no século XXI. Por Cristina Leonor Pereira
in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2018
(clique no link acima para ler o artigo na Revista)
Mantém-se, em muitas almas lusófonas, a convicção pelo desígnio teleológico de realizar, na Terra, um reino universalista, aberto aos povos e nações, livre de qualquer segregação, exemplo de humanidade, assente numa política democrática e numa economia cooperativa de partilha fraterna e universal. Anunciado em vários textos exegéticos e filosóficos portugueses, O V Império do Espírito Santo marcou as motivações mais íntimas dos nossos monarcas, que o procuraram implementar ao longo de gerações de história.
O sonho português providenciou Afonso Henriques à conquista de novas terras, as políticas implementadas, no simbólico reinado de D. Dinis e D. isabel, vivificaram o propósito de pátria universalista, e os descobrimentos refundaram a esperança de construção de um reino de paz além-mar. Contemporaneamente, esquecidos do propósito, sustentamos, desapercebidamente, os mesmos ritos de reverência ao sonho universalista: festeja-se, Portugal afora e no Brasil, ainda hoje, a saudade conjunta do império prometido.
As festas do Espírito Santo estão vivas e cumprem, ao nível do inconsciente, a mesma vivência física e espiritual de comunhão, almejada no passado. Todos experienciam a beleza e a partilha simbólica do antigo bodo (a abundância de flores nas festas de Tomar, a coroação de uma criança em Alenquer). A sua simbologia leva-nos à pureza de um Império que não impõe poder, mas que se distingue por ser sábio e inocente; um império do Espírito onde os homens são libertados das amarras das suas culpas para se poderem redimir, onde a fome é saciada pelos princípios da economia partilhada e solidária, onde o poder é democrático e próximo do povo. Uma oikos-nomia que cuida verdadeiramente da sua “casa” e das pessoas, pondo ênfase nas inter-relações e na humanidade.
Esta é, reiteradamente, a demanda diária de todos nós: cumprir-nos a nós mesmos, vigiando as nossas e-moções diárias, propiciando cumprir também, a cada dia, Portugal e o mundo.
Como dar o passo para a nova Oikós-nomia?
Como começar esta demanda que providencialmente nos chama? Uma cooperativa, uma associação ou qualquer grupo, que emerja com um intuito económico-social transformador, resulta, necessariamente, de um trabalho de autoconhecimento.
O novo despertar exige, e citando o mestre Agostinho da Silva, uma nova atitude interior: disponibilizemo-nos para polir com mestria e beleza cada uma das nossas ações, nomeadamente, no trabalho (1), enriqueçamos cada gesto ou palavra com o esclarecimento de uma mente meditativa (2), sirvamos o mundo em vez de o governar. Destes três pilares, aliados à postura de confiança e de exploração, própria da inocência da criança coroada, desflorará evolutivamente uma nova perceção de vida e até uma nova genética. O Império da pureza e do amor, motivação de tantas conquistas portuguesas, outrora esmagado pela ambição, é restaurado a cada gesto diário, a cada escolha sublimada por «ser» (vs. “ter”); regenerado ante a vontade de aprendermos a cuidar daquilo que não é nosso. E que, sim, é de todos!
O amadurecimento de princípios de regulação interna como solidariedade, interajuda e cooperação esterilizará, por completo, o modelo das instituições políticas, que normatizam cegamente e à distância.
Ações de economia partilhadaA economia partilhada, contemporaneamente reconhecida pelo conceito académico de Economia Solidária, irrompe, necessariamente, de situações de limite extremo, como pobreza, desigualdade e revolta social. É esta forma de economia informal, fortemente, implementada na América latina e Macaronésia, que continua hoje a solucionar situações de indigência em ambientes gravemente desamparados e entregues a si próprios.
Os Açores, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe contam-nos, em português, histórias de sobrevivência, de empreendedorismo e superação conquistadas com a intervenção da economia de partilha. Uma economia que serve o bem-estar humano na sua relação com os sistemas de que interdepende, esforçando-se por esbater as desigualdades ou a falta de liberdade promovidas pelo capitalismo e pela ignorância humana.
A economia de partilha é a economia das inter-relações, construindo redes sistémicas muito alargadas e de apoio mútuo:
- Promove a coesão social.
- Protege o meio-ambiente.
- Incentiva o desenvolvimento local.
- Investiga e analisa os resultados da sua intervenção.
- Cria polos de economia sustentável que façam frente às necessidades das populações locais e do seu território.
- Fomenta a Inclusão social.
- Estimula a cultura.
- Desenvolve sistemas de financiamento ético.
O Império do Espírito Santo brotará do nosso interior, saltando do sonho utópico e imaginário para a realidade material, fazendo o impossível tornar-se vivo em nós e, por consequência, no mundo e num número cada vez maior de vidas oikonomicamente partilhadas.
PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA | LICENCIADA EM ESTUDOS CLÁSSICOS E EM FILOSOFIA
librilegendipt.wordpress.com
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in REVISTA PROGREDIR | AGOSTO 2018
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