Por Ana Teixeira
in REVISTA PROGREDIR | MAIO 2021
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Procuramos a satisfação na carreira e a construção de um papel profissional que potencie a nossa autoestima. Mas será que, ao longo do nosso ciclo de vida, haverá espaço para uma única “vocação”?
As transformações no mundo do trabalho, particularmente nas sociedades ocidentais, gradualmente vieram contestar esta ideia linear e simplista da procura do “ideal” profissional. A maior mobilidade, a necessidade de formação contínua com vista a fazer face ao desemprego, a incerteza na progressão de carreira e situações de maior precariedade, emergem como características do mundo atual de trabalho.
Tais transformações, aliadas às próprias mudanças nas teorias do desenvolvimento psicológico – que concetualizam o ser humano como um ser em constante evolução -, vieram reforçar a necessidade de transformar o “ideal profissional” para a noção de projeto vocacional/profissional. Assistimos, assim, a uma mudança de paradigma, onde o conceito de projeto transmite uma realidade em permanente transformação – tal como o próprio desenvolvimento humano – mutável e em contínua reconstrução com os demais projetos pessoais de vida.
Na verdade, os interesses e valores profissionais de uma pessoa são o resultado de um processo de construção histórico-social jamais terminado. Desde cedo, aprendemos sobre o certo e o errado, procuramos modelos de referência e desejamos a exploração do meio circundante, onde as nossas competências possam ser validadas. Crescemos, assim, num contexto sociofamiliar que molda as nossas crenças e influência as nossas expectativas, entre as quais, as profissionais. De facto, a abordagem das questões de carreira e do mundo profissional tendem a começar bem cedo no nosso desenvolvimento pessoal. Quem nunca foi questionado “o que gostarias de ser quando fores grande?”. No período da juventude, tende a emergir o primeiro grande momento de reflexão vocacional, de tomada de consciência dos interesses, motivações e competências. É um momento de revisão do sentido de identidade, de integração de escolhas passadas, desejos pessoais e expectativas dos demais.
Por todos estes desafios, é considerado um período simultaneamente de crise e de oportunidades, onde o jovem, consoante a disponibilidade ou não dos recursos de apoio, poderá realizar escolhas mais ou menos firmes ou adiá-las. Não é por acaso que, nesta etapa de vida, em contexto de consulta psicológica surgem cada vez mais pedidos de orientação e apoio vocacional. Frequentemente, estes jovens carregam a crença de que “esta é a escolha da minha vida”, emergindo o medo de mais tarde não se revelar a escolha “perfeita”. Naturalmente, os medos devem ser validados, as preocupações levantadas e a projeção no futuro deverá ser baseada numa reflexão honesta dos interesses e competências. Contudo, esta não tem que ser “a escolha”, mas a melhor escolha possível no momento; pois, paradoxalmente, a primeira opção revela-se a crença limitadora que potencia ainda mais a indecisão vocacional.
Parece estar cada vez mais claro que as questões vocacionais não se ficam por aqui. Retomando a ideia de projeto, a necessidade de redirecionar uma carreira profissional já estabelecida pode legitimamente existir na adultez. Ora, se os nossos interesses e preferências mais pessoais se alteram ao longo da vida, com base na consolidação do nosso autoconhecimento, porque não os nossos valores profissionais? Vamos, assim, atualizando a nossa identidade numa rede complexa de inter-relações, nos mais variados contextos de vida – para além do papel enquanto profissional, que mais papéis podemos e queremos desempenhar na vida? Como reorganizar as nossas prioridades, numa constelação de papéis que vamos desenvolvendo e abandonando no nosso percurso de vida? Em resultado desta “bagagem” de vida pessoal, emerge também o sentido de identidade profissional; e não podemos separar o desenvolvimento da nossa identidade profissional da identidade pessoal.
Somos protagonistas do nosso desenvolvimento profissional, agentes do nosso “itinerário”, pessoal e profissional. Como tal, torna-se legítimo a exploração contínua, real e/ou simbólica, do mundo profissional, de oportunidades, de papéis a desempenhar, de experiências a viver e desafios a superar. Ademais, pela incompletude e insatisfação que por vezes caracteriza o ser humano, faz todo o sentido falar em projeto profissional. Parece, assim, não existir um destino a descobrir; mas a construir.
PSICÓLOGA CLÍNICA E DA SAÚDE FORMADORA MEMBRO EFETIVO DA ORDEM DOS PSICÓLOGOS PORTUGUESES (CÉDULA Nº 23550)
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