Por Nelson Lima
in REVISTA PROGREDIR | JANEIRO 2013
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Felizmente, chegados ao fim do livro, ninguém perde e ninguém ganha pois os autores mantêm-se irredutíveis na argumentação e na defesa das suas teses. E os leitores mais inflexíveis também não mudam de campo: os defensores da espiritualidade não alinham com o que o cientista escreve e os materialistas acusam de filosofia barata tudo o que o outro lado expõe.
Poderá ser considerado um disparate este tipo de disputas. Primeiro, porque a espiritualidade não pode ser confundida com religiosidade e crença em Deus, Buda ou qualquer outra divindade (o que gera divisões entre os próprios crentes e os não-crentes) e, segundo, porque a ciência - em especial a reducionista, para quem só aquilo que possa ser demonstrado é que é digno de reconhecimento - não é dona de todo o saber e não deve ser arrogante.
Estamos pois perante duas culturas e visões do mundo aparentemente opostas: a dos cientistas e a dos humanistas. Cada um dos campos pensa que é o único que detém o mapa que o levará à verdade (seja o que isso for) e que o outro sofre de ignorância infantil com uma profunda cegueira associada. Na verdade é uma contenda que nasce nos bancos das escolas onde os alunos se dividem em dois grandes grupos: os que preferem ciências exatas (como a Física, a Matemática, a Biologia, etc.) e os que são adeptos das humanidades (Filosofia, Artes, Línguas, etc.).
Poderá ser considerado aberrante a posição extrema em que estes opostos se colocam para esgrimir as suas convicções. E são esses extremos que têm dificultado a convergência e o entendimento entre a ciência e a espiritualidade.
O radicalismo de uma certa ciência torna-se reducionista e impenetrável, mesmo que a sua metodologia de trabalho seja responsável por um número incontável de descobertas. A racionalidade e o ceticismo são as suas maiores virtudes pois em ciência tem de se trabalhar com certezas. O seu ponto fraco, porém, é a negação de tudo aquilo que, não podendo ser provado, não merece o mínimo da sua atenção e interesse, o que me parece uma atitude anticientífica. A ciência parece, por vezes, não se dar conta que tem confirmado com frequência realidades que antes negava acerrimamente.
Algo de semelhante se passa com os seguidores acérrimos da espiritualidade, em especial aqueles que, chegando a negar a importância da ciência e acusando-a de ser ateísta e materialista, desvirtuam o significado daquilo que professam quando metem a religião, Deus, Buda, astrologia, xamanismo, crendices, rituais "new age" e o esotérico no mesmo saco, descredibilizando o verdadeiro sentido da espiritualidade.
Num livro mais recente, "Ciência e Espiritualidade", coordenado por Ervin Laszlo e Kingsley L. Dennis, nota-se já uma tentativa de reconciliação, se bem que, para os cientistas mais reducionistas, a presença, na obra, de alguns dos seus colegas como Amit Goswami (professor emérito no Departamento de Física da Universidade do Oregon, nos Estados Unidos) e Ede Frecska, do Instituto Nacional de Psiquiatria e Neurologia, na Hungria) lhes tenha causado algum desconforto. Alguns prestigiados académicos chegaram ao ponto de os acusarem de pseudocientistas só porque defendem ideias como "o abismo entre ciência e espiritualidade não é necessariamente intransponível" ou que as novas ciências reconhecem que as descobertas da espiritualidade "possuem uma base real no universo físico".
É evidente que novos desenvolvimentos da espiritualidade, garantindo-lhe mais maturidade, também estão a permitir reconhecer que a ciência não é demoníaca, que uma visão pragmática e racional não é incompatível com a filosofia e a humanidade que servem de suporte ao nosso entendimento acerca do mundo, do qual fazemos parte.
Já há alguns anos, os psicólogos Danah Zohar e Ian Marshall, no livro "Inteligência Espiritual" defendiam que a espiritualidade e a ciência não eram matérias incompatíveis mas, sim, perfeitamente convergentes. Escreveram então que os "seres humanos são essencialmente criaturas espirituais porque somos levados pela necessidade de fazer perguntas fundamentais ou essenciais do género "porque nasci?" ou “qual o sentido da minha vida?" Num esforço compreensível de nos sentirmos envolvidos num contexto maior que é a Vida, a Natureza e o Cosmos. Defenderam também que a espiritualidade é criativa e que nos aponta o caminho da solidariedade, da paz, da compaixão e que até nos permite atuar com maior discernimento e lucidez na vida, não negando pois a importância do sentido crítico e do pensamento racional.
O problema da relação ciência/espiritualidade é semelhante ao do corpo/mente. Ciência e espiritualidade, juntas e dialogantes, sem fundamentalismos, poderão contribuir para um mundo melhor, menos mecanizado e frio e mais humanizado e harmonioso. Da mesma, forma a dualidade corpo/mente não faz sentido porque o psíquico é gerado pelo sistema nervoso e banha todo o organismo, permitindo-nos aceder à autoconsciência, aos diferentes tipos de pensamento, às sensações, às emoções, aos sentimentos e à curiosidade (incluindo a científica).
Sábias palavras proferiu Dalai Lama quando declarou que "precisamos de uma visão do mundo assente na ciência que não negue a natureza humana e a validade dos modos de conhecimento não científicos".
Se a ciência ainda tem muito mundo desconhecido para descobrir será bom que se abstenha de ridicularizar e chamar de ignorantes a quem, teórica ou filosoficamente, apresente ideias e crenças que possam parecer pseudocientíficas. Os cientistas mais radicais devem ter uma mente aberta e não fechada nem rígida (o que será mau para a própria ciência que defendem).
Da mesma forma, a espiritualidade pode ainda esperar muito dos contributos da boa ciência para melhor entender o mundo do qual tem, por vezes, conceções bizarras baseadas em mitos e crendices que hoje já não fazem qualquer sentido. Apelidar os cientistas de materialistas básicos só porque são exigentes na sua forma de verificar a realidade ou porque muitos são ateus, descrendo das teorias que colocam Deus como o criador e administrador de tudo, é também sinal de arrogância e de falta de humildade (o que contradiz a filosofia que está por detrás do autêntico espiritualismo).
Finalmente, convém separar as águas dentro do espiritualismo pois é aí que reside um dos seus pontos fracos e de grande descrédito: a confusão entre espiritualismo e religiosidade, e a profusão de atividades esotéricas e crendices, absolutamente desprovidas de realismo e sensatez, que se aproveitam da ignorância das pessoas para lucrativos negócios (onde se destacam os vendilhões de promessas e os falsos visionários).
Bibliografia:
Chopra,D. e Mlodinow,L., "Guerra entre Dois Mundos", Ed. Estrela Polar, Alfragide, 2012.
Laszlo,E. e Dennis, K.L., "Ciência e Espiritualidade", Ed. Sinais de Fogo, Lisboa, 2012.
Zohar, D. e Marshall,I. "Inteligência Espiritual", Ed. Sinais de Fogo, Lisboa, 2000.
Presidente Executivo (CEO) do EUROPEAN INTELLIGENCE INSTITUTE
Marca registada internacional que aglutina o Grupo Instituto da Inteligência em Portugal, Brasil, Colômbia e também em outros países através de delegações (Inglaterra, Angola, Venezuela, Equador, Peru, Chile e Argentina).
Diretor Geral e Coordenador Nacional do GrupoINSTITUTO DA INTELIGÊNCIA PORTUGAL
Diretor na Europa do CINEAC Centro de Inovação Educacional Augusto Cury (Brasil)
Professor de Neurociência, Coordenador e Orientador na Universidade do Futuro (Brasil)
Diretor da Divisão de Investigação da EURADEC (Associação Europeia para o Desenvolvimento da Educação e da Cidadania, ALEMANHA) e da WEA - World Education Association for Sustainable Development and Global Citizenship, SUIÇA)
Representante da ZIGMA CONSULTING (América Latina), em Portugal.
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