in REVISTA PROGREDIR | JUNHO 2024
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A teoria da vinculação (de John Bowlby) é uma abordagem psicológica que explora como os padrões de apego vivenciados na infância influenciam a forma como as pessoas se relacionam ao longo das suas vidas. De acordo com a teoria, as experiências precoces de apego com os cuidadores principais (geralmente os pais) moldam o desenvolvimento emocional e social das pessoas, influenciando a forma como se relacionam com os outros, como lidam com a intimidade e como resolvem conflitos interpessoais.
Quando nascemos, só 30% do nosso cérebro e do nosso sistema nervoso está desenvolvido, pelo que resulta óbvio que é através da relação com outros que conseguimos sobreviver.
Existem muitas necessidades psicológicas que precisam de ser atendidas para um bom desenvolvimento humano. Segundo o Dr. Gabor Maté, médico húngaro-canadense, especialista em trauma, há duas necessidades básicas que moldam a forma como nos relacionamos com os outros: a necessidade de autenticidade e a necessidade de ligação. Enquanto crescemos e desenvolvemos vínculos (com os nossos principais cuidadores, educadores, professores, amigos), somos “forçados” a fazer uma escolha que pode estar na origem da nossa dificuldade em sermos verdadeiros. Uma escolha que cria altos níveis de insegurança, que pode despertar medo e vergonha (tudo aquilo que não desejamos para uma relação saudável).
Para maior compreensão, partilho duas histórias em modo de exemplo:
» Uma criança de 6 anos come um chocolate. Quando a mãe pergunta se ela comeu, a criança responde com a verdade: “Sim mãe”. Preocupada com a alimentação saudável, a mãe diz: “Fico muito zangada contigo, assim não gosto de ti”. Repara na proposta condicional da frase, que se pode traduzir assim: se não comeres chocolate, eu gosto de ti.
O que acontecerá da próxima vez que a criança comer um chocolate? Provavelmente irá mentir para manter o vínculo com a mãe e evitar que ela não goste de si. No fundo, com a melhor das intenções, a mãe está a forçar a escolha: para preservar o vínculo comigo (necessidade de ligação), tu não podes ser tu (necessidade de autenticidade).
» Um jovem está interessado numa profissão que não é do agrado dos seus pais. Caso ele escolha essa profissão, sabe que os pais ficarão desiludidos. O jovem, apesar do descontentamento dos seus pais, avança com a sua decisão. No fundo, decide ser ele próprio, mesmo que isso coloque em risco a qualidade do vínculo com os seus pais. Os pais, com a melhor das intenções, estão a forçar a escolha: para preservar o vínculo conosco e manter o reconhecimento (necessidade de ligação), precisas de abdicar da tua escolha (necessidade de autenticidade).
Portanto, é muito frequente que em diferentes contextos relacionais estejamos a ser “obrigados” a escolher entre sermos nós (verdadeiros) e manter vínculos (ligação).
Observa as seguintes frases:
- Ficas muito feio quando choras, assim não gosto de ti.
- Como foste escolher isso? Que desilusão!
- Foste tu quem riscou a parede? Diz-me a verdade ou ficas sem telemóvel!
Como te sentiste ao ler estas frases? Consegues observar o conflito interno que se cria, fruto dessa escolha forçosa?
A verdade, segundo a filosofia, pode ser definida como “ausência de contradição”. A palavra contradição é um bom termo para representar o conflito interno que se cria quando crescemos a acreditar que, para manter vínculos, precisamos de esconder partes de nós. O que coloca o ato de mentir como uma estratégia para manter a segurança, a pertença, o amor e o reconhecimento do outro.
Que bom seria se pudéssemos encontrar relações onde há espaço para a verdade, para a nossa autenticidade, para sermos amados tal como somos. Dado que não fomos ensinados a prestar atenção ao que sentimos, a identificar o que precisamos e muito menos a comunicar o que é importante para nós. Na tentativa de sermos nós, éramos constantemente julgados e dirigidos para “agradar os outros”, faz sentido pensar em 3 atitudes a cultivar nos nossos relacionamentos:
1. Curiosidade: Atenção cuidada e vontade de conhecer mais sobre o outro (ou sobre nós). Quando ganhamos compreensão sobre o que sentimos, valorizamos, precisamos e queremos, aumentamos o nosso bem-estar.
2. Empatia: Capacidade de oferecer espaço ao outro para sentir o que está a sentir, sem necessidade de corrigir, alterar, sugerir, distrair, julgar. Apenas oferecer suporte curioso e bondoso, através da presença plena.
3. Vulnerabilidade: A força interna que nos permite expor quem somos e sermos vistos, mesmo quando não temos controlo sobre o resultado. A vulnerabilidade é uma emoção, um valor e, também, uma intenção. A intenção de vivenciar mais vezes estados de honestidade emocional.
Será importante lembrar que, enquanto a ciência nos diz que na base das nossas necessidades encontram-se a ligação (pertencer, ser visto) e a autenticidade (ser aceite como somos), a sociedade diz-nos que, para pertencer, para ser digno de amor e ser aceite, precisamos de suprimir, alterar e esconder partes de nós. Daí que, encontrar espaços seguros e relacionais em que estejam presentes a empatia, o não julgamento, a curiosidade pelo outro e a vulnerabilidade seja, sem dúvida, fundamental para a vivência de uma vida mais inteira, saudável e feliz.
COACH, PALESTRANTE, AUTORA E MENTORA, ESPECIALIZADA EM LUTO, PARENTALIDADE CONSCIENTE E COACHING PROFISSIONAL
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