Por Domingos Amaral
in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2013
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Na origem da justificação para qualquer política de austeridade nacional está o suposto mau comportamento do seu governo e do seu povo durante muitos anos. Ou seja, é-nos dito que “vivemos acima das nossas possibilidades”, e por isso acumulámos muita dívida, seja ela privada – das pessoas, das famílias, das empresas – seja ela pública. Esse acumular de dívidas, que foi feito ao longo dos anos, atinge a partir de certa altura um limite insustentável, que já não é suportável, e portanto torna-se necessário praticar políticas de austeridade, para que todos se endividem menos.
Porém, há algumas falácias nesse raciocínio, sendo que a primeira é que a definição de “viver acima das possibilidades”. Na verdade, quando no passado contraíram dívidas, pessoas e empresas e até o Estado, não estavam a viver acima das suas possibilidades, mas sim a serem racionais. Quando a taxa de juro é baixa, e há muito crédito disponível, é racional contrair dívida, e não faz sentido dizer que isso é “viver acima das possibilidades”. A verdade é que as pessoas, as empresas e o Estado estão apenas a aproveitar a situação económica favorável para viverem e crescerem melhor. Se contraem dívidas, não é porque sejam irresponsáveis, mas porque as condições económicas são tão favoráveis que não faz sentido não pedir dinheiro emprestado.
Foi isso que se passou com Portugal. A entrada do país na moeda única – euro – permitiu que todos tivessem acesso a muito crédito e a crédito barato. Isso não foi culpa das pessoas, mas sim do ambiente económico que o euro criou para elas. Vir, dez anos mais tarde, dizer que as pessoas viveram “acima das suas possibilidades” é esquecer que não foram elas que criaram essas oportunidades, mas sim a Europa e a entrada no euro.
Mas, o principal problema, a maldade intrínseca das políticas de austeridade, é que elas atingem e castigam todos, mesmo aqueles que não se endividaram em demasia. A austeridade profunda e prolongada que se pratica em Portugal atualmente, atinge as empresas, que começam a ter de despedir pessoas, e muitas das que vão parar ao desemprego nem sequer tinham grandes dívidas. Ou seja, mesmo quando não contribuíram para a dívida excessiva, as pessoas pagam um elevado preço pela austeridade.
Por fim, a austeridade é má porque é muitas vezes quase inútil. É apenas uma cura drástica de emagrecimento, uma dieta brusca, que provoca recessão e desemprego, mas não altera nem o comportamento dos consumidores, nem o modelo económico que o país tem. Em vez de ser uma dieta moderada mas inteligente, que tenta alterar o comportamento para o futuro, é apenas um violento emagrecimento, mas quando acabar toda a gente se vai comportar da mesma forma que se comportou no passado e voltar a “comer” da mesma maneira.
Há ainda, e no caso específico português, contradições preocupantes dentro da própria política de austeridade. Nós ouvimos falar da necessidade de sacrifícios, de aumento de impostos para pagar a despesa do Estado, e da urgência em cortar 4 mil milhões de euros em despesas sociais – salários, pensões, despedimento de funcionários públicos, diminuição das despesas em educação e saúde – e ao mesmo tempo, o mesmo sistema político que nos tenta convencer da necessidade imperiosa destes “cortes” entrega ao sistema bancário português fundos na ordem dos 14 mil milhões de euros! É impressionante que se diga que é absolutamente indispensável reduzir a despesa do Estado em certas áreas que afetam a população muito, justificando isso com a falta de dinheiro, e ao mesmo tempo se auxilie de uma forma obscena a banca nacional, emprestando-lhe muito mais dinheiro do que aquele que se deseja cortar! Algo está profundamente mal e errado nesta lógica, e é também por isso que as políticas de austeridade perdem legitimidade aos olhos da população portuguesa.
É evidente que, quando um país atinge um nível de dívida demasiado elevado, há comportamentos que têm de ser alterados para o futuro, pois esse nível é insustentável. Porém, não é correto dizer-se que a culpa é apenas do devedor e que os credores é que têm de ser protegidos. Onde há um devedor irresponsável, há também um credor irresponsável, que não devia ter emprestado tanto dinheiro a quem tinha menos capacidades. Assim, quando se torna necessário um “ajustamento”, ele não deve recair apenas sobre os devedores – como é o caso atual de Portugal – mas também sobre os credores, que têm de suportar perdas pelos excessos que também eles cometeram. Se a Europa, e sobretudo a Alemanha, tivesse reconhecido que não se tratava apenas de um problema de mau comportamento dos devedores, o ajustamento português não teria sido tão brutal e tão cego.
O “ajustamento” português foi uma violência, e faria muito mais sentido fazê-lo em dez anos do que em dois ou três. Assim, acabámos numa profunda recessão e sem saída à vista. Ou seja, acabámos com ainda mais dificuldades de pagar dívidas. Se a ideia era ajustarmos para melhor pagar as nossas dívidas, não é certamente com um milhão de pessoas no desemprego que as vamos conseguir pagar.
Frases destaque
O “ajustamento” português foi uma violência, e faria muito mais sentido fazê-lo em dez anos do que em dois ou três.
Onde há um devedor irresponsável, há também um credor irresponsável, que não devia ter emprestado tanto dinheiro a quem tinha menos capacidades.
Mesmo quando não contribuíram para a dívida excessiva, as pessoas pagam um elevado preço pela austeridade.
O mesmo Estado que diz ser necessário cortar 4 mil milhões de euros em despesas sociais, empresta aos bancos mais de 14 mil milhões de euros!