por Paulo Borges
in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2013
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Numa dessas experiências, juntou-se um grupo de praticantes de meditação, com 15 a 40 anos de prática, e um grupo de controlo de estudantes voluntários, com uma semana apenas de treino. Escolheram-se quatro tipos de meditação: 1 – o amor e a compaixão universais e imparciais; 2 – a atenção focada num único objecto, clara, calma e estável, sem torpor ou agitação mental; 3 – a presença aberta, em que a mente está consciente e atenta, mas sem se focar em nenhum objecto particular; 4 – a visualização de imagens mentais. Enquanto alternavam repetidas vezes períodos neutrais de trinta segundos com períodos de noventa segundos em cada um destes estados meditativos, os praticantes foram submetidos a eletroencefalogramas, que
captam alterações na actividade cerebral em milésimos de segundos, e a imagens de ressonância magnética funcional, que localizam com rigor a actividade cerebral. Os resultados mostraram espetaculares diferenças entre os praticantes experientes e os noviços, que provam a plasticidade do cérebro e a possibilidade de o transformar e desenvolver mediante a prática regular da meditação. Por exemplo, ao meditar sobre o amor e a compaixão houve um aumento da atividade cerebral de alta frequência, as chamadas “ondas gama”, “de um tipo nunca antes relatado na literatura científica”, segundo o Professor Richard Davidson. A atividade cerebral concentrou-se também no córtex pré-frontal esquerdo, a sede de emoções positivas, geradoras de bem-estar, como alegria, entusiasmo e altruísmo. Constatou-se também, nos praticantes experientes, a capacidade de regular voluntariamente a actividade mental, concentrando-se exclusivamente numa tarefa sem distracções; a identificação de emoções em rostos que aparecem num ecrã durante um quinto de segundo, sinal de um superior poder de empatia; e a inédita e espantosa neutralização do reflexo do susto, mesmo perante o disparo de uma arma junto do ouvido: uma vez que esse reflexo depende da predisposição para o medo, a raiva e a repugnância, os resultados sugerem “um nível de serenidade emocional impressionante”.
Não admira que o Dalai Lama tenha aberto, em 2005, os trabalhos do Neuroscience, o mais prestigiado congresso de neurocientistas do mundo, em Washington. E que já se fale da meditação como alternativa ao Prozac. Segundo o biólogo Eric Lander, do Projecto Genoma Humano: “Não é inconcebível que, dentro de 20 anos, as autoridades americanas de saúde recomendem 60 minutos de exercício mental cinco vezes por semana”. A meditação faz hoje parte dos cuidados de saúde e hospitalares, bem como das atividades escolares e empresariais em muitos lugares do mundo, integrando o horário de trabalho de mais de um quarto das maiores empresas norte-americanas.
Há por outro lado no Ocidente a ânsia de uma ética e espiritualidade prática, alternativa ao materialismo e niilismo contemporâneos e eficaz no lidar com o sofrimento, os conflitos internos e o sem sentido da existência. Sinal dessa busca espiritual é a corrida a livros de auto cura, desenvolvimento pessoal e esoterismo, onde, a par de uma minoria de obras credíveis, o público se expõe a todos os riscos da exploração comercial pela nova indústria dos sucedâneos das tradições espirituais autênticas, muitas vezes misturados nos estéreis ou já perigosos cocktails “espirituais” New Age (sem prejuízo das boas intenções que sob este rótulo se conjugam).
É por isso urgente redescobrir a profunda experiência meditativa, veiculada pelas tradições autênticas da humanidade e por aqueles que as renovam mediante uma verdadeira inspiração interior, traduzida numa vida exemplar, desprendida do poder, fama e riqueza, critério seguro de autenticidade. Por outro lado, o estado atual da civilização, o agravamento da relação destrutiva da humanidade com a natureza, os seres vivos e consigo mesma, tornam também urgente redescobrir a experiência meditativa. Estamos convictos que a meditação, não religiosa, mas secular, é hoje chamada a estar no centro de um novo paradigma mental, ético e culturalcivilizacional, e de uma nova organização social, política e económica, em que se assuma que a natureza e os seres sencientes, humanos e não-humanos, são inseparáveis de nós, possuem um valor intrínseco e não são meros objetos e recursos a explorar para a (impossível) satisfação da nossa avidez. É que a ausência dessa visão não dual e holística, que em boa parte reflete a ausência da experiência meditativa nos decisores mais responsáveis pelo destino do mundo, arrisca-se a precipitar-nos num imenso colapso ecológico-social.
PAULO BORGES PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA PRESIDENTE DA UNIÃO BUDISTA PORTUGUESA pauloborgesnet.wordpress.com [email protected] in REVISTA PROGREDIR | NOVEMBRO 2013 |