A atenção plena permite-nos então compreender os nossos padrões de pensamento negativos antes destes se projetarem como uma espiral negativa, progressivamente nefasta para a nossa saúde psicossomática (equilíbrio mente-corpo).
Os padrões de pensamento são muitas vezes vividos como se fossem o único espelho de nós mesmos, uma realidade inquestionável, um mito pessoal, constituído pelas crenças que construímos ao longo da nossa história de vida sobre nós próprios.
O ser humano tende a acreditar de uma forma mais ou menos inquestionável no seu próprio pensamento, mas importa compreender que não somos o que pensamos.
Por vezes, estamos tão focados nos pensamentos negativos que não damos conta do impacto desfavorável que estes têm na nossa vida, no estado de “cegueira” mental em que nos mantêm e no quanto estes podem constituir um obstáculo na realização das nossas potencialidades e objetivos de vida.
Quantos de nós não damos conta de nos encontrarmos presos ao passado, ruminando em experiências já vividas, culpabilizando-nos do que não fizemos, esquecendo e desvalorizando as metas que alcançámos?! Ou, fixos em inquietações antecipadas? Numa espécie de vaivém, que nos faz oscilar entre passado e futuro, quase anulando o presente!
Quando o pensamento está preenchido por boas memórias, motivação, expetativa, seguir o pensamento poderá tornar-se em algo construtivo, no entanto, quando o pensamento encontra-se dominado por medos, angústias, ansiedade e conflitos internos demasiado inquietantes e invasores, e tendemos a aceitar as nossas fantasias como a única versão da realidade, quase ou sem questionamento, o potencial para a ação e realização poderá ficar suspenso no espaço e no tempo, bloqueado ou cercado de insegurança.
Atenção plena ou consciência plena reenvia também para um método de treino mental, comumente conhecido e traduzido por Mindfulness, que se baseia em técnicas de meditação, que se podem desenvolver, quer de forma informal, quer de forma formal.
A prática de Mindfulness centra-se na autorregulação da atenção para a experiência presente, mantendo-se uma atitude de abertura, aceitação, tolerância e curiosidade face aos fenómenos que caraterizam a mente consciente, a sua ação e o corpo.
O conceito de atenção plena (meditação) remonta à tradição Budista Religiosa, tendo evoluído para uma perspetiva médico-psicoterapêutica já pelo menos desde o séc. VIII, mas somente no séc. XX, concretamente nos anos 60, esta ganhou força e divulgação novamente.
Nos últimos anos, muitos autores e investigadores têm procurado um referencial teórico-científico sólido para a meditação, destacando-se o trabalho do médico americano Jon Kabat-Zinn (fundador e diretor da “Clínica de Redução de Stress” e do “Centro de Atenção Plena”, da Universidade de Massachusetts), possibilitando assim a aplicação terapêutica da meditação a um público mais diversificado e vasto.
Com a aplicação terapêutica da meditação, inicialmente verificaram-se resultados satisfatórios em casos de dor crónica, sintomas ansiosos, depressivos e comportamento suicida recorrente, sendo que atualmente a aplicação da meditação se estendeu à generalidade dos quadros clínicos, desde fobias, bulimia, adição às drogas até à esquizofrenia.
Alguns autores da linha do modelo de Terapia Cognitivo-Comportamental, com destaque para Mark Williams (professor de psicologia em Oxford), com a evidência das vantagens da meditação na mente, criaram a Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness (MBCT), a qual procura, entre vários aspetos de intervenção, que as pessoas em estados depressivos profundos (como depressão major) tomem consciência, aceitem os seus pensamentos e sentimentos como algo que faz parte da experiência do ser humano, aprendendo através da observação aberta, a serem mais recetivos e menos reativos aos mesmos.
Desse modo, pretende-se interromper os processos automáticos que envolvem culpa, julgamento, questionamento, ruminação e que mantêm as pessoas vulneráveis a novos episódios depressivos.
Atualmente, para além da Terapia Cognitiva, são cada vez mais os modelos da psicologia clínica que aplicam as técnicas de Mundfullness numa lógica integrativa e como um complemento à autocompreensão pelo paciente.
Para além da aplicabilidade clínica da meditação, esta está ao alcance de todos nós no dia-a-dia, seja durante uma refeição, no trabalho, ou nos transportes públicos, através do foco nas atividades exercidas a cada momento e da respiração consciente.
O processo de respiração permite-nos focar no aqui e agora, constituindo uma âncora para a atenção.
Fica a proposta de nos focarmos no momento presente através da atenção plena/Mindfulness, procurando aceitarmo-nos tal como somos, não para perpetuar padrões disfuncionais de ser e atuar, mas para nos compreendermos em profundidade e mudar formas de pensar e agir.
PSICÓLOGA CLÍNICA E DA SAÚDE
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in REVISTA PROGREDIR | MAIO 2018
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