Por Lia Barreto
in REVISTA PROGREDIR |OUTUBRO 2021
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Quando a integridade está presente, nas relações encontramos responsabilidade, ética, respeito, justiça e cooperação entre as pessoas. São questões fundamentais para a nossa união enquanto sociedade. Porém, quando faltam esses princípios, revelam-se o preconceito, a violência, o discurso de ódio, a repressão e a intolerância. O mundo contemporâneo sofreu grandes transformações. A globalização, a tecnologia, o tempo e a sociedade são os principais pontos de reflexão sobre as mudanças na forma atual de relacionar-se com o outro, principalmente no mundo digital. As polémicas e os debates nas redes sociais estão repletos de discurso de ódio contra toda e qualquer opinião divergente da própria. E quando não há senso de integridade nas relações, vemos pessoas a ferir a dignidade e a liberdade de expressão e a faltar com o respeito pelas outras.
Em relação à sociedade, é essencial que haja integridade nos discursos e nas convicções e, nas tomadas de decisões, que elas sejam orientadas pelo senso de ética, respeito, justiça e responsabilidade, ao mesmo tempo que também se preza pela saúde e pelo bem-estar físico de todos. A integridade é um conceito tão fundamental para a nossa organização em sociedade, que está garantido como direito pela Constituição Portuguesa no artigo vinte e cinco, que diz: “1. A integridade moral e física dos cidadãos é inviolável. 2. Ninguém pode ser submetido à tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”.
A liberdade de expressar as nossas opiniões e pensamentos de forma criativa e singular também diz respeito à nossa integridade intelectual, que é essencial para que convivamos de forma respeitosa e harmónica em sociedade. Contudo, quais são as consequências quando a integridade não está presente nas relações interpessoais, principalmente nas redes sociais digitais?
Sobre o relacionar-se em tempos modernos, Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, escreveu em “Modernidade Líquida” sobre os vínculos humanos frágeis e fluidos, que transbordam, escorrem, esvaem-se e podem romper a qualquer momento. As relações tornam-se mais flexíveis, a gerar insegurança e maior isolamento social. Pode soar contraditório pensar na globalização, que, acredita-se, aproximou as pessoas com a tecnologia e a comunicação, mas apresenta-se como um fator que também gera segregação e afastamento. Porém, ao passo em que as pessoas buscam o afeto, há o medo de desenvolver relacionamentos mais profundos num mundo de movimento intenso e desenfreado.
Zygmunt Bauman acredita que os laços da sociedade atual dão-se em rede, não mais em comunidade. Sendo assim, os relacionamentos passam a ser chamados de conexões, que podem ser feitas, desfeitas e refeitas, a reforçar um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos.
As redes sociais criam novas formas de estabelecer vínculos, e é possível sentir-se parte de um coletivo mais facilmente. Porém, frequentemente há a ausência de um diálogo real e de integridade nessas relações. Torna-se cada vez mais comum o fechar-se em grupos que defendem as mesmas ideologias e que “cancelam”, excluem e rejeitam as diferenças.
A Internet, como qualquer outra tecnologia, não é em si boa ou má. É possível utilizá-la como grande fonte de pesquisas, interações à distância, trabalho e, incontestavelmente, simplificar a vida moderna com diversos recursos. Mas, ao comparar o número de usuários, poucas pessoas têm consciência de que, na rede, as informações também podem ser manipuladas e que elas influenciam a todo instante a formação de opinião.
Atualmente, é possível participar e acompanhar, em tempo real, toda a repercussão de grandes acontecimentos pelas redes sociais digitais e temos visto a formação de perfis de atuação política, económica, social, cultural, marcados pela intolerância e pelo radicalismo. A internet acaba por permitir que, através das redes sociais, seja possível expressar o ódio, dar a ele uma visibilidade imensurável, ter notoriedade, obter “likes” pelos seus amigos e seguidores e assim sentir-se validado. Estar por trás de um ecrã pode gerar uma sensação equivocada de não haver limites sobre o que é dito e as consequências disso podem ser catastróficas quando pensamos nas condições da saúde mental dos indivíduos.
Ainda há muito que avançar no mundo digital sobre as políticas de privacidade de dados, controlo de conteúdo e a proteção, principalmente, da integridade dos usuários. As pessoas estão cada vez mais dependentes do mundo virtual, portanto é urgente a consciência da responsabilidade que temos ao nos relacionarmos neste espaço também, para que haja sempre empatia, bem-estar, compreensão mútua e respeito.
PSICÓLOGA CLÍNICA, PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOGERIATRIA E ESPECIALIZAÇÃO
EM INTERVENÇÃO CLÍNICA EM CUIDADOS PALIATIVOS
[email protected]
[email protected]
in REVISTA PROGREDIR |OUTUBRO 2021
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)