
Por Sónia Gravanita
in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2013
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Inevitavelmente, cada pessoa durante o seu desenvolvimento emocional, fica marcada por certas “dores” ou “feridas”, que podem provocar padrões de relacionamento conturbados, e que vão ser colocados preferencialmente em cena na relação amorosa. Esta é a relação mais íntima e profunda, palco propício para fazer treinos relacionais em falta. Assim, cada pessoa, conforme a organização da sua personalidade tem formas diferentes de dar e receber amor.
É aqui que aparecem as maiores dificuldades quanto à reciprocidade, uma vez que algumas pessoas ficam centradas nas suas “dores” e esperam ou querem que o parceiro as preencha, e por mais que o parceiro faça nunca nada chega. Outras vivem fantasiando as relações, construindo o parceiro como gostariam que ele fosse, não tendo a capacidade de o ver como ele é. Outras ainda, são incapazes de entender a vontade do outro, mesmo da pessoa que tanto podem gostar.
Outras há, com tanto medo de ficar sozinhas que aceitam relações desestruturadas e destrutivas na esperança que o outro mude, ou por sentirem que é preferível ter aquilo do que ficarem sem nada. Posto isto, é muito fácil não se sentirem amadas, e quando se sentem amadas por norma não se sentem suficientemente preenchidas.
Desconhecendo ou esquecendo-se que o amor tem um sentido inverso, ou seja, vem de dentro para fora e não de fora para dentro, não se dão conta que enquanto não resolverem e aceitarem as dificuldades internas e não aprenderem a estar bem com elas próprias, será muito difícil sentirem-se realizadas e felizes numa relação.
É fundamental ter presente que a relação é a dois, em que ambos os parceiros têm a capacidade de se comprometer mútua e reciprocamente, de dar e receber amor, e só desta forma é possível ficar disponível para cuidar das relações com alguma maturidade. Assim, as relações que se estabelecem deixam de ter como meta preencher um vazio, uma carência ou uma necessidade de atenção passando a relação a ser vivida, como algo que nos acrescenta felicidade. A relação amorosa adulta é um espaço relacional de encontro, de dois mundos diferentes, em que cada um dos elementos trás consigo, um passado, experiências, subjetividades, perspetivas, inseguranças, medos, conflitos internos, modelos de relação, as suas famílias de origem e amigos, e portanto trazem muita “bagagem” para dentro da relação. Passada a fase inicial da paixão, em que tudo é fantástico, é o momento de ver o todo, as qualidades, e os defeitos. É também tempo de desfazer fantasias/expectativas, e é o momento em que a relação pode terminar por ter sido apenas uma paixão, ou é o momento de uma nova fase de amadurecimento, em que a relação se constrói sobre pilares essenciais, com grande envolvimento emocional e espiritual.
Nesta fase é fundamental a expressão verbal, física e sexual do amor, bem como, a expressão de admiração e ternura mútua, apoio mútuo, cultivar o humor e o companheirismo, aceitação de exigências e tolerância para com os erros e defeitos do outro. Devem ser criados momentos só para o casal, em que consiga sentir, acima de tudo, vontade de que o outro esteja bem, como também, sentir segurança para partilhar o que se pensa e o que se sente com a pessoa amada.
Numa relação amorosa, o ser humano tem a possibilidade de dar, e de se entregar, em que o DAR torna as pessoas mais felizes, porque está a contribuir para a felicidade do outro. No entanto, é importante não esquecer que é essencial criar um tempo para a individualidade de cada elemento do casal, tempo esse ocupado com atividades, interesses que cada um tenha e goste de fazer, criar um tempo de qualidade, para que seja possível construir um Eu, um Tu é um Nós. Mas durante a vida de casal, inevitavelmente, vão surgir diferenças de opinião, de atitude, e os conflitos vão surgir, vai haver momentos de crise. As preocupações com o trabalho, a chegada dos filhos em que muitas vezes se perde a intimidade, a depressão pós parto, os conflitos não resolvidos e não assumidos podem levar a que cada um se isole, que a comunicação fique comprometida por projeções e distorções de um e de outro, e que facilmente o casal se afaste da sua intimidade e reciprocidade onde reside a essência de viver a dois.
A vida de casal só é possível se ambos crescerem dentro da relação, se tiverem a capacidade de se pôr em causa e de crescer em conjunto, podendo as crises enriquecer ainda mais a relação e o amor. A vida a dois pode ser vivida de uma forma positiva e harmoniosa ao longo dos anos.
Acima de tudo é fundamental ter presente para onde querem ir, como se perspetivam no futuro, de modo a seguirem de mãos dadas. Quanto mais os elementos do casal estiverem preparados para amar o outro de um modo “desidealizado” e conseguirem manter a admiração recíproca pelas qualidades reais, maior será a probabilidade de manterem uma relação sólida e feliz. A reciprocidade só é possível se existir entrega de ambas as partes, sem entrega não há relação.

PSICÓLOGA CLÍNICA
PSICOTERAPEUTA
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in REVISTA PROGREDIR | DEZEMBRO 2013
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