Por Ricardo Baptista Leite
in REVISTA PROGREDIR | JUNHO 2012
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Por outro lado, em muitos países, como a Holanda, onde estas técnicas têm sido parcial ou totalmente cobertas pelas empresas seguradoras, têm surgido críticas em crescendo por alegadamente não existir uma clara demonstração de base científica sobre a sua eficácia clínica.
Importa pois compreender os conceitos subjacentes para permitir uma reflexão séria sobre qual o papel que as medicinas alternativas e outras técnicas complementares podem ter na sociedade, à luz dos conhecimentos mais atualizados.
Por definição, de acordo com o dicionário da Porto Editora, a “medicina é a atividade profissional exercida pelos médicos”, sendo a “arte ou ciência que tem como objetivo prevenir, curar ou atenuar as doenças e promover a saúde”. Segundo os meus autores, a medicina alternativa define-se pelo “conjunto de técnicas terapêuticas (acupunctura, homeopatia, etc.) que utilizam processos diferentes dos que são usados na medicina convencional, procurando atacar as causas das doenças, e não os seus sintomas”.
Como médico, contesto esta segunda definição, uma vez que a medicina convencional (MC), exercida por médicos, tem por base o conhecimento da etiologia – a causa – subjacente à patologia como passo determinante para a escolha da terapêutica mais adequada tendo por vista, quando possível, a cura. Outra questão importante é compreender que toda a atividade médica convencional está assente em estudos científicos que apresentam a evidência que sustenta a eficácia dos seus métodos. Na medicina alternativa e complementar, nem sempre esses estudos existem, sendo que muitas vezes a eficácia das técnicas é assente em crenças e empirismos. Curiosamente, quando analisados os ensaios clínicos que envolvem as técnicas das MA, apesar de existirem em muito menor número, em comparação com as da MC, a qualidade dos métodos, resultados e discussão é equiparável. Isto levanta a ideia de que uma maior aceitação das técnicas complementares pela classe médica e pela população em geral poderá passar por procurar cada vez mais comprovar cientificamente a sua eficácia.
A falta de confiança nas técnicas complementares traduz-se ainda na reserva que os seus utilizadores – os doentes - têm em informar o seu médico convencional de que recorreram a medicinas alternativas, para além do fato de tipicamente o recurso a essas técnicas ser quase sempre secundária ao recurso à MC. Por outro lado, é indiscutível que há patologias e condições clínicas para as quais a medicina convencional não tem respostas adequadas, sendo o recurso à MA uma realidade cada vez mais frequente, como é no caso das doenças crónicas ou oncológicas. Também neste campo, estudos de opinião demonstram que, por regra, os doentes não pedem opinião ao seu médico de família antes de recorrerem às técnicas complementares.
Procurando responder à crescente procura dos utentes de métodos terapêuticos alternativos e de se alcançar eventuais efeitos benéficos cumulativos do recurso simultâneo à MC e MA, alguns países, como os EUA e alguns países europeus, têm investido na formação extensa e aprofundada de médicos em técnicas de MA. A esta nova área de conhecimento da saúde tem-se dado o nome de medicina integrada. Uma das vantagens que esta abordagem acarreta é assegurar que todas as opções terapêuticas são ponderadas em cada momento e que sejam sempre utilizados métodos de investigação científicos e medicina baseada na evidência. Mesmo que o médico não pratique estas técnicas complementares, está demonstrado que ao ter formação em MA, com maior frequência estes médicos recomendam outras terapêuticas fora do âmbito da medicina convencional. É interessante verificar-se ainda que, mesmo entre médicos sem formação específica sobre MA, em contraste com estudos de opinião mais antigos, há hoje maior abertura por parte destes profissionais de saúde para avaliar a eventual utilidade e eficácia destas técnicas.
Porém, a medicina integrada ainda tem que provar a sua eficácia no cumprimento daquele que é o seu principal objetivo, ou seja, de reduzir o hiato entre os métodos alternativos sem sustentabilidade científica, utilizados por muitos doentes crónicos e oncológicos, e a medicina académica convencional, que muitas vezes não responde de forma satisfatória às necessidades emocionais e espirituais destes doentes.
Por fim, importa abordar a questão dos programas formativos das faculdades de medicina que têm sido alvo de críticas severas da parte dos defensores da medicina alternativa e outras técnicas complementares. A verdade é que as academias do conhecimento médico nem sempre têm sido capazes de responder adequadamente a estes desafios, excluindo muitas vezes qualquer abordagem à temática das MA do seu curriculum. Nas universidades onde o ensino da medicina tem sido complementada pela abordagem da medicina alternativa e de outras técnicas complementares, tal tem sido feito na perspetiva de capacitar os futuros médicos com os conhecimentos necessários para melhor compreender estas outras modalidades terapêuticas que os doentes podem eventualmente solicitar. Parece relativamente consensual que uma abordagem das MA nas escolas de medicina convencional pode ser vantajosa, sobretudo se esta abordagem incidir na importância de se fazer uma avaliação crítica destas técnicas complementares, promovendo uma progressiva aposta em estudos científicos que possam sustentar a sua eficácia e utilidade. Talvez assim, um dia, poderemos vir a ter uma sociedade onde as medicinas convencionais e alternativas se complementem, com segurança e eficácia, ficando ao serviço dos doentes.
Médico com formação específica em Infeciologia
Assistente Convidado da Faculdade de Ciências Médicas (Universidade Nova de Lisboa)
Deputado à Assembleia da República
Membro efetivo da Comissão Parlamentar de Saúde
Coordenador do Grupo de Trabalho Parlamentar de Acompanhamento da Problemática VIH/SIDA
Membro do Grupo Parlamentar sobre População e Desenvolvimento
Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Canadá
Deputado à Assembleia Metropolitana de Lisboa
Deputado à Assembleia Municipal de Cascais
REVISTA PROGREDIR | JUNHO 2012