in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2015
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Filósofos de todas as épocas debruçaram-se sobre esta temática, desde a antiguidade até aos nossos dias, sem alcançarem nenhum consenso, e as mais recentes descobertas científicas têm lançado ainda mais achas para esta fogueira que parece ser mesmo platónica, literal e metaforicamente.
Foi Parménides, no século V a.C., o primeiro a negar a verdade dos sentidos, alegando que eles nos oferecem uma imagem falsa de constantes mutações relativamente a coisas que apenas se podem transformar no que já são.
Seguiu-se-lhe Platão, que apresentou pela primeira vez uma teoria complexa. Afirmou que o “mundo dos sentidos” era composto por uma matéria que o tempo consome, o que nos impede de ter um saber seguro sobre aquilo que se transforma, pois apenas podemos ter opiniões incertas ou suposições. Será apenas com a razão, igual em todos os homens, que poderemos alcançar um conhecimento certo, no “mundo das ideias”, inalcançável através dos sentidos.
Mas no século seguinte, Aristóteles contrapôs este raciocínio, postulando que o grau máximo da realidade é aquele que percecionamos ou sentimos com os sentidos. Nada existia na consciência que não tivesse existido primeiro nos sentidos.
No século XIV da nossa era, o humanismo renascentista continua a defender os sentidos, preconizando a alegria de viver e reafirmando a positividade da natureza como uma manifestação de Deus – Panteísmo. A natureza deveria ser investigada com os sentidos, partindo daí o verdadeiro conhecimento. São dessa altura as primeiras grandes descobertas científicas como a de Copérnico, que partindo de observações a olho nu dos astros, concluiu que era a Terra que girava em torno do Sol e não o contrário.
Mas no século XVI Descartes lançava de novo a polémica, afirmando que só a razão nos pode dar um conhecimento seguro. Ele estava convencido de que existia uma divisão rígida entre espírito e matéria e que apenas poderíamos alcançar um conhecimento verdadeiro se depois de recebermos uma impressão a decompuséssemos em tantas partes simples quanto possível, tal e qual como acontece com o método científico. Deveremos por isso desconfiar dos nossos sentidos e duvidar de tudo inicialmente.
Este sistema rigoroso de pensamento seria veementemente contestado pelo empirismo do século XVIII, na pessoa de três grandes filósofos – John Locke, David Hume e George Berkeley. Os empiristas defendiam que todo o saber do mundo provém daquilo que os sentidos nos transmitem e que quando temos uma ideia que não podemos relacionar com dados percecionados, então ela é falsa. Locke postulava que antes de sentirmos qualquer coisa a nossa consciência é como uma “tabula rasa” – ardósia em branco, após o que vemos o mundo à nossa volta, cheiramos, saboreamos, tateamos e ouvimos e surgem então as ideias simples que são depois ordenadas e trabalhadas na consciência através de reflexão, crença e dúvida, transformando-se em ideias reflexivas.
Mas será o mundo real tal e qual como o percecionamos? Segundo Locke, depende de cada um. As coisas possuem qualidades primárias (dimensão, peso, forma, etc.) e secundárias (doçura, amargura, quente, etc) e, se as primeiras são reais e iguais para todos, já as segundas reproduzem o efeito daquelas nos nossos sentidos, variando por isso de pessoa para pessoa. Hume pretendia ir ainda mais longe e regressar à sensibilidade humana original, afirmando que o homem possui impressões – sensações imediatas da realidade exterior, mais fortes e visíveis do que as ideias – recordações posteriores dessas impressões. Assim, são os sentimentos que determinam o que dizemos e fazemos e não a razão. Berkeley acreditava que a única coisa que existe é precisamente o que sentimos, que é a vontade do espírito, exterior à nossa consciência mas de natureza espiritual e não material. Questionava, portanto, se não estaríamos rodeados apenas pela nossa consciência, pondo em dúvida se o tempo e o espaço teriam uma existência absoluta ou autónoma.
Por último, Kant parece ter conseguido reunir estes dois polos de discussão sistematicamente opostos num único sistema, defendendo que tanto os racionalistas como os empiristas tinham razão. A consciência do homem não é uma cera passiva que apenas regista as sensações exteriores, mas uma instância que se exerce criativamente, determinando a nossa conceção do mundo. Podemos não saber com segurança o que o mundo é “em si”, mas apenas como o mundo é “para mim”.
Curiosamente, as mais recentes teorias científicas parecem concordar com muitas destas afirmações mais radicais realizadas pela filosofia ao longo dos séculos. Com efeito, a física quântica tem revelado camadas subjacentes às observáveis a olho nu ou até microscopicamente, que sugerem a existência de uma realidade muito mais complexa. Por exemplo, a visão humana não capta todos os comprimentos de onda disponíveis, como a luz infravermelha ou os raios ultravioleta. A nossa perceção é limitada e o nosso cérebro distorce a realidade por uma série de razões e fatores. Em Genebra o LHC esmaga protões a velocidades próximas da luz, revelando partículas estranhíssimas com comportamentos inusitados, como a capacidade de estarem em dois locais ao mesmo tempo.
É a realidade aquilo que vemos, ou aquilo que vemos é apenas uma de muitas possíveis realidades? Talvez o melhor que possamos fazer é nunca confiar inteiramente nos sentidos, mas submetê-los constantemente ao nosso raciocínio. Poderemos nunca alcançar a verdadeira realidade, mas pelo menos viveremos menos iludidos.
Nota: Para um maior entendimento destes interessantes temas científicos, sugere-se o visionamento do episódio 8 da temporada 4 da série “Through the Wormhole”, intitulado “É a realidade real?”, disponível no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=r1WYISLQ270
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