Por Susana Milheiro Silva
in REVISTA PROGREDIR | ABRIL 2021
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Comecemos por imaginar o momento atual. Vivemos em isolamento social, a grande maioria em teletrabalho, a viver 24 horas sob a mesma realidade. Como seria de esperar o stress aumenta na mesma medida que a paciência e a tolerância diminuem. Não temos escapatória. Esta é a nossa realidade. Agora imaginemos o seguinte cenário: um casal, com ou sem filhos (para o caso isso não é relevante) em desarmonia. Sem ligação coabitam sem se relacionarem. Estão em rutura. Ainda sem o expressarem, já pensam em separação.
Num processo de conflito emocional que levará a uma rutura é saudável que passemos por várias etapas (do impacto do choque, passando pela negação, pela tristeza profunda, a culpa, a raiva e por último a aceitação). Aqui chegados surgem pelo menos dois caminhos diferentes: a morte da relação a dois e um, novo começo a sós (separação) ou o finalizar da relação como a conhecemos e um novo começo em conjunto.
Quando a separação é a via escolhida o caminho é solitário.
Como ilustração sugerimos que o leitor escute com atenção a música de Ivan Lins e Vítor Martins, cantada por Simone, com a seguinte letra:
“Começar de novo e contar comigo/Vai valer a pena ter amanhecido/Ter-me rebelado/Ter-me debatido/Ter-me machucado/Ter sobrevivido/Ter virado a mesa/Ter-me conhecido/Ter virado o barco/Ter-me socorrido/Começar de novo e contar comigo/Vai valer a pena ter amanhecido/Sem as tuas garras, sempre tão seguras/Sem o teu fantasma/Sem tua loucura/Sem tuas esporas/ Sem o teu domínio/Sem tuas esporas/Sem o teu fascínio/Começar de novo e contar comigo/Vai valer a pena ter amanhecido/Sem as tuas garras, sempre tão seguras/Sem o teu fantasma/Sem tua loucura/Sem tuas esporas/Sem o teu domínio/Sem tuas esporas/Sem o teu fascínio/Começar de novo e contar comigo/Vai valer a pena já ter te esquecido/Começar de novo”.
A maioria identifica algum momento na Vida no qual ressoam estas palavras. Neste cenário vivemos em dor. Começar de novo exige que nos conectemos com uma força visceral, de sobrevivência. Que nos conectemos com o arquétipo da Fénix — que simbolicamente representa a transformação e renascimento após uma grande ferida/dor — o renascer das cinzas. Para muitos (pelas suas características e padrões individuais) esta é a via de eleição. Mas terá que ser assim de novo? Será que o momento não pedirá um novo começo? Quando nos observamos e reconhecemos padrões/repetições de comportamento, possibilitamos um novo resultado. Se mantemos o padrão, é provável obtermos a mesma resposta.
Numa segunda perspetiva, o cenário é outro. Estamos em crise, não há dúvida, mas perante as nossas características ou, após reflexão, decidimos dar a nós mesmos uma resposta diferente, a via é o renascimento a dois. Em conjunto, mergulhamos na dor, olhamos para a ferida, e renascemos. Claro que o empenho é também individual como na primeira perspetiva, mas aqui estamos em conjunto, orientados para o mesmo. Este comportamento exige outro tipo de força, de energia. Pode ser que o nosso foco esteja menos na ação e mais na cooperação, na criação de pontes, no aumento da nossa tolerância, da paciência, de cuidarmos das nossas necessidades mas também das necessidades de uma terceira “entidade” que é a relação com o outro.
Começar de novo pode ser ficar. Permanecer. Acolher. Por vezes este comportamento é feito em exclusivo por um dos elementos do casal. É comum que seja assim. Havendo uma rutura, é difícil ao casal estar em sintonia quanto àquilo que querem e dão à relação. O importante não é se os dois manifestam a vontade de prosseguir de mãos dadas, mas se encontram caminho e sentido em conjunto. E, o mais importante, se existe Amor. E se esse Amor tem a chama necessária para novos começos.
À semelhança da via da separação, também aqui é importante tomar consciência se nos estaremos a iludir face ao que realmente queremos. Estará o caminho que escolhemos assente na realidade ou será um padrão de comportamento de fuga a uma verdadeira transformação?
A maioria concordará que é nas relações significativas que nos expomos mais e onde encontramos os nossos maiores desafios. Talvez sejam os relacionamentos a grande via para a transformação e a possibilidade de nos tornarmos seres humanos mais completos e inteiros. Não por precisarmos de mais alguém para além de nós mesmos, porque na relação com o outro criamos a possibilidade de nos respeitarmos, nos escolhermos, de nos amarmos. O outro é a via para nós mesmos, possibilita-nos novos começos internos e externos.
Qualquer que seja o caminho escolhido o mais importante é pararmos para nos observarmos, para nos ouvirmos e reconhecermos que o momento pede um novo começo.
PSICOTERAPEUTA, VIA® | APRENDIZAGEM INTEGRATIVA DA VIDA, ESPECIALISTA EM ACONSELHAMENTO BIOGRÁFICO ANTROPOSÓFICO, CONSULTORA
MINDFULNESS PELA EEDT
www.susanamilheirosilva.com
in REVISTA PROGREDIR | ABRIL 2021
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