Por Sílvia de Jesus Coutinho
in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2015
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Contudo, tantas vezes em consulta, nós psicoterapeutas acompanhamos pacientes que nos revelam sentir uma profunda estranheza em relação a si próprios, de não se sentirem mais eles mesmos, de viver (n)uma mentira, de se sentirem mortos, apáticos, vazios, de viverem uma vida que não lhes faz sentido ou de sentirem que apenas conseguem estabelecer relações meramente superficiais consigo e com os outros.
Perante estas emoções e vivências, construímos uma nova realidade de modo a tentar criar novos sentidos para aquilo que não conseguimos explicar… E tantas, tantas vezes, uma nova realidade plena em fantasmas, distorções, carências, vazios, angústias, que conduzem a um enorme sofrimento psicológico.
Para além deste aspetos, cedo aprendemos a desconsiderar e a não ouvir as nossas emoções, a usar máscaras, perdendo gradualmente a ligação com o nosso Eu interior, ou desaprendendo a estabelecer uma ligação genuína com o nosso referencial interno, com o que realmente sentimos, com o que realmente desejamos. O referencial interno concede-nos identidade ao ser baseado numa atitude de honestidade emocional. Assim, ajuda-nos a melhor compreender e a ler as nossas emoções, a compreender o que é bom para nós, o que nos faz realmente feliz, o que nos dá prazer e o que faz de nós quem realmente somos, possibilitando-nos a ser autênticos!
Mas afinal o que é ser autêntico? Por vezes, verifica-se alguma confusão entre autenticidade, com o ato de se fazer tudo o que se deseja, de falar sem pensar ou sem se preocupar se se estará a prejudicar ou a magoar o outro.
A autenticidade pressupõe de facto escutar as nossas emoções, de ser genuíno, de conseguir atuar de forma congruente com as nossas emoções e verdade interior, articulando-se profundamente com os conceitos de identidade (Ser si mesmo) e de liberdade. Não obstante, a autenticidade não pressupõe uma liberdade que nos é dada, mas sim uma liberdade conquistada, em permanente construção no aqui e no agora e que pressupõe simultaneamente, uma relação com o(s) outro(s) e com a sua intersubjectividade.
É em inter-relação que o ser humano adquire consciência de si, da sua existência, das suas fragilidades, limites e interrogações, mediante os significados e símbolos retirados e concluídos em relação, que contribuem para sua evolução e que permitem ter acesso ao que existe de melhor em si mesmo.
A vida de qualquer ser humano contempla encontros e separações, afetos, uniões, rupturas, perdas e abandonos, que são passíveis de gerar sofrimento e marcar penosamente a sua história de vida. Contudo, é o modo como o ser humano vive cada um desses (des)encontros, que poderá conduzir a uma superação de si próprio e a um crescimento.
Faz parte do desenvolvimento humano, aprender a viver as separações, as decepções e as vicissitudes da vida, tentando abarcar a complexidade e a multiplicidade do seu significado.
Para tal, será fundamental conseguir estabelecer uma ligação honesta com as emoções e os sentires, a sua lógica e as razões, o consciente e o que está para lá daquilo que hoje conheço que existe em mim, de modo a aceder às desarrumações do vivencial.
São diversos os cientistas que nos indicam que as emoções nos ligam ao sentido escondido das coisas, aos pequenos recantos de nós, da nossa sensibilidade, vulnerabilidade, permitindo-nos construir pontes, estabelecer ligações, descentrarmo-nos e aceder assim ao inimaginável, ao que era outrora inexplicável e criar símbolos, significados, aceder ao mais íntimo de nós…e da nossa essência.
É assim, da nossa inteira responsabilidade, mantermo-nos atentos ao modo como nos relacionamos connosco mesmos, com o mundo e com o(s) outro(s)…procurando manter uma coerência interna e respeito por nós próprios, na afirmação da diferenciação do nosso self, assim como na manutenção da sua integridade.
Mudar nunca é fácil. Obedece muitas vezes a um destemido desafio face aos medos e receios mais íntimos, que nos colocam à prova e nos conduz para fora de nós mesmos (fora da nossa zona de conforto), dos nossos esquemas, padrões mentais e lógicas internas com que nos habituámos a reger a nossa vida, numa clara tentativa de controlar o que nos rodeia…Mudar nunca é fácil, mas vale a pena!
Ser autêntico é estar aberto e disponível para toda a possibilidade de vida que nos rodeia. É dinamizá-la, preenchê-la de vitalidade, energia e harmonia a partir da simples existência do quotidiano. É partilhá-la com o outro e com o mundo. É enriquecê-la, é realizar um trabalho complexo de aprofundamento interno e de dar o salto do quantitativo para viver no qualitativo. Ou seja, é viver não no ter, mas sim estar comprometido com o Ser! Talvez o sentido da vida seja aprender a acolhê-la, valorizá-la. Ou como nos explica José Luís Peixoto “…respira, a vida é feita de estar vivo!”.
SÍLVIA DE JESUS COUTINHO PSICÓLOGA E PSICOTERAPEUTA apoiopsicologicoepsicoterapia.wordpress.com [email protected] in REVISTA PROGREDIR | FEVEREIRO 2015 (clique no link acima para ler o artigo na Revista) |