in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2016
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
O Amor, mesmo que apenas considerado na sua acepção metafórica, é um protagonista do acto de criação cosmológica, refletindo a sua luz criadora e determinante sobre todos os actos da criação humana e sobre todo o tecido social e relacional das nossas vidas. Do mesmo modo que une os elementos primordiais (água, ar terra e fogo), assegura a harmonia que gera a vida e mantém o equilíbrio entre os elementos físicos, preservando as dinâmicas orgânicas e a saúde. Tal como os ritmos da música, seja ao som da lira de Apolo ou ao retumbar dos tambores ditirâmbicos, em ciclos contrários e complementares, também o amor nos aproxima e afasta numa teia inextrincável de atitudes e de impulsos opostos. Quotidianamente, é evocado, seja pela sua força ou pela sua falta, pela tranquilidade que nos faz construir e fruir a vida ou, na vivência contrária, pelos padecimentos e desregramentos que inscreve curvamente na linha da vida num perene jogo de alternância, opondo as várias experiências de amor e discórdia, próprias da natureza universal e da condição humana.
E Eis Eros! «O mais belo entre os deuses imortais» [Hesíodo, Teogonia], «com ternos olhos, sob as suas pálpebras escuras e com toda a espécie de encantamentos [Íbico frag.7] filho, por um ato irrefletido, de Pénia, a representação da indigência, e do deus Engenho, símbolo da sabedoria. A natureza do Amor, caraterizada a partir da sua filiação, explica, a partir de uma representação antropomórfica, o caráter geneticamente predestinado da inconstância que nos arrasta a estados alternados entre a ignorância e a sabedoria, o desequilíbrio e a harmonia. Em suma, estamos em face do rosto do Amor, responsável por mediar as oscilações naturais entre a dor e a força que nos imortalizará a partir de atos nobres e da busca pela Beleza, Verdade e Bem com consciência e desprendimento.
Faz parte do caminho humano mergulhar frequentemente na torrente invernal de Eros, o amor na sua forma mais irrefletida e dolorosa que nos precipita em manifestos de loucura, êxtase e de letargia, gerando sentimentos egoístas e de posse, de dependência e discórdia. No entanto, é neste estádio da atração e da união de elementos físicos que o amor se propensia para o mais fundamental ato de criação, a reprodução. Estamos na dimensão física e corpórea da vivência amorosa – No corpo de Eros, amando a beleza física e nos deixando atrair por ela, procriando e identificando-nos com formas de verdade, de bem e de felicidade, igualmente, relativas que, tal como um corpo, envelhecem e morrem, padecendo na sua mutabilidade e contingência irreversíveis. No seguimento deste percurso, numa trajetória ascensional, reconhecemos uma outra forma de amar, mais exigente, pois é menos atreita às ilusões da matéria: a Philia – Na mente de Eros, numa dimensão inteletiva e que se identifica com os princípios de fraternidade e de lealdade, um amor altruísta que busca o conhecimento e se satisfaz na busca conceptual que conduz às noções puras de beleza, verdade e de Bem, é na sua experiência que nasce a philosofia. No vértice desta subida, - No coração de Eros (no centro, mediando as outras duas formas de amor), num nível dimensional contemplativo, encontramos o amor divino, transcendendo a satisfação pelos sentidos ou pela mente, aberto à experiência imediata e intuitiva, no domínio da percepção estética, encontramos o Ágape, a forma de amor incondicional e totalmente livre, onde Beleza, Verdade e Bem se encontram e se fundem com a mais íntegra essência de nós mesmos.
O Amor perpetra toda a existência, é o elemento que subjaz a todas as criações. Cabe ao homem ter consciência dos seus estádios e deixar-se impregnar pela sua força, humanizando-se e tornando-se verdadeiro artífice da sua própria vida em cada momento. Sendo a vida um desafio em progresso, compete-nos escolher entre criar na consumação das labaredas abrasivas, sob a luz da chama moderada ou no alimento contínuo e contemplativo do fumo branco que se evola em espirais de movimentos ascendentes. Todas são experiências de amor!
PROFESSORA
[email protected]
in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2016
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)