in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2020
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Um estudo de 2018 conduzido por RogerBeaty, pós-doutorado em psicologia e investigador da Universidade de Harvard, concluiu através do recurso a ressonâncias magnéticas que há áreas específicas do cérebro a intervir no processo criativo. No entanto, dentro destas áreas há três redes neurológicas mais específicas que têm um papel decisivo no que toca à criatividade.
Envolvida na memória e na simulação mental está a Rede Padrão, logo esta parece ser a responsável em momentos de divagação, de imaginação e do pensamento espontâneo. A Rede de Saliência é a que escolhe a informação importante de todas as que surgiram da Rede Padrão e, por fim, temos a Rede do Controlo Executivo que tem como principal função ajudar a pessoa a concentrar-se nas ideias que são válidas e úteis, ao mesmo tempo que põe de lado as ideias que não funcionam. O que se passa habitualmente é que estas áreas não trabalham em conjunto e o que o estudo revelou é que as pessoas detentoras de mais criatividade são capazes de ativar simultaneamente estas três redes e pô-las a funcionar em sintonia.
Nada indica nos estudos que não se possa treinar a criatividade e muito menos que é um caso de se ter ou não esta capacidade. Enquanto se espera que a ciência avance com respostas, a urgência prende-se mais com a necessidade de ressuscitar a capacidade criativa das crianças e dos adultos.
A das crianças, até uma certa fase, parece ilimitada. Criam mundos alternativos fascinantes pautados pela originalidade e pelo poder metafórico, porque ainda têm tempo, espaço e liberdade. Para além disso não têm, ou não deviam ter, ninguém a julgá-las ou a criticá-las, muito pelo contrário. Os reforços positivos feitos a um desenho ou a uma história apenas incentivam a criança a querer criar mais. Porque se perde então esta predisposição para criar ao longo dos tempos? Porque se vai desvanecendo esta capacidade?
Até há bem poucos anos, o nosso tipo de ensino centrava-se na transmissão de matérias e conteúdos e esperava do aluno uma boa capacidade de memória e de análise. Não havia grande espaço para o espírito crítico, para a intervenção prática ou para a originalidade. As matérias eram empurradas para os alunos de forma unilateral e depois avaliadas em exame e sujeitas a rankings. O poder criativo da criança, mais tarde adolescente e jovem adulto, vai sendo sufocado ao longo deste processo educativo e começa logo desde uma tenra idade, quando a sobrecarga de atividades a faz perder o seu precioso tempo para se entregar à fantasia.
Nos dias de hoje, começa finalmente a sentir-se uma abertura face aos programas e à abordagem de ensino. Passou a dar-se mais atenção a estudos como o do psicólogo cognitivo americano Howard Gardner. O investigador quis contradizer as normas que definem a existência de uma inteligência única e o facto de esta ser aferida através do êxito escolar. Esta visão redutora é a que sufoca o poder criativo de uma criança e o seu desenvolvimento nesta área, pois a verdade é que mesmo que um aluno esteja predisposto para certas capacidades e desenvolvê-las, a escola está a obrigá-lo a receber e a trabalhar outras. Quando em 1983 apresentou no livro Frames of Mind a teoria das inteligências múltiplas, Gardner mostrou ao mundo a possibilidade da existência de outras capacidades cognitivas no desenvolvimento de qualquer criança. Assumiu, assim, que a inteligência científica e académica não devem definir o QI de uma pessoa porque esta pode ter outro tipo de inteligências igualmente relevantes. Assim, o nadador americano Michael Phelps, que quebrou mais de trinta e cinco recordes mundiais, é detentor de uma inteligência corporal-sinestésica que os prémios Nobel da ciência, muito provavelmente, não têm.
Neste mundo em constante mudança e com as novas gerações a absorverem estas transições de forma quase simbiótica, os currículos começaram a sentir-se caducos, estanques e redutores. Os estímulos exteriores a que os jovens são sujeitos nos dias de hoje são muito superiores aos que as escolas apresentam, são rápidos, exigentes, transitórios e prenhes de informação que deve ser filtrada e selecionada com mestria, por isso é urgente mudar ainda mais os conteúdos e metodologias escolares para que os jovens saibam fazer esta seleção de forma crítica, sensata e criativa.
É imperativo manter o processo criativo pela vida fora. Na vida de um adulto, se não fizer parte da área profissional, o conceito nem sequer é visitado. Até a leitura, catalisadora da criatividade e da imaginação foi, em grande parte, substituída pelo abuso do telemóvel. Neste mundo atual, a dispersão e a pressa excessiva são cada vez menos estimulantes e são inimigas de um tempo e de um espaço que podem dar lugar à possibilidade de se criar. A saturação a que se chega e a frustração constante em que se vive devem-se muitas vezes ao cansaço de uma rotina sem novidade, sem estímulos, sem nada de novo. E aqui está, nada de novo. Esta perceção às vezes chega a ser violenta e mina a nossa estabilidade emocional.
O ser criativo, o envolver-se no processo criativo, o poder de criar algo através de si e por si, com cabeça, ação e coração deviam ser uma constante. O momento em que se faz algo nascer dá-nos uma imersão num espaço confortável, lento e prazenteiro que é o oposto da vida que levamos. É preciso tempo de qualidade para fazer crescer, produzir e imaginar e talvez, assim, desta forma, muitas mais pessoas consigam ativar em sintonia e harmoniosa interação as três redes neurológicas intervenientes em todo o processo criativo.
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