in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2020
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Ajustando as lentes na perspetiva de compreender o aqui-agora, cabe-nos enfrentar a importância do vazio. A liberdade existente na desocupação de algumas verdades, conceitos e certezas podem ser o início de uma ação eficiente e não dramática a favor de um espaço percetivo real.
Alguns mecanismos de preenchimento deste vazio podem gerar angústias que nos roubam a espontaneidade e a alegria de viver. A cultura oriental lida com o vazio de uma forma muito mais exploratória. Tudo surge do vazio. O vazio é um estado onde há total incerteza, não há respostas nem soluções.
A vida precisa do vazio, bem como o poema necessita de uma folha em branco e uma melodia necessita do silêncio. Este vazio que precede a criação é singular na manifestação humana e requer ressignificação para que saia de um temido espaço em branco a um ponto-chave de mudança interna. Temos dificuldade em nos desenvencilhar das palavras e usufruir do silêncio interior, que pode ser uma forma de solucionar diferentes questões. Quando a mente permanece ocupada em procurar soluções para os problemas, não deixa espaço para o novo; novas possibilidades e novas ideias que não sejam as mesmas já repisadas e tentadas. São os pensamentos já pensados que não dão abertura, que não deixam o vazio florescer.
Em geral, quando somos crianças, temos a leveza de estarmos livres de tanto excesso de conhecimento e certezas. Os fenómenos da mente vão se desenvolvendo a partir do vazio de uma intimidade pedindo por experiências: não há duas existências iguais. À medida que vamos estruturando a linguagem e as significações do mundo, vamos também construindo a ideia de que, para sermos eficazes, necessitamos estar cheios de conteúdo. De fato, a vida exige uma série de aceções que geram aprendizado, porém, no processo de nos tornarmos “grandes”, vamos criando uma série de sentidos que não estão de acordo com a nossa essência. “Por que eu não falei isso ou aquilo?”, “E se eu fizesse diferente?”, “E se tudo acontecesse de outra forma?”. Preenchemos a nossa subjetividade com fantasias e não deixamos espaço fértil para as construções e realizações do momento.
Nan-in, um mestre japonês que viveu durante a era Meiji, recebeu um professor da universidade que veio perguntar-lhe sobre o Zen. Este iniciou um longo discurso intelectual sobre as suas dúvidas, já que gostaria de saber como o mestre era tão admirado por sua sabedoria e sensatez. O professor, ansioso, interpela o mestre, diversas vezes querendo expor as suas opiniões. Nan-in, enquanto ouvia o visitante, servia o chá. Ele encheu completamente a xícara, e continuou a enchê-la, derramando chá pela borda. O professor, vendo o chá que transbordava, não se conteve e disse: Mestre, a xícara está cheia, não cabe mais chá! Na-in respondeu: como esta xícara, você está cheio das suas próprias opiniões e especulações. Como posso eu demonstrar-lhe o Zen sem que você primeiro esvazie a sua xícara?
Quando aprendemos a respeitar o nosso vazio e compreender que nele existe um potencial concomitante à criatividade, aprendemos a respeitar a nossa intimidade sem exigir certezas a todo o momento. De igual forma, aprendemos a ouvir. A escuta empática também necessita do vazio. Quando alguém nos conta um problema, geralmente estamos com a mente repleta de críticas, juízos e análises; escutamos e, ao mesmo tempo estamos elaborando mentalmente o que iremos responder ou o que seria necessário fazer. Compreender o vazio é se sentir livre para explorar, observar e melhorar as nossas relações interpessoais.
A nossa atividade mental profusa, repleta de preocupações, não nos possibilita a leveza da criação de novas possibilidades. O futuro ainda não tem gosto nem cheiro, o que ainda não chegou é um lugar vazio de sentidos. Quando nos acolhemos neste espaço livre, conseguimos respeitar a nossa essência e não exigir tanta perfeição na resolução dos nossos conflitos. Respeitar o nosso momento e a nossa intimidade é nos permitir sentir e, evidentemente, tornar presente a nossa consciência.
A liberdade de nos sentirmos vazios em certos momentos pode, propiciar inúmeras oportunidades de não mascarar acontecimentos que irão gerar medos, preocupações e tristezas. Distanciando-nos da eloquência afoita das mensagens, causando uma dormência consciente em busca de equilíbrio, conseguimos vislumbrar da unidade que somos. Necessitamos do espaço para explorar, realizar e apreciar a contemplação da nossa essência humana. Diante da vida a ser revelada, o silêncio pode ser presenciado sem estardalhaço, as feridas fechadas e os corações restaurados. Somos livres também nas incertezas. É lá que moram as possibilidades!
PROFESSORA DE HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS l ARTE-TERAPEUTA
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in REVISTA PROGREDIR | JULHO 2020
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