in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2021
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Sabemos que, na realidade, quase nunca é assim. A busca por esta conexão quase celestial ao longo do tempo pode trazer isolamento, frustração e sofrimento, porque 1+1 nunca é apenas 1. A aceitação da dualidade numa relação requer a capacidade de aliar e integrar estas duas pessoas num projeto de vida que contenha duas formas de pensar, sentir e agir, que até podem ser idênticas e ainda assim, o processo não será fácil. Dir-se-ia que na maioria das vezes pode trazer conflito, cedência e perda.
Esta dualidade pressupõe duas entidades, que se podem complementar ou polarizar. Complementam-se quando comunicam, respeitam e aceitam pontos de vista diferentes e sobre eles constroem algo em comum. Polarizam, quando se afastam e se tornam antagónicos, dando lugar, por vezes, à necessidade de criar supremacia de um em relação ao outro. Pressupõe que alguém se sente e age como sendo melhor do que outro, criticando e menosprezando, numa atitude constante de avaliação e controlo das suas ações. É o reforço de que 1+1 tem de ser igual a 1, com a ideia subjacente de que “temos que ser UM só. E esse UM tem de ser como EU”.
O egocentrismo desse EU, a dependência emocional, a obsessão, são comportamentos presentes nestes relacionamentos. Para que esse EU se sinta objeto de amor, tem de ser único e para ser único, o outro tem de perder a voz e a sua existência. É o amor que oprime, que não engrandece. E, enquanto se fragiliza, ganha-se poder. Assim, quase sem se dar por isso, vamos entrando no campo da violência psicológica Através de agressões muito ténues, que por vezes ninguém se apercebe, nem mesmo a própria vítima, estes comportamentos surgem mascarados sob o selo de proteção, de segurança A vítima tende a sentir-se confusa e ambivalente, e nem sempre se apercebe que está perante uma situação de vitimização, a tendência é de se culpabilizar por não ser grata pelos “cuidados” de quem agride. São vários os casos de Violência Doméstica no seio de relações de conjugalidade que aparecem na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que começam desta forma. A violência Doméstica entre casais não é só física, é acima de tudo psicológica. A violência psicológica e emocional não deixa marcas visíveis, mas é também considerada um crime à luz do artigo 152º do Código Penal.
Desprezar, menosprezar, injuriar, criticar negativamente todas as ações, características de personalidade ou atributos físicos, insultar, humilhar em privado ou em público, gritar para atemorizar, destruir bens pessoais, perseguir, reduzir os contactos sociais, acusar de ser infiel, ameaçar contra a integridade física, são comportamentos criminosos e que são perpetrados por quem muitas vezes, em nome do tal “amor único e eterno”, se vai empoderando.
Encontramos nos gabinetes da APAV, vítimas isoladas da sua rede social de suporte, porque o agressor criou a crença de que seriam mais felizes nessa unidade de casal. Neste caso o “elemento agressor”, controla e manipula sem interferência de terceiros, aumentando a vulnerabilidade da vítima. Também encontramos vítimas dependentes economicamente, porque não lhes é permitido trabalhar ou gerir os seus rendimentos, tudo sob a égide do tal amor, cuja finalidade é criar uma profunda vulnerabilidade sócio económica facilitadora de abusos psicológicos e emocionais.
No início, é comum a vítima negar esta violência, demonstrando alguma apatia face à situação. A negação é reforçada pela ilusão de proteção que a relação lhe transmite. O ciclo de violência promove sentimentos de confusão e incredulidade. Independentemente da sua duração e intensidade, este ciclo com três fases distintas segue um padrão que se inicia com um momento de tensão, seguido de uma agressão, para logo depois se entrar num terceiro momento designado de “lua de mel”, com pedidos de desculpa, manifestações de carinho e arrependimento que, mesmo assim, por vezes, podem vir carregados de culpabilização, com frases como “Eu amo-te. Porque me obrigas a dizer-te isso?”, “Tu és tudo para mim, não vês que quando fazes isso eu não me consigo controlar, desculpa!”.
À medida que o tempo passa, os impactos desta violência são brutais na autoestima e na autodeterminação destas vítimas. São comuns sentimentos de vergonha, confusão, perda de confiança, sentimentos de incompetência, ansiedade generalizada, depressão e ideação suicida. São várias as referências que indicam que os abusos emocionais ou psicológicos podem preceder os abusos físicos, mas também pode ser este o único abuso presente numa relação.
Um casal, um relacionamento deve então, sim, revestir-se de dualidade, permitindo a complementaridade, o respeito pelas diferentes formas de sentir. Então 1+1 deverá ser = 3, numa expressão em que coexistem o Eu, o Tu e o Nós. E cada um de nós é também essa dualidade do Eu e do Nós, sem que o Eu se oprima, mas que engrandeça à medida que o Nós também prospera.
PSICÓLOGA CLÍNICA
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