in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2015
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Seres terrenos que somos, procuramos o ar com avidez constantemente insatisfeita. Precisamos dele não apenas para respirar, mas também para sonhar. Pisando o chão debaixo dos nossos pés, olhamos para o céu à procura de uma infinidade de respostas e de escapes. Quando sonhamos, quando queremos viajar para fugir ao nosso dia-a-dia, quando desejamos que esta vida faça algum sentido na imensidão do turbilhão avassalador de milhentas vidas semelhantes que pululam o mesmo espaço que nós há milénios. As coisas boas estão em cima, nunca em baixo. Os paraísos, os sonhos, as memórias, os desejos, as esperanças, procuramo-las sempre desenhando com o nosso olhar uma curva elíptica dirigida ao infinito. E o infinito é sempre um qualquer zénite que paira acima, muito acima de nós, levado por um leve balão.
As coisas perfeitas parecem ser sempre belas e, sobretudo, leves. A leveza segue a beleza. Também nas ideias, que se querem puras e descomprometidas, nos dias que correm. Pensamentos demasiado complexos, filosofias demasiado complicadas, relações demasiado exigentes deixam-nos desconfiados. O mundo é cada vez mais feito de leveza. Não penses mais nisso, aconselhamos. Ai que complicação, desabafamos. E vamo-nos agarrando a tudo o que possa descomplicar, relativizar, aliviar. Gadgets que trabalhem por nós, amigos coloridos que não nos peçam demasiado, comida rápida e pronta num minuto, químicos que nos anestesiem, arte consumida em meia hora com a ajuda de um balde de diáfanas pipocas, tablets e telemóveis cada vez mais minúsculos que transportam as nossas vidas inteiras, pessoas sem bagagem, porque a bagagem é chata, pesada e complicada.
E dessa forma vamos perdendo também a essência das coisas. O comprometimento com elas. O esforço da dificuldade que demora a dar frutos, mas que é capaz de os tornar muito mais sumarentos. A bagagem que não gostamos de transportar nem de mostrar aos outros, afinal, é o que nos pode explicar melhor, por vezes, como as rugas com que a vida nos vai marcando.
Mas a força da gravidade puxa-nos sempre de regresso à terra. E relembra-nos que não somos como os pássaros, que podem sair disparados das grandes alturas por onde deambulam para rasgar os espaços celestes sem amarras de qualquer espécie e sem sentir o apelo da matéria. E imaginamos como poderá ser a vida assim, sem peso, desenhada em suspiros extraordinários de apêndices alares capazes de atravessar oceanos sem necessidade de pousar. Esquecemo-nos que os pássaros não têm alma e se a tiverem, que será muito mais leve que a nossa porque muito menos rica.
Quando Milan Kundera escreveu "A Insustentável Leveza do Ser" quis refletir precisamente sobre a dualidade existente entre a leveza da liberdade e o peso do comprometimento. Tomas era livre antes de conhecer Teresa, que o obriga a um comprometimento pesado e opressivo. Mas antes de Teresa a vida de Tomas não tinha sentido. Somos matéria. É por isso que chocamos, que nos ferimos, que caímos e que temos peso. É por isso, também, que sentimos e sofremos. É por isso que os anjos, ao revés, nos invejam, como contou Wim Wenders n' "As Asas do Desejo". Damiel, um anjo com asas, apaixona-se por uma trapezista de circo que voa sem asas, e decide "cair" no nosso mundo para dela se poder aproximar. Conhece Peter, anjo há muito caído na terra e nas malhas de Hollywood, mas rendido ao mundo colorido dos humanos - "To smoke and have coffee - and if you do it together it's fantastic"
Porque a leveza pode ser demasiado insípida, incolor e inodora, sobretudo se quem a procura não possuir substrato que a suporte.
VIAJANTE DO MUNDO E DAS PALAVRAS
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