Por Rute Cabrita
in REVISTA PROGREDIR | JANEIRO 2019
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Estados depressivos ocorrem repetidamente, enquanto progressos espirituais de auto descoberta, de auto cuidado e auto conhecimento. A depressão torna-se patológica quando há um enclausuramento prolongado do potencial criativo e evolutivo face às circunstâncias da realidade e acarreta constrangimentos significativos nas várias áreas da vida.
A depressão pode ser um gritante convite para uma viagem espiritual; talvez seja a ocasião pela qual muitos tomam então contato com o seu mundo interior. É um processo que merece imenso respeito, (pela pessoa que a passa e por todos em seu redor) por se tratar de um mergulho sensível, onde há a oportunidade de um novo ser se desenvolver. Um processo em que é tão importante valer-se de terapêutica farmacológica para equilíbrio bioquímico, como reconhecer que nenhum medicamento é capaz de aceder ou alterar os conteúdos psicoemocionais internos. Deve considerar-se uma abordagem multidisciplinar, com uma tripulação capaz de acompanhar essa viagem íntima e intransmissível de aproximação ao Eu, de desenvolvimento da consciência e de realização de uma vida mais plena.
A depressão pode ocasionar-se por inúmeras causas, embora a ocorrência de uma perda significativa seja a mais comum na sua origem. De um ente querido, de um trabalho, de uma casa, de saúde, de um vício, de algo cuja ausência traz sensações de impotência e de perda de controlo. Qualquer que tenha sido a perda original, existe uma que permanece e alimenta a depressão: a perda de conexão com o Eu.
Normalmente, o indivíduo com depressão não sabe o que há-de pensar, não sabe o que está a sentir e ignora as vontades do corpo - revelando a forte desconexão consigo mesmo. A capacidade extraordinária de habitar um corpo físico, mental e emocional e não o reconhecer é produto das defesas construídas para proteção da realidade. E se, por vezes, tais muralhas preservam saudavelmente a integridade da inegável sensibilidade do ser humano, quando se tornam rígidas e impermeáveis impedem a interação entre corpo, mente, emoções e vida; ou seja, fragmentam a existência e excluem conteúdos instintivos.
A conexão ao mundo interno pode estar tão bloqueada que deixa de haver consciência das emoções. A raiva, a alegria, a tristeza, a gratidão, são ignoradas e cabem apenas num “estou bem” ou “estou mal”. Essa classificação moral constrange a plenitude de sensações disponíveis, que não são boas nem más; apenas existem e desvanecem e reaparecem; assinalam necessidades, soluções e experiências; revelam a abundância da existência e conferem humanidade à vida.
Se as emoções, pensamentos e desejos forem repetidamente negligenciados acumulam-se numa amargura característica dos estados depressivos, que convidam ao recolhimento, introspeção e retirada das demandas exteriores. A depressão surge então como uma oportunidade de olhar para dentro e trazer à consciência os conteúdos íntimos. É um grito do Eu a clamar atenção e cuidado por não dispor das suas partes interligadas a operar para uma vida plena e significativa. Desse Eu que tudo acolhe e atravessa, desde o nascimento até à última respiração; o Eu único e completo que nos identifica para além dos conceitos racionais, para além do corpo em transformação, para além de todas as emoções e vivências; que permanece sem abandonar nenhuma parte; que se expressa através do corpo e da mente. Perante a desconexão e fragmentação, o Eu pede o resgate espiritual através da depressão, já que ela incapacita de qualquer atuação até que se pare, se escute e se olhe com dedicação para depois se angariar as potencialidades conscientes numa vivência com significados mais amplos.
Sair da depressão não significa ir para a felicidade, mas sim abrir-se à realidade, sem os equívocos de perceção criados por uma mente, corpo e emoções desconectados que perpetuavam o sofrimento. Sair da névoa da depressão pode ser encontrar uma clara tristeza ou dar-se conta duma necessidade de afeto. Sentir e viver as emoções reais, de que forma se manifestam no corpo e que habilidades inteletuais estão disponíveis para atuar, é sair da depressão e entrar na vida. É compreender que se é mais do que estar bem ou mal, fazer bem ou fazer mal. Que é estar alegre, estar triste, sentir raiva e abandono, sentir euforia e gratidão, que é falhar e acertar, conquistar e perder. Que se é tudo isso. E aí, num Eu presente, pleno e permeável, com acesso às dimensões físicas, racionais e emocionais, pode haver interação produtiva com a realidade e com tudo o que se apresente. Aí reside a plenitude da vida, onde a tristeza, a dor, as perdas e a culpa também fazem parte mas deixam de precisar da depressão para serem reconhecidas.
A depressão pode ser o cartão de embarque numa viagem espiritual de onde não se regressa igual. E como o infinito do universo cabe em cada um de nós, a aventura da descoberta pode estar sempre presente, sem estagnação!
TERAPEUTA TRANSPESSOAL
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in REVISTA PROGREDIR | JANEIRO 2019
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