
in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2016
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Há tempos em que, assim, é mais simples. Criámos as bases para o presente e vamos vivendo delas, num piloto automático pensado por nós. São essas as bases que nos transformam enquanto profissionais, enquanto mães, enquanto seres multitasking que gerem tarefas como uma boa app.
É fácil esquecer a mão que criou o automatismo. Pior, é fácil não perceber que a esquecemos.
Deitamos fora o papel, porque achamos que decorámos todas as palavras. E, à medida que avançamos no bloco de notas, o ajuntamento de letras vai-se dissipando na memória. Vamos desejar não o ter deitado fora. Vamos tentar recuperar mnemónicas feitas quando riscámos a carvão as palavras do que somos.
E depois percebemos que não basta tentar lembrar. Temos que voltar atrás. Temos que ir à procura desse papel. E nunca ninguém nos diz o quanto custa um reencontro connosco.
Custa. Nem sempre estamos prontas para essa reconciliação. Nem sempre estamos prontas para reconhecer a verdade do que somos, ou do que nos tornámos.
Queríamos ser melhores mães, queríamos ter mais tempo. Era bom ter mais sorte, era bom ter seguido outro caminho. E se tivesse feito aquela viagem? E se não tivesse sido inflexível naquela outra circunstância? Se não tivesse perdido a calma? Se tivesse tido a coragem para dizer tudo o que sentia??? Se. Seria eu, eu agora? Lembrar-me-ia melhor do que tinha escrito em mim?
Talvez não, mas são as interrogações que tornam difícil esta reconciliação que tantas vezes adiamos.
Reclamar o que somos agora dá trabalho. Mas é feito com sentido e com sentimento. Sentido, porque a verdade dá-nos significado. Sentimento, porque... Sentimento porque somos mulheres. Somos humanos. Haverá outra forma racional de fazer as coisas?
Fazer as pazes é importante. Com os outros, porque nos traz paz. Connosco, porque nos fortalece. Parar, perceber, aceitar. Que somos assim, que podemos sempre mudar e que a folha de papel será mais leve no futuro.
Que em cima de nós não carregamos o peso do mundo, as inseguranças e as expetativas surreais. Ser mulher não é fácil. Os homens que nos perdoem pela generalização, mas o mundo dá-nos sempre frases a mais.
Julgamo-nos vezes demais. Julgamos os outros porque nos revemos neles. Porque não nos queremos rever. Que erro. Isso é como riscar palavras que achamos que não interessam num livro que não é escrito por nós. Que ousadia! Que audácia! Que erro.
Parar, perceber, aceitar. Que cada folha de papel é diferente e que temos de nos preocupar apenas com a nossa. Temos que saber acordar sem mais nada, sem filtros.
“Hoje, sim, apesar de me ter levantado como mãe duas vezes de madrugada, acordei comigo. E foi bom. Percebi que a minha folha tem menos linhas. Tem menos palavras para eu enfrentar e aceitar como minhas.
Talvez um dia tenha apenas uma linha. Aquela que me define e que me tira o peso de ser mais do que sou. Ou mais do que alguém.
Sou, e pronto.”

LOCUTORA E PRODUTORA RÁDIO
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in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2016
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