmos a imagem que queremos dar de nós próprios. Julgamos que ousar estar de outra forma, porventura mais saudável e justa, seria menos aceite por outros próximos, porque, também nós, julgamos não nos poder aceitar, se não correspondermos às expetativas de outros.
É por isso cada vez mais frequente que a incapacidade de gerir todos estes papéis de forma a mantermos a imagem que cremos ser a adequada (e que é, habitualmente, altamente exigente) , conduza muitas vezes ao esgotamento.
Estar esgotado, significa que a pessoa se perceciona sem recursos para fazer face às múltiplas situações com que se depara, e por isso mesmo colapsa. Os riscos psicossociais do desgaste e do esgotamento são muito superiores ao risco da procura de alternativas, de paragem, de mudança, de tentativa de olhar o trabalho, as relações, os múltiplos papeis, em suma, nós próprios e a vida, de uma forma diferente.
Quando uma relação “está por um fio”, significa que duas pessoas (pensemos em dois bocados de tecido diferentes) que decidiram unir-se, estão a desunir-se restando apenas um fio de ligação. Como é que isto acontece?
Como é natural as razões podem ser variadas, mas o que é certo é que a convivência entre as duas pessoas chegou a um nível de desgaste extremo, restando pouco.
Exemplos de situações em que as relações podem ficar por um fio:
1- Um puxou demais e o outro não se apercebeu, não foi capaz, ou não quis acompanhar esse movimento.
2- Ambos puxaram para lados opostos. Esta é a situação que ocorre, por exemplo, quando ambos estão a sofrer grandes pressões nos respetivos empregos/trabalhos/estudos/projectos pessoais, como se ambos estivessem a andar de costas voltadas um para outro em busca de algo que está fora da relação e que consideram mais importante.
Se isto acontece ao mesmo tempo na vida de ambos e com grande intensidade, obviamente a relação fica por um fio, acabando por poder rasgar-se. Se, como no primeiro caso, ocorre com um dos membros, é absolutamente necessário que haja comunicação, tomada de consciência de que a situação não pode ser nem demasiado intensa nem duradoura, e abertura à negociação sobre o que se está a passar.
3 - Um centra-se totalmente na relação e/ou no outro, como se dele dependesse emocionalmente, não deixando espaço para que o outro respire, tenha os seus projetos e se sinta autónomo e livre. Gera-se uma situação em que quanto mais um tenta puxar o outro para si, mais o outro sente necessidade de se afastar, podendo gerar rutura.
4 - Pelo menos um, ou ambos, tem uma ideia de relação idealizada, como se fossem um só, convencendo-se de que o surgimento de um interesse diferente e não vivido a dois, é o fim da relação.
5 - Pelo menos um, ou ambos, habitam a relação como se não tivessem escolhido estar unidos com o outro, agindo de forma unilateral e individualizada sem partilha de informação ou sem negociação de decisões.
6- Pelo menos um, ou ambos centram a relação nos filhos -ou noutro(s) projeto(s)-, esquecendo a relação conjugal, ou competindo para ser melhor que o outro.
Estes são apenas alguns exemplos de como as relações podem ficar por um fio, sobretudo quando agravadas pela deficiente ou quase inexistente comunicação entre o casal, suscitando zanga e cobrança em vez de apoio e compreensão. Vive-se contra, e não com, o outro.
O desgaste da relação, obriga a olhar para ela de uma nova forma. Eis algumas questões que se devem colocar:
- O que é mais importante para cada um dos membros do casal?
- Que crenças estão subjacentes a essa importância e até que ponto elas são pouco adaptativas e mesmo impeditivas do funcionamento da relação?
- O que está a impedir que cada um, e ambos, tenham uma visão realista da vida em comum?
- Até que ponto a hierarquia de importâncias estabelecida por cada um, é passível de ser conjugada com a do outro, possibilitando a construção de uma hierarquia comum para o “nós”?
- Estão os dois interessados, de uma forma activa, em centrar-se nos pontos de união restantes, reactivando-os, aceitando diferenças e restabelecendo laços? (se um não estiver interessado, uma relação satisfatória não terá futuro)
Quando a relação está por um fio três situações podem ocorrer:
1ª- Tudo continua por um fio. Nada muda, quase tudo é mau e assim vai continuar, é o arrastar duma situação que não traz bem-estar a nenhum dos envolvidos nem aos que os rodeiam.
2ª- O fio rompe-se e a relação termina (Não esquecer que, quando há filhos, é absolutamente imprescindível que a relação parental se mantenha minimamente saudável, mesmo quando a relação conjugal já não é possível. (“mais vale um bom divórcio do que um mau casamento”)
3ª- O fio serve de reinício para um novo cerzir, para novas formas de estar geradoras de menor tensão, mais adaptativas e felizes.
Afinal, se o fio que resta for como o fio de Ariadne, estarmos exaustos ou “estarmos por um fio”, pode ser um momento de pausa para encontrarmos e escolhermos uma solução, uma caminho, um reinício.
PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA
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