Por Rita Macedo Oliveira
in REVISTA PROGREDIR | JUNHO 2018
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Um exemplo disso é o facto de, ao longo do crescimento de uma criança, os pais dizerem frases do género “Mentir é feio, não se deve mentir” e, contudo, mentir é das primeiras defesas que qualquer ser humano adquire, de uma forma quase instintiva, para se proteger de algum estímulo mais difícil, incluindo os próprios pais. Sabemos que mentir faz parte da vida, mesmo que sejam só as “mentiras piedosas”. Os pais por vezes, por uma razão ou outra, mentem à frente da sua criança, e mesmo que para eles seja uma mentira sem importância e sem consequências, para o filho foi transmitida uma informação incoerente com o que lhe havia sido ensinado. Tal como este, existem vários exemplos de incoerência e informação paradoxal que, no dizer popular, se traduzem na frase “Bem prega Frei Tomas faz o que ele diz, mas não o que ele faz”.
Existe uma forte ligação entre coerência, crescimento e coragem. Para haver uma, são precisas as outras duas. Uma pessoa, para conseguir ser coerente no que diz e faz, precisa de refletir no que acredita, nas ideias em que se revê e de que tipo de comportamentos é capaz. É necessário, pôr em causa o que aprendemos, numa lógica de autodescoberta, procurar compreender o que foi dito por alguém, quem quer que seja a pessoa, e não aceitar tudo como verdades absolutas reproduzíveis. Quando finalmente encontramos uma ideia em que acreditamos genuinamente, continuamos a precisar de ter a coragem para enfrentar as diferentes situações da vida com essa mesma ideia e a humildade para, caso necessário, a colocarmos de lado quando já não nos parece verdadeira, de forma a evoluirmos. Isto não porá em causa a nossa coerência, esta depende da forma como nos colocamos nesta nossa evolução. Retomando o exemplo atrás, se os mesmos pais disserem “Mentir, traz consequências, positivas e negativas, deves preparar-te para enfrentar ambas, contudo procura sempre não te colocar numa situação em que o tenhas de fazer, visto que é algo que te coloca em causa”, aqui há, potencialmente, uma maior relação entre o ensinado e o que se põe em prática no dia-a-dia, já não é uma informação paradoxal, deixando ainda à criança a capacidade para, ao longo do seu desenvolvimento, discernir o que quer fazer perante esta premissa.
Antigamente, poderia haver alguma rigidez de pensamento e, possivelmente, menos abertura à mudança, mas a “palavra de honra” era a chave das relações, as pessoas preferiam morrer a manchar a sua honra ou fugir de um compromisso difícil. Não tendo a “palavra de honra” menos valor do que a que tinha, hoje, houve uma mudança de paradigma, há uma maior flexibilidade de pensamento, mais informação, mais conhecimento, a vida é mais complexa, há mais ambiguidades. Há também uma maior dificuldade em manter uma posição “imutável”, pensar “fora da caixa”, sem nos preocuparmos de uma forma fóbica se vamos errar perante os outros, principalmente se essa posição for tão diferente que possamos correr o risco de sermos diminuídos. Assim, antes dizer o que fica bem e é aceite por todos, do que ficar sozinho. Algures no tempo, as pessoas ter-se-ão deixado tomar pelo medo de errar de tal forma que perderam a coragem de assumir a diferença, assumir os erros, então o caminho mais fácil será não pensar nas verdades e reproduzir as que ficam bem, as que podem trazer mais valias e nos protegem de situações embaraçosas, um pouco como a mentira que não se deve dizer.
Culturalmente, há uma luta para nos encaixarmos nos estereótipos dos outros, uma procura constante de aprovação, anulamo-nos e moldamo-nos até ficarmos bem na fotografia e já não sobrar nada nosso, nada que nos permita sermos coerentes. O que as pessoas não se apercebem, é que é esse mesmo movimento que as põe em causa e mostra a sua falta de compromisso consigo próprias em se tornar o melhor que conseguem ser de forma genuína, com as suas imperfeições.
Quer a nível pessoal quer ao nível profissional, uma das situações mais desconcertantes é apanharmos os outros numa contradição (sem justificação), e se isso se torna recorrente acabamos por descredibilizar a pessoa perdendo o respeito pelo que ela diz. Pior do que isso, é sermos nós, como pais, filhos, profissionais ou em qualquer papel que desempenhamos, a cairmos constantemente em contradição.
Nas várias áreas da nossa vida, mais grave do que cometermos um erro honesto ou até acreditarmos em algo e mudar de opinião, é apregoarmos algo que não acreditamos, pormos em causa os outros que vão contra essa ideia como alguém pior e nós próprios não nos conseguirmos colocar ao nível das nossas próprias palavras. A busca incessante por parecer o que não “se é “, causa grande mau estar, porque nos pomos em causa, diminuindo a nossa autoestima e prejudicando a nossa autocrítica. Ficamos à defesa e à mercê do outro.
Será que defender aquilo em que se acredita, confiando em nós e na nossa palavra, torna mais fácil sermos coerentes, ouvidos e respeitados, aumentando a nossa disponibilidade para a mudança e para o crescimento?
PSICÓLOGA
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in REVISTA PROGREDIR | JUNHO 2018
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