Por António Marim
in REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2013
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A finalidade deste artigo é ajudar os pais a compreenderem as diferentes situações e promover junto das mães, comportamentos assertivos e saudáveis no relacionamento que os filhos devem ter com ambos os progenitores.
A situação de afastamento dos filhos – rapazes – em relação ao pai, começa muitas vezes ainda no âmbito da vida de casal. Todos conhecemos os desentendimentos em matéria escolar, de educação, de estabelecimento de regras, de condescendência versus autoridade, entre outros aspectos que, não raras vezes, a criança ou adolescente se apercebem e exploram a seu favor.
É um exercício, digamos que legítimo, por parte das crianças ou adolescentes que gradualmente querem ganhar espaço de negociação com o pai e com a mãe, processo que faz parte do seu crescimento. Já é um exercício menos legítimo por parte do pai e da mãe que, no essencial e entre si, devem estar de acordo sobre os princípios orientadores a seguir em relação aos filhos, mas também como vão acordar entre eles e com a criança a flexibilização, gradualização ou a redefinição das regras e a incorporação de novas variáveis que vão chegando à dinâmica pais/filhos à medida que estes últimos crescem.
A forma como pai e mãe comunicam entre si sobre os filhos e como são consequentes nas suas ações conjuntas (separados ou não), é determinante para o equilíbrio dos filhos.
Quando a comunicação e as ações (é sempre o exemplo que se dá e que vale por mil palavras) por parte da mãe são unilaterais, inicia-se gradualmente a exclusão do pai (maioritariamente em relação aos filhos rapazes) e a desvalorização da sua ação, quando a mãe pelo sentido de posse que tem dos filhos e estes pela relação edipiana com a mãe, assumem como que uma comunicação paralela, que exclui o pai.
Os atos de afastamento do pai podem ser vários: desde a sua desvalorização feita pela mãe nos primeiros cuidados (ao não permitir que o pai intervenha), menos consciente, até aos segredos e cumplicidades mãe-filho (com a conivência manipulatória da mãe), mais consciente, que passam a compartilhar à margem do pai e que podem ir desde o segredo de uma nota escolar, à suavização de uma regra importante para o pai, com a qual a mãe até concordou, até casos mais extremos, como um adolescente estar a tratar de ir estudar para um país estrangeiro, sem que a mãe, sabendo, partilhe isso com o pai, apesar de todos viverem na mesma casa. Ou, no limite, pelo silêncio tácito que a mãe assume perante o pai em relação à vida dos filhos e aos seus eventuais “desvios” e que estes últimos percecionam como conivente por parte da mãe.
Numa situação de separação ou divórcio, estas situações assumem contornos mais graves. A mãe na sua ação alienadora do papel do pai tenta normalmente “matar” o pai aos filhos rapazes através de uma de duas modalidades que designo por “primária” e “perversa”, esta última mais sofisticada.
A modalidade primária
Neste caso, a mãe pode protagonizar diversas formas de boicote ou negação dos filhos ao pai, de forma a eliminá-lo progressivamente das suas vidas.
Para atingir aquele objetivo, vários estratagemas são utilizados pela mãe, sobretudo em crianças mais pequenas, para que o filho não se encontre com o pai: “está doente”, “tem trabalhos da escola para fazer” “tem que ir a casa da avó”, “tem uma festa de anos dos colegas da escola”, “a tia vem buscá-lo para irem ao cinema”…ou a criança está triste e não quer ir com o pai e ela, a mãe, não vai obrigá-la…entre muitos outros exemplos que a imaginação possa facultar.
A mãe nesta “modalidade primária” deseja que o filho ao não tomar contacto com o pai interiorize que este já não quer saber de si, pela simples razão que deixou de aparecer. Exacerbando a sua maldade, a mãe pode dizer à criança que o pai era para vir buscá-la, mas telefonou a dizer que não vinha, quando foi a mãe a invocar a suposta indisponibilidade da criança ao próprio pai que se predispunha a estar com ela, sem que o pai tenha qualquer possibilidade de avaliar a situação. Para a criança, isto é tomado como verdade. Afinal o seu espaço de referência, vivendo com ela, é a mãe e considerará no seu inconsciente que a sua securização se faz pelo comportamento que a mãe adota consigo, tomando todas as suas posições como verdadeiras ainda que, como sabemos, muitas vezes seja o contrário.
Por esta via o afastamento é também estendido à família de origem do pai (avós paternos, tios e demais família paterna), de modo a evitar mecanismos de identificação com a família do pai.
Nesta modalidade, a mãe comunica com o pai, embora seja uma comunicação disfuncional.
Modalidade Perversa
A modalidade perversa, usada pela mãe está mais presente quando a criança passa da fase da puberdade para a adolescência e quando a mãe socialmente não quer ser conotada com um comportamento alienante. É uma modalidade que pode ser mais vincada em meios culturalmente mais diferenciados, ainda que possa ser combinada com alguns aspetos da modalidade primária.
Basicamente, a perversão da mãe é feita de duas formas que podem ser usadas isoladamente ou em simultâneo: uma fortemente manipulatória e outra pelo silêncio.
Na primeira – manipulatória – pode, por exemplo, dizer ao filho que este tem que se encontrar com o pai para falarem da mudança de escola (comportamento valorizador do pai), mas em que induz o contrário junto da criança ou adolescente ao recusar-se a falar com o pai sobre a mudança de escola do filho (comportamento desvalorizador do pai). Saliente-se que os filhos esperam que os pais (ainda que separados) possam estar de acordo sobre aspetos essenciais das suas vidas.
Ou seja, na forma manipulatória, a mãe tem um comportamento ambíguo (diz que sim e pensa que não) e dual do papel do pai, transmitindo esta dualidade e ambiguidade ao filho na sua relação com o pai o que é potenciador da conflitualidade do adolescente, para além daquela que é própria da sua idade.
A outra forma de perversão é o silêncio que a mãe possa promover junto da criança ou adolescente, sobre o pai de forma a eliminá-lo ou no mínimo a que exista uma má representação.
Os exemplos são vários: eliminar o tema pai das suas conversas com o filho; não referir situações que o pai possa ser evocado; não procurar o pai ou rejeitar as iniciativas deste para falarem sobre os aspetos relacionados com a vida do filho; falar o menos possível com a família de origem do pai (avós, tios, primos) para também apagar esta memória da criança/adolescente associada ao pai e, finalmente, o mais importante, em toda esta modalidade perversa: remeter todas as conversas que ela – mãe – deve ter com o pai, sobre o desenvolvimento da criança/adolescente para o próprio filho, ainda que este tenha conflitos com o pai, invocando perversamente a autonomia que o adolescente já tem para ser ele próprio a resolver determinados assuntos.
Ou seja, a mãe transfere para o filho toda a conflitualidade inerente a diferentes pontos de vista que deve ser assumida entre ela e o pai, sobre assuntos do filho. Com esta postura, a mãe outorga ao filho o poder de ele conflituar com o pai sem qualquer limitação, sobre assuntos para os quais ele não tem ainda a necessária maturidade, tendo a secreta esperança – consciente ou inconscientemente - que o filho se incompatibilize com o pai através de um misto de imaturidade e irreverência. A verificar-se esta forma suprema de perversão: a mãe tem um aliado contra o pai. O filho de ambos. É o seu falo imaginário, no caso de não ter reconstruído a sua vida afetiva.
No limite estas mães dirão: “eu não tenho nada a ver com o conflito. Isso é entre ti e ele”. Ou seja, excluem-se de uma dinâmica que é a três: pai, mãe e filho, “esquecendo” por outro lado que ao passarem a responsabilidade da resolução de determinados assuntos para os filhos estão a fomentar nestes conflitos de lealdades, para além de potenciarem “disfuncionalidades” próprias da imaturidade dos adolescentes.
Para o pai, estas situações causam dificuldades de perceção; entre o que são manifestações de adolescência e o que são atos de imaturidade fomentados pela “cobertura” da mãe para o conflito aberto com o fim último da incompatibilização entre pai e filho. Aos pais nestes casos, recomenda-se em simultâneo: uma paciência sem limites; firmeza; afeto e serenidade.
Mas como alguém escreveu: o tempo é o grande escultor. E mais tarde ou mais cedo, os filhos que conseguirem a libertação edipiana das suas mães, saberão destrinçar as situações chave onde houve manipulação, sendo naturalmente desejável que - após estas descobertas que são sempre progressivas e chocantes -, mantenham laços afetivos saudáveis com as suas mães. Os pais, esses devem manter sempre a sua presença afetiva, paciente e assertiva junto dos seus filhos – até para os ajudarem na libertação edipiana -, por maiores que sejam as provocações e, acreditem, são muitas, diversas e inimagináveis. Muitas delas com controlo remoto.
António Marim
REVISTA PROGREDIR | MARÇO 2013