Por Jessica Tacoen
in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2019
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Esta síndrome multifatorial e multidimensional é causada essencialmente pela vivência de um stress crónico no espaço institucional, o qual provoca grande sofrimento psíquico. Sendo o stress um mecanismo de adaptação às adversidades vividas, perante um ritmo de vida e de trabalho frenético, exigências pessoais, sociais e organizacionais excessivas, o sujeito entra em stress crónico, desorganiza-se, esgota as suas capacidades adaptativas, perde o controlo e esvazia-se. Facilmente confundível com os sintomas da depressão, é primordial ter um olhar atento à expressão do burnout, uma vez que acarreta profundas consequências em todos os setores da vida do sujeito.
O aumento da incidência desta condição clínica parece coexistir com um ritmo de trabalho e de vida cada vez mais acelerado, particularmente no que concerne aos grandes centros urbanos. Vivemos cada vez mais num mundo em que as oportunidades e as exigências abundam, em que o tempo nunca é suficiente. A sociedade encontra-se num ritmo acelerado de mudanças, o que gera um stress e ansiedade crónica. Sendo que o tempo se tornou volátil, tudo é provisório, nada é permanente, gera uma atitude bulímica de devorar o tempo, sem fruir o momento. Sem espaço e sem tempo para as relações, para sermos, acumulamos, fazemos, temos e perdem-se valores e momentos essenciais para o bem-estar pessoal e coletivo. O sujeito acumula papeis, de profissional, pai, mulher/marido, filho e estudante e não consegue cultivar tempo de qualidade para as relações familiares. As novas gerações crescem com carências afetivas, em que o amor próprio não se solidificou o suficiente. Substitui-se a presença por bens materiais, por resultados escolares, por resultados profissionais, carreiras, números, dinheiro e perde-se a verdadeira essência e necessidade do ser relacional que somos, que necessita de preencher-se com afetos e amor.
Estas alterações na vivência do tempo estão vinculadas a alterações na personalidade do sujeito nesta atualidade histórica. Tal reflete-se em pessoas tendencialmente mais inseguras, competitivas, individualistas, obcecadas com o desempenho profissional. A pressão social impõe um alto grau de exigência, em que o indivíduo quer ser o melhor em tudo, de modo a provar a si próprio, aos pais e a sociedade o seu valor. A pressão para sermos perfeitos pode gerar o medo de falhar e leva ao “não fazer”, à inércia, à apatia, à desilusão, à dificuldade ou incapacidade de olhar para seus próprios limites e finitude sem gerar um sentimento de culpabilidade e autodepreciação.
Nesta conjuntura atual, compreende-se que o aumento da incidência do burnout está vinculado à época em que hoje vivemos, ao capitalismo, a relações humanas mais permeadas pela competitividade e utilitarismo, sendo o lucro muitas vezes mais valorizado do que as relações humanas. O colega é muitas vezes visto como um concorrente, o ambiente laboral torna-se paranoide, a desconfiança reina e os colegas tornam-se fonte de insegurança e ansiedade. Traduz-se no individualismo e egoísmo, na deshumanização das relações, que levam o indivíduo a uma alienação, ao encarceramento da vida psíquica e perda de significado existencial.
O posto de trabalho tem um grande impacto na identidade do sujeito, no valor e relevo que este reconhece ter na sociedade, nas suas competências. Através do seu cargo, o sujeito percebe a sua utilidade e inserção na sociedade. Para que o sujeito se sinta valorizado, este procura que o trabalho reflita as expectativas e projetos que tem para si, numa busca de concretização psíquica, de confirmação enquanto sujeito, da sua própria identidade e singularidade.
Neste sentido, vários estudos apontam para uma maior propensão do burnout em sujeitos que criam no início das suas carreiras altas expectativas e projetos profissionais futuros, investem e dedicam-se fortemente ao trabalho, identificam-se e valorizam muito a ocupação profissional, idealizando um futuro para si próprios através da sua profissão. Por vezes, os ideais iniciais almejados pelo sujeito não encontram lugar no mundo organizacional. Observa-se assim um acumular de ilusões, investimentos no trabalho, que ao não serem correspondidos, podem culminar em frustrações, sensação de fracasso do futuro profissional projetado, sentimentos de incompetência e derrota, desmotivação, falta de perspetiva para o futuro e, consequentemente, o predominar duma tristeza e exaustão física e psíquica que se generaliza a todos os setores da vida do indivíduo. A desilusão resulta da distância entre o plano ilusório e o plano da realidade. O profissional sente-se assim consumido pela desesperança, entra num processo de desidealização e descomprometimento e fecha-se sobre si mesmo, perdendo o interesse pelo trabalho e pelo mundo, começando assim o processo de “queimadura interna”.
O trabalho ocupa uma grande parcela do tempo de vida dos indivíduos e do seu convívio em sociedade. Verifica-se uma alta correlação entre baixos níveis de satisfação com o trabalho e problemas psicológicos como burnout, baixa autoestima, depressão e ansiedade, de modo que é essencial estarmos atentos ao bem-estar dos trabalhadores pois dela depende a qualidade da educação e das relações familiares, bem como a produtividade das empresas e a economia do país, em larga escala. Urge assim alocarmos mais recursos para promoção e prevenção da saúde mental no nosso país.
PSICÓLOGA CLÍNICA E PSICOTERAPEUTA EM ESPECIALIZAÇÃO
www.tacoenjessica.wixsite.com/psicologaclinica
in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2019
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